Neste Dia das Mães, o Butantan homenageia as mães, especialmente as que estão no mercado de trabalho, com seis histórias inspiradoras de mulheres que trabalham no Instituto e na Fundação e que, de diferentes formas e com diferentes filosofias, conseguem conciliar a vida profissional e o cuidado dos filhos.
“Meu conselho às mulheres é que sigam em frente, continuem trabalhando. Os filhos entendem, a família entende”
Sonia de Andrade Chudzinski, química, pesquisadora científica V no Laboratório de Dor e Sinalização e coordenadora nacional da Olimpíada Brasileira de Biologia
Sonia de Andrade Chudzinski, a Soninha, se considera a última pesquisadora a entrar no Butantan. É que quando foi chamada no último concurso do Instituto, em 2010, ela tinha dado à luz gêmeos há apenas dois meses. Com os bebês muito pequenos, ainda mamando, ela prorrogou o máximo que pode o prazo para assumir o novo cargo. Mesmo assim, a transição foi intensa. Cada gêmeo tinha o seu próprio ciclo biológico: Catarina era mais calma, dormia mais, mas Pedro era mais elétrico, até hoje dorme pouco. Em alguns dias, Soninha se via com dor de cabeça sem saber o motivo: “Ah, é porque não comi o dia inteiro.”
A maternidade a fez mais organizada, disciplinada, responsável e segura. E, especialmente, mais produtiva – afinal, é preciso ser eficaz, fazer mais com menos tempo. “Tem reações que são muito lentas, tem reações que são mais eficazes. São choques moleculares. A mãe aprende a colocalizar de forma que você tenha um produto melhor e de forma mais rápida”, compara a pesquisadora, que é química de formação.
Soninha trabalha muito, e sabe disso. Quando a veem no dia a dia, as pessoas se perguntam: como uma mulher pode trabalhar tanto se tem dois filhos? Como uma mulher pode ir a um congresso internacional e deixar os filhos pequenos? “É algo que infelizmente eu já ouvi. Pode trabalhar tanto porque o trabalho dignifica. É o que a gente precisa ensinar aos nossos filhos.”
Ela conta com o apoio da família: na época dos congressos e olimpíadas internacionais, o marido tira férias e a acompanha, junto com as crianças. “Se eu pudesse dar um conselho às mulheres seria que sigam em frente, continuem trabalhando. Os filhos entendem, a família entende. Se não entender, é porque tem algo errado com a família e não com essa mãe que trabalha.”
“Se você tem um propósito, o filho não é uma dificuldade. O filho pode ser o impulso que você precisa”
Keila Cristina dos Santos, pedagoga, assistente de contratos
Para Keila Cristina dos Santos, o nascimento de Ana Beatriz, de 16 anos, foi a realização de um sonho. Ela sempre quis ser mãe. E para conciliar a vida profissional e o cuidado da menina, largou o emprego de sete anos e montou uma loja e ateliê perto de casa. Na época, ela era casada; alguns anos depois, porém, se viu sozinha para criar Ana Beatriz. E, novamente, foi por causa da filha que Keila deu o próximo passo na carreira: quando Ana já estava mais independente, decidiu fechar a loja e o ateliê, cursar faculdade de pedagogia e procurar outro emprego. Foi assim que chegou no Butantan, no Centro de Convivência Infantil, e, mais tarde, na área de contratos.
“Minha filha precisava que eu traçasse outro caminho para poder dar um futuro melhor a ela. Foi pensando nela que voltei ao mercado, corri atrás, fui estudar”, conta Keila. “Se você tem um propósito, o filho não é uma dificuldade. O filho pode ser o impulso que você precisa. A minha filha nunca foi um empecilho para que eu trabalhasse, para que eu lutasse. Talvez eu tenha traçado ruas mais longas, não fui pelo caminho mais rápido. Trilhei o caminho mais longo para ter passos firmes e dar o melhor para ela”, completa.
O resultado é que as duas são muito unidas. Até hoje, quando sai de casa de manhã e Ana Beatriz está dormindo, Keila passa no quarto dela e faz um nó no lençol. É para mostrar que passou ali, que a abençoou antes de sair de casa. “Não é porque eu trabalho que sou uma mãe ausente. Eu luto por ela, eu trabalho por ela. Eu tenho minhas conquistas, meus objetivos, mas sempre pensando em dar um futuro melhor a ela.”
Para quem está na mesma situação em que ela já esteve, Keila aconselha: uma mãe nunca está sozinha, ela tem seu filho ou filha. Ana Beatriz é um estímulo para a pedagoga. É o sorriso da filha, quando chega em casa, que a alimenta. “Eu sou a maior fã da minha filha. Ela é a melhor coisa da minha vida. Um amor de alma, que você não vê, não toca, mas todo mundo nota quando você fala dela, quando você olha.”
“Depois de um tempo, ficou comum colocar o trabalho meio que em primeiro lugar. E eu estou tranquila quanto a isso”
Marina Sakamoto, biomédica, gerente de produção do Núcleo de Formulação e Envase
De cara, Marina Sakamoto já avisa: não é uma mãe tradicional. Miki, de 12 anos, e Mei, de 4, vão à escola das 7 da manhã às 7 da noite desde o berçário. Por isso, quando a pandemia começou, o maior desafio da gerente de produção do Butantan foi justamente cuidar das meninas. “Eu posso dizer que fiz home office um dia, mas já não deu certo”, brinca. O cuidado das meninas ficou por conta do marido, que começou a trabalhar de casa – até porque, na mesma época, Marina assumiu o desafio de liderar a equipe do envase, além da formulação, em meio à produção da CoronaVac.
