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Formigas são venenosas? Entenda por que a picada desses insetos causa coceira

Ao mesmo tempo em que provocam irritação na pele dos seres humanos, os compostos tóxicos produzidos pelas formigas têm grande potencial biotecnológico


Publicado em: 19/03/2025

Reportagem: Guilherme Castro
Fotos: Shutterstock


Por que a picada das formigas coça tanto? É porque muitas delas são – acredite! – peçonhentas. Por não serem capazes de causar acidentes graves ao picar a pele humana (exceto em quem tem alergia), elas costumam ser inofensivas para as pessoas. Mas no reino animal, a história é outra: algumas espécies possuem mecanismos tão eficientes de defesa e regulação dos formigueiros que incluem até mesmo venenos dolorosos e paralisantes, que debilitam seus predadores. Ou seja, algumas formigas são, sim, peçonhentas, ainda que nos seres humanos, na maioria das vezes, suas toxinas causem só dor e coceira.

Há mais de 13 mil espécies de formigas catalogadas no mundo, sendo que 2 mil delas são nativas do Brasil. Entre estas, há espécies que possuem toxinas com propriedades diversas, e que são utilizadas na defesa contra predadores primários e no controle de pragas na colônia.

A forma como esse veneno é inoculado varia entre as espécies, mas na maioria dos casos as formigas utilizam um ferrão semelhante a uma agulha, localizado na parte posterior do corpo. Em humanos, elas tendem a morder a pele para fixar o próprio corpo, facilitando a inserção do veneno com o ferrão. Os elementos secretados na picada geram reações alérgicas, como coceira ou dor – se a pessoa for alérgica, pode ocorrer até mesmo choque anafilático.
 


Há também um grupo de formigas que não têm ferrão e, por isso, não conseguem injetar veneno em seus predadores ou presas. No lugar desse mecanismo, elas produzem ácido fórmico – um composto antimicrobiano comumente utilizado pelos insetos para proteger a prole e os ovos. O cheiro forte e a sensação de irritação que ele causa ajudam a espantar o predador. Ao contrário do que acontece com o veneno secretado por algumas espécies, que é injetado pelo ferrão, o ácido fórmico é arremessado em pequenos jatos. Ele é considerado uma defesa química, já que, em grande quantidade e na exposição prolongada, pode causar irritações severas na pele. 

Vale salientar que a incapacidade das formigas de causar acidentes graves em pessoas não significa que elas são mais ou menos venenosas. “Pensamos muito em venenos como aquilo que causa efeito negativo em humanos. Às vezes, a formiga até injeta o veneno, mas você não sente porque não tem quantidade suficiente para irritar”, explica a diretora do Laboratório de Bioquímica do Instituto Butantan, Adriana Rios Lopes. “A evolução selecionou as toxinas das formigas para que elas funcionassem melhor em predadores diretos. Óbvio que algumas coisas perduraram e nos afetam, como é o caso das irritações, mas o veneno não necessariamente tem a ver com a gente”, explica a pesquisadora.
 

Formigas-de-fogo-vermelhas


O estudo dos venenos das formigas

Um exemplo bem conhecido de formigas que têm veneno são as formigas-de-fogo-vermelhas ou lava-pés, nomes populares das espécies do grupo Solenopsis. No país, a mais comum é a Solenopsis saevissima, que você já deve ter visto por aí: vermelha, extremamente agressiva e responsável por picadas muito dolorosas. Esses bichos são considerados uma das maiores pragas invasoras do mundo atualmente: podem afetar ambientes urbanos, danificar equipamentos e construções e afetar lavouras e máquinas agrícolas, de acordo com artigo publicado na revista científica Science. Isso acontece porque sua existência em regiões sem predadores naturais desequilibra o ecossistema. Por outro lado, as formigas têm papeis ecológicos fundamentais, como a dispersão de sementes, o controle de outras pragas agrícolas e a aeração do solo pela construção de seus ninhos, o que permite melhor distribuição de matéria orgânica e nutrientes.

O veneno das formigas Solenopsis é rico em alcaloides e sua aplicação vem sendo estudada no desenvolvimento de inseticidas, antibióticos, alternativas para a eliminação de fungos e até quimioterápicos. Além do potencial biotecnológico, é possível que as toxinas liberadas pela rainha das lava-pés tenham propriedades de comunicação e organização social no formigueiro, o que dá margem para novas pesquisas, conforme aponta um estudo desenvolvido na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Mas apesar do vasto potencial de aplicação dos compostos venenosos das formigas, estudá-los impõe uma dificuldade: selecionar quantidades significativas da substância, dado o tamanho diminuto dos insetos.

 

Formiga-bala ou formiga-cabo-verde

 

Outra espécie conhecida por seu veneno é a formiga-bala ou formiga-cabo-verde (Paraponera clavata), nativa das Américas Central e do Sul. A mordida do animal é uma das mais dolorosas do mundo de acordo com a escala de dor de Schmidt, que vai de 1 a 4. A dor da picada equivale a 4+, superior ao próprio parâmetro estabelecido pelo índice. Esse sofrimento todo não é por acaso – ao perfurar a pele humana com o ferrão, esse inseto injeta uma neurotoxina paralisante, a poneratoxina, que causa dor extrema, pode gerar edemas na pele, aumento da frequência cardíaca e aparição de sangue nas fezes.

A formiga-bala costuma ser utilizada pelos indígenas Sateré-Mawé, do Amazonas, em rituais de passagem, quando os jovens da aldeia se tornam guerreiros. O iniciante precisa enfiar a mão em uma luva de folhas, que contém cerca de 80 formigas-bala recém acordadas, e aguentar por alguns minutos a dor das picadas. A experiência, que precisa ser realizada mais de uma vez ao longo da vida, é o marco da “fase adulta”.


Essa matéria também contou com a colaboração dos pesquisadores Guilherme Rabelo, do Laboratório de Bioquímica do Butantan, e Aryel Goes, doutorando da Ohio State University.