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Gripe aviária pode ser transmitida entre humanos? Pode afetar carne de frango? Pode virar pandemia? Pesquisador do Butantan responde

Não há até o momento notificação de caso de transmissão entre pessoas, mas mutações constantes do vírus aumentam chance de isso ocorrer; veja essa e outras respostas


Publicado em: 17/06/2025

Reportagem: Camila Neumam
Fotos: Comunicação Butantan e Shutterstock

Apesar de a gripe aviária não ser transmitida de humano para humano atualmente, a circulação contínua dos vírus e sua transmissão entre aves, mamíferos e alguns casos em humanos, juntamente com o seu potencial de mutação, são fatos preocupantes que requerem medidas preventivas e uma preparação em caso de disseminação do vírus entre pessoas, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). 

O que é a gripe aviária e o significa potencial pandêmico

A gripe A (H5N1) é causada por um vírus aviário da influenza que está se espalhando rapidamente no mundo, causando a morte de milhões de animais e sintomas graves, que podem levar à morte de humanos. No momento, não há transmissão confirmada deste vírus em pessoas. Porém, se alguma linhagem se modificar a ponto de tornar possível a transmissão entre humanos, há um risco real de pandemia.

“O vírus de influenza A(H5N1) está sendo transmitido de aves para aves, de aves para mamíferos, de mamíferos para mamíferos, de aves para humanos e mamíferos para humanos. Só não vimos ainda a transmissão de pessoa para pessoa, mas existe um potencial do vírus adquirir essa capacidade, o que é muito perigoso porque aumenta o risco de uma pandemia”, afirma o pesquisador científico e gerente de Desenvolvimento e Inovação de Produtos do Butantan, Paulo Lee Ho.

 

Risco de pandemia ocorre com possíveis mutações do vírus e a transmissão entre humanos - o que não há evidências até então

 

A OMS ainda considera baixo o risco de uma pandemia em humanos, sobretudo pelo número de casos notificados nos últimos 20 anos no mundo e pela avaliação de risco de sua ferramenta conhecida como TIPRA (Tool for Influenza Pandemic Risk Assessment - Ferramenta para Avaliação de Risco de Pandemia de Influenza). 

De 2003, quando o vírus foi detectado pela primeira vez, até 27 de maio de 2025, a OMS registrou 976 casos de infecção humana em 25 países; destes, 13 casos e cinco mortes ocorreram em 2025. Do total de 976 casos, 470 foram fatais, o que confere uma taxa de letalidade de 48,2%.

“Apesar de a OMS considerar o risco baixo, nós nunca sabemos quando a transmissão entre humanos pode começar. Por isso, temos que nos preparar caso aconteça”, ressalta Paulo Lee Ho.

A linhagem de gripe A(H5N1) surgiu pela primeira vez em 1996 e tem causado surtos em aves desde então. Desde 2020, uma variante desses vírus levou a um número sem precedentes de mortes em aves selvagens e aves domésticas em muitos países. Depois de afetar a África, Ásia e Europa, em 2021, o vírus se espalhou para a América do Norte e, em 2022, para a América Central e do Sul. 

De 2021 a 2022, a Europa e a América do Norte observaram a maior e mais extensa epidemia de gripe aviária com persistência incomum do vírus em populações de aves selvagens. Desde 2022 há relatos crescentes de surtos mortais entre mamíferos, também causados por vírus influenza A/H5 – incluindo influenza A (H5N1). 

No Brasil, até o momento, não foi registrado nenhum caso da doença em humanos, embora o país já tenha registrado e controlado alguns focos em aves silvestres e em uma granja comercial no Rio Grande do Sul, segundo o Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA).

Dentro deste contexto, o pesquisador Paulo Lee Ho esclarece dúvidas sobre o vírus e o que o Butantan vem estudando para preparar uma vacina contra a doença.

 

1-    O que é a gripe aviária?

A influenza aviária, conhecida mundialmente como Influenza A Viruses ou pela sigla IAV, é um tipo de gripe zoonótica (ou animal) que afeta sobretudo aves selvagens e domésticas, e que tem como agente responsável um ortomixovírus.

Todos os vírus influenza de aves e de muitos mamíferos são do tipo A. Eles são classificados em subtipos com base em diferenças antigênicas de duas proteínas de superfície: hemaglutinina (HA) e neuraminidase (NA). Existem pelo menos 16 subtipos de HA e 9 de NA reconhecidos como de origem aviária, que dão origem aos subtipos da influenza A H5N1, H9N2, H3N8, entre outros. 

Os IAVs podem ser classificados pela categoria e subtipo de patogenicidade. Os vírus de alta patogenicidade (HPAI – Highly Pathogenic Avian Influenza, na sigla em inglês) H5 ou H7 são assim classificados a partir de um teste de virulência realizado em galinhas, conforme a capacidade do vírus de causar lesões severas e alta mortalidade. Os de subtipo H3N2 são considerados de baixa patogenicidade. 

O A (H5N1) é um dos vários vírus da gripe que podem causar uma doença respiratória altamente infecciosa em aves. Infecções em mamíferos, incluindo humanos, também foram documentadas. A infecção pelo vírus da gripe A(H5N1) pode causar uma série de doenças em humanos, de leves a graves e, em alguns casos, pode até ser fatal. 

 

Vacinação contra gripe A (H1N1) foi capaz de conter a pandemia do vírus em 2009

 

2-    O que causa uma pandemia de gripe?

Pandemias de gripe acontecem de tempos em tempos, justamente pelos vírus influenza serem altamente recombináveis, mutáveis e circularem nos hemisférios norte e sul do planeta. A OMS os monitora continuamente, e essas informações são utilizadas pelos produtores de vacina para atualizar os imunizantes de influenza sazonal todos os anos. 

Como o vírus influenza aviário A/H5 está em constante evolução, ele tem potencial de se tornar transmissível de pessoa para pessoa, após cruzar a barreira de transmissão ave-humanos. Não se sabe se isso vai acontecer e nem quando.

Mas se ocorrer, pode dar início a uma nova pandemia de influenza – como foi o caso da gripe espanhola de 1918 e da gripe A(H1N1) de 2009, segundo a OMS – que pode ser avassaladora, devido à alta taxa de mortalidade do vírus. 

 

Enfermaria do Walter Reed Hospital, em  Washington DC, nos Estados Unidos, durante a pandemia de gripe espanhola

 

3-    Já vivemos outras pandemias de gripe?

Sim. Um milhão de pessoas em todo o mundo morreram em um surto de gripe em 1957, que começou na China, mas se espalhou globalmente. Em 1968, outro surto ceifou de 1 a 3 milhões de vidas no mundo. Em 2003, o ressurgimento da gripe A(H5N1) evidenciou como o vírus podia ser transmitido de animais para pessoas, mas não atingiu o estágio pandêmico: o vírus não conseguiu se transmitir de forma sustentável de pessoa para pessoa – o que ainda se mantém.

A última pandemia foi a de gripe A(H1N1) em 2009, debelada graças às vacinas, embora milhares de pessoas tenham morrido. A doença que não foi de origem aviária, ficou conhecida como “gripe suína”, começou no México e se espalhou rapidamente para mais de 214 países, territórios e comunidades ultramarinas. Estima-se que entre 105 mil a 395 mil pessoas tenham morrido. 

Mas a pior pandemia de influenza da história foi a gripe espanhola, que infectou meio bilhão de pessoas no mundo em 1918 e matou mais de 50 milhões. A gripe ganhou este nome porque surgiu na Espanha, embora tenha se espalhado para outros países. Globalmente, o número de mortos superou o da Primeira Guerra Mundial, que foi de cerca de 17 milhões, em dados da OMS.

As pandemias mais recentes não foram tão mortais, devido aos avanços científicos referentes ao acesso a antivirais, vacinas, testes diagnósticos e técnicas modernas de vigilância. Mas, assim como acontece com muitas outras doenças, as pandemias de gripe afetam mais duramente as comunidades pobres e socialmente marginalizadas. Um estudo publicado na revista The Lancet, que analisou o impacto potencial de uma pandemia semelhante à de 1918 no mundo moderno, concluiu que "os países e regiões que menos podem se preparar para uma pandemia serão os mais afetados".

 

4-    Há risco de a infecção ser passada de humano para humano?

As evidências disponíveis sugerem que os vírus da influenza A(H5) em circulação não adquiriram a capacidade de se transmitir eficientemente entre pessoas. Portanto, neste momento, a transmissão sustentada de pessoa para pessoa é considerada improvável.

Ainda que a ameaça zoonótica permaneça elevada devido à disseminação dos vírus entre aves, considera-se que o risco geral de pandemia associado à influenza aviária A(H5) não mudou significativamente em comparação com anos anteriores. A OMS recomenda aos países que permaneçam vigilantes e considerem medidas de mitigação para reduzir a exposição humana a aves e outros mamíferos potencialmente infectados, a fim de reduzir o risco de infecção zoonótica adicional.

 

Autoridades sanitárias informam não haver perigo em consumir carne de frango desde que cozida

 

5-    Com os focos em aves no Brasil, há perigo em consumir carne de frango?

Não há perigo porque frango é um alimento que não se consome cru. O vírus não consegue sobreviver às altas temperaturas de cozimento. No entanto, recomenda-se evitar tocar em aves mortas ou se aproximar de aves e galinhas que pareçam doentes, ou seja, que estejam caídas ou espirrando. Nestes casos, é indicado chamar a autoridade sanitária local para fazer a remoção. Para pessoas que convivem ou trabalham em granjas, frigoríficos ou áreas rurais, é importante o uso de equipamentos de proteção individual, como luvas e máscaras no manuseio dos animais.

Como o vírus está atingindo outros animais, como mamíferos, inclusive vacas leiteiras, não se recomenda a ingestão de leite cru. O leite deve ser consumido fervido ou pasteurizado.

 

Processo de envase de lote reserva de candidata vacinal do Butantan

 

6-    Como está o processo da vacina do Butantan?

O Butantan tem um estoque reserva de uma candidata vacinal contra gripe aviária A (H5N8) desenvolvida com cepas fornecidas pelos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), dos Estados Unidos. 
Na prova de conceito, o antígeno e o adjuvante usados na candidata vacinal se mostraram eficazes para combater a doença. Estes resultados foram enviados à análise da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para um possível uso em pesquisa clínica.

O Butantan tem capacidade e expertise para fabricar o imunizante pelo fato de ele ser desenvolvido com a mesma plataforma da vacina da influenza sazonal, de vírus fragmentado e inativado, que o Instituto produz anualmente para o Programa Nacional de Imunizações (PNI) do Ministério da Saúde. 

Apesar da vacina do Butantan conter o vírus influenza A(H5N8), ela protege também contra o vírus A (H5N1), devido ao fato de ambos apresentarem o componente H5 (Hemaglutinina 5) semelhante ou idêntico. Além disso, o Instituto desenvolveu e produziu em escala piloto o adjuvante IB160 que foi combinado com sucesso com o antígeno H5N8 na prova de conceito da vacina realizada em modelo animal, mostrando a necessidade do uso do adjuvante e protocolo de imunização de duas doses da formulação vacinal. 

A produção em escala industrial do adjuvante está prevista para ser iniciada no final do ano e começo de 2026. Com isso, em caso de pandemia do vírus H5N1 circulante, o Instituto terá capacidade de produção do antígeno e do adjuvante para a formulação da vacina, representando uma possível autonomia do país na produção dos componentes vacinais.

Em 2018, o Instituto chegou a fazer estudo de fase 1 com uma outra vacina pandêmica de gripe aviária A (H7N9), em parceria com Organização Mundial de Saúde (OMS), com a Autoridade de Pesquisa e Desenvolvimento Biomédico Avançado do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos (BARDA) e com o Instituto de Pesquisa em Doenças Infecciosas dos Estados Unidos (IDRI), quando houve a transferência de tecnologia de produção do adjuvante IB160 ao Butantan. 

Em virtude dos riscos da gripe A (H5N1), os estudos com as novas cepas de gripe A/H5 estão sendo realizados como forma de preparação para uma potencial pandemia envolvendo a cepa em circulação.