Ela notou que as meninas sentiram sua falta. Normalmente, Marina fica mais ausente durante os três meses da fabricação da vacina da influenza. No ano passado, a ausência se prolongou além disso. “Eu sentia um pouco dessa carência das meninas, mas hoje estou conseguindo ficar pelo menos os fins de semana com elas. A gente tenta aproveitar o que pode”, conta. Ela admite: no início da pandemia e da produção da CoronaVac, seu foco foi todo para o trabalho.
Para Marina, essa escolha está relacionada com gostar do que se faz. Ela nunca teve o sonho de trabalhar e ser líder de equipe. O que ela queria era ser mãe, bater um bolo à tarde, trabalhar meio período, fazer as compras da casa. Só que tudo mudou quando começou a trabalhar – ela está no Butantan há 16 anos. “Você começa a gostar, a se doar cada vez mais, a amar o que faz. Hoje, o que eu faço não é trabalho, passa muito rápido.”
É por esses motivos que Marina se define como uma mãe moderna. Miki, sua filha mais velha, tem síndrome de Down. Mas ao contrário de muitas mães em situação semelhante, ela trata a menina normalmente, sem se apegar à deficiência, motivando-a a aprender a se virar. “Sempre conciliei muito bem o trabalho com ser mãe, ser filha, ser esposa. Só que depois de um tempo ficou comum colocar o trabalho meio que em primeiro lugar. E eu estou tranquila quanto a isso.”
“Se eu tiver que andar um pouquinho mais devagar para o meu filho me acompanhar, eu vou. Mas o meu objetivo está lá e eu não vou deixar de alcançá-lo”
Caroline Tonacci Costa, arquiteta do Núcleo de Arquitetura e Urbanismo
Para a arquiteta Caroline Tonacci Costa, que trabalha há 7 anos no Butantan, o isolamento social da pandemia serviu como uma etapa de transição entre a licença-maternidade e a volta ao trabalho presencial. Mãe de Luca, de 11 anos, e Rafael, de 1 ano e 4 meses, ela viveu situações completamente diferentes na maternidade de um e de outro. Quando ficou grávida de Luca, largou o emprego e a rotina intensa para fazer uma licença-maternidade no seu próprio tempo. “É uma mudança quando você decide o que quer para o seu filho e não só para você. Até então você tem o seu planejamento como profissional. Quando vê que tem uma segunda pessoa que depende inteiramente de você, você fala: ‘eu posso continuar sendo profissional, mas ele vai ter que vir junto comigo'.”
Caroline e o marido demoraram para decidir ter o segundo filho. E, quando ele chegou, o mundo estava em pandemia. Os primeiros meses foram difíceis: Rafael nasceu com uma cardiopatia e não podia de jeito nenhum pegar qualquer doença respiratória no primeiro ano de vida. Em uma época em que ninguém sabia os efeitos da Covid-19 em crianças, o casal se isolou totalmente e triplicou os cuidados do recém-nascido. Foi uma época assustadora, até a notícia de que o novo coronavírus não seria um problema. “Foi um alívio danado, tremendo, porque a gente estava com muito, muito medo mesmo.”
Na hora de voltar ao trabalho, um novo desafio: levar o trabalho para dentro de casa e, ao mesmo tempo, cuidar de um bebê de poucos meses. Caroline ficou de home office por três meses após o fim da licença-maternidade, o que a ajudou na transição. Não foi o choque de um dia estar em casa com o bebê, no dia seguinte passar 10 horas longe dele. Foi gradual: começar a trabalhar, mas podendo amamentar mais um pouco e continuar acompanhando o desenvolvimento de perto. Enquanto as mãos digitavam no teclado, o pé balançava o carrinho.
"Eu ouvia as pessoas reclamando 'nossa, mas eu tenho que voltar para casa'. É tão gostoso voltar para casa e contar o que aconteceu, contar uma história do meu trabalho. Eu gosto tanto do meu trabalho que quero passar isso para o meu filho. Ter filho não é um empecilho de jeito nenhum, muito pelo contrário. Ele me fortalece”, conta. Para a arquiteta, o que muda na vida da mulher é a velocidade do passo que ela dá. “Eu sigo meu caminho com meu filho do lado. Se eu tiver que andar um pouquinho mais devagar para ele me acompanhar, eu vou. Mas o meu objetivo está lá e eu não vou deixar de alcançá-lo.”
“Você tem que ser o mais eficiente possível. Você tem uma hora? Vai lá e trabalha. Faz, porque você tem que responder por aquilo.”
Elizabeth González Patiño, estatística, coordenadora de desenvolvimento clínico
Ao longo de 2020, à frente de todo o trabalho estatístico dos estudos clínicos de fase 3 da CoronaVac, havia uma mulher estrangeira, mãe de dois filhos, um deles bebê de colo: Elizabeth González Patiño, mãe de Fidel, de quatro anos, e Lautaro, de 1 ano e 5 meses. Há 11 anos no Brasil, ela começou a trabalhar no Instituto ainda durante a pandemia, quando Lautaro tinha apenas 3 meses. Como tanto Elizabeth quanto o marido não são brasileiros e nem têm família aqui, tiveram que se virar sozinhos com as duas crianças pequenas, mais o trabalho.
“Não tem sido fácil, mas a gente se adapta e reprograma a vida. Sempre que a gente ama o que faz, consegue”, afirma ela. “Essa parte da maternidade e trabalho quando os filhos são pequenininhos é um desafio, mas a gente encara com todo o amor do mundo.” Quando