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Pesquisador do IB lança livro que cataloga serpentes da Mata Atlântica


Publicado em: 13/08/2019

Foi lançado na última quinta (8), no auditório do Museu Biológico do Instituto Butantan, o livro “Serpentes da Mata Atlântica: Guia Ilustrado para as Florestas Costeiras do Brasil”. A obra foi escrita pelo pesquisador Otavio Marques, do Laboratório de Ecologia e Evolução do Butantan, em parceria com André Eterovic, da Universidade Federal do ABC (UFABC), e Ivan Sazima, da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).

A publicação é a de número 5 da série sobre serpentes dos biomas brasileiros e registra 142 espécies localizadas na faixa litorânea, entre o Nordeste e o Sul do país. O guia disponibiliza informações sobre morfologia, dentição e biologia de cada uma, indica quais animais são venenosos ao Homem e possui mapas de distribuição dos animais no território nacional. A apresentação do livro é assinada pelo diretor do Instituto Butantan, professor Dimas Tadeu Covas.

Seguindo a premissa de ser um conteúdo tanto para o público leigo quanto especializado no assunto, o guia tem um formato que permite ser levado na mochila ou na bolsa, ideal para viagens em campo ou até para uma leitura despretensiosa. A diagramação com ícones, fotografias e textos concisos permite maior acessibilidade e reforça a mensagem sobre a importância da preservação desses animais e de seu habitat.

Confira mais detalhes sobre a publicação nesta entrevista do Butantan Notícias com o pesquisador Otavio Marques, que aposta na divulgação científica como ferramenta de educação ecológica.

 

Butantan Notícias - O que o leitor encontrará no livro?

Otavio Marques -  Este livro permite que a pessoa entre em contato com praticamente todas as espécies de serpentes que existem na região costeira da Mata Atlântica, também conhecida como Floresta Ombrófila Densa, que permeia todo o litoral do Brasil. Das 142 espécies que estão no livro só não temos fotos de duas, pois não se conhece foto desses animais vivos. O livro é agrupado por cores e padrões da pele das serpentes, ou seja, há a seção das cobras verdes, lisas, corais, com linhas e as manchadas. Junto com a foto e o nome científico do animal, a pessoa vai poder conferir ícones ilustrados que sintetizam todas as informações do animal, como horário de atividade, abundância na região, frequência em que se vê o animal na natureza, tipo de dentição, hábitos alimentares, tipo de comportamento defensivo entre outros. Existe também uma introdução sobre a biologia desses animais e a evolução pela qual passaram.

 

BN - Como nasceu este livro?

Otavio -  Este livro é o 5º [livro] de uma série iniciada em 2001, com a publicação do Guia de Serpentes especificamente da Serra do Mar, que abordava a faixa costeira de Mata Atlântica, entre o Rio de Janeiro e Santa Catarina. O 1º guia foi fruto do meu estudo de doutorado, época em que coletei várias espécies e formei uma coleção importante. Com isso, pensei em fazer um livro acessível e didático, visando também abordar a importância da conservação, pois nos lugares em que coletei, era comum as pessoas matarem os animais quando os encontravam. Posteriormente fizemos o Guia de Serpentes do Pantanal (2004), do Cerrado (2015) e da Caatinga (2017), este com a descrição de 112 espécies. Começamos a trabalhar neste guia em 2017, sabendo que as edições de 2001 já estavam esgotadas e que toda a região do Espírito Santo até o Nordeste não estava contemplada, então resolvemos aumentar o guia e incluir espécies de ilhas também, além de atualizar o conteúdo do primeiro livro. Também incluímos mapas da incidência desses animais no território brasileiro, o que facilita a identificação das serpentes por região. Nesta edição, existem informações obtidas em campo, através do dessecamento a partir das coleções, e também outras obtidas em laboratório, ou seja, é uma compilação. Eu diria que aqui tem praticamente toda a minha vida. E nossas vidas, enquanto pesquisadores desses animais, é uma síntese de tudo que conhecemos da Mata Atlântica.

 

BN - Qual o impacto desta publicação? Qual o objetivo ?

Otavio -  Um fator foi que uma vez um bombeiro que estava aqui no Butantan me falou: “nossa eu conheço seu guia e ele me ajuda muito em campo”. Outro fator foi que esse é o meu segundo trabalho mais citado no meio acadêmico, então ele serve de base para várias coisas e o alcance tem sido grande. Este é impacto. Além disso, é também um guia que permite alcançar crianças, jovens e adultos interessados no tema, não somente pessoas que estão em campo de pesquisa ou o acadêmicos de bancada.

Estamos em um momento no qual a preservação é muito importante, a gente tem que despertar isso nas pessoas, baseado em dados e informações. Vejo duas formas estratégicas de trabalhar este tema. Uma é pelo aspecto puramente afetivo, mostrando o animal e suas características. Se você criar afetividade por uma cobra é possível que quebre uma barreira enorme, porque a pessoa que gosta da cobra vai gostar desde um ratinho até um macaco. Tem a questão cognitiva também, porque à medida que você leva o conhecimento às pessoas e mostra a beleza da natureza é possível despertar a noção de conservação. Há uma frase de um conservacionista senegalês, Baba Dioum, uma autoridade quando o assunto é serpente, que diz o seguinte, “nós só iremos conservar aquilo que nós amamos, nós somente amaremos aquilo que entendemos e só iremos entender aquilo que aprendemos”. Então essa é a ideia principal com este tipo de publicação.

 

BN  - Quanto tempo foi necessário para produzir o novo guia?

Otavio - Foram mais ou menos dois anos de produção, ou seja, desde que publicamos a edição de serpentes da caatinga. Foram dois anos de muito trabalho, coletando informações com parceiros, atualizando dados antigos, selecionando fotos, dentre outras coisas. Como a procura por uma nova edição sempre foi grande, decidimos ampliar a região de mapeamento das espécies e, assim, aumentou também o volume de informações necessárias para o livro, que contou com fomento da Fapesp [Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo] e da Fundação Butantan.

 

BN - Quantas pessoas foram envolvidas na produção do guia?

Otavio - Além dos três autores, há um rol gigante de agradecimento que inclui fotógrafos, biólogos e pesquisadores que contribuíram muito com o guia. Pessoas que nos trouxeram animais e que compartilharam informações de pesquisas. Esse tipo de conteúdo demanda um trabalho de muitas pessoas. Os fotógrafos, por exemplo, tiram mais de 50 fotos e apenas uma é selecionada, são profissionais que sabem a melhor forma de registrar serpentes de um jeito que o bicho esteja visível e com todas as características bem nítidas, às vezes precisam até manejar o animal. Nossa lista de agradecimentos é enorme.

 

BN - Quem tiver interesse pode adquirir o livro de que maneira?

Otavio - A editora ponto A vende diretamente pelo site e ele estará na lojinha do Museu Biológico, aqui do Butantan. O valor é de R$ 75.

 

BN - Quem quiser ver essas espécies do livro encontra aqui no Butantan?

Otavio - Sim, no Museu Biológico, há serpentes que estão no guia, como a coral-verdadeira, a jararaca ilhoa e a jararacuçu, ou seja, o pessoal pode ver essas espécies com o livro em mãos, aqui no IB mesmo. Além disso, no Serpentário também temos mais jararacas e cascavéis que podem ser observadas.

 

BN - Quais são os planos futuros para este tipo de publicação?

Otávio - A nossa ideia é levar esse conteúdo para o meio digital, com a criação de um catálogo online de serpentes, porque sabemos que muitas pessoas se informam apenas nesse meio, sem contar o alcance que o meio permite. Também estamos trabalhando em uma nova edição, desta vez sobre serpentes da Amazônia, para fechar a série de guias.

 

BN - Para finalizar, qual o cenário atual em relação às serpentes de Mata Atlântica?

Otavio - No mundo há 3.700 espécies de serpentes e no Brasil são 400 ao todo. Serpentes da Mata Atlântica são 142, conforme está neste guia, o que representa mais de ⅓ das brasileiras, ou seja 35% das serpentes brasileiras são da Mata Atlântica, porém, o endemismo é de 45%, então quase metade das espécies estão só neste bioma, sendo o de maior endemismo de cobras em comparação com os outros. É importante destacar que há espécies com uma dispersão super restrita, como a jararaca-de-murici e a jiboia-do-ribeira. Isso significa que a presença delas está restrita a uma pequena parte do bioma, por isso é muito importante a questão da conservação, pois a amostra delas é tão pequena que qualquer alteração no ambiente põe em risco toda uma família. No Brasil, temos encontros para definir áreas de unidades de conservação, onde elencamos quais são as áreas mais importantes de acordo com as espécies que ali vivem. Se eu sei que tem cobra que vive em apenas um local, essa área se torna fundamental. Aí vem o especialista em aves, em botânica e outros que compartilham suas informações e com isso define-se as áreas que devemos considerar prioritárias. Este tipo de trabalho tem um significado enorme.

 

(por Caroline Roque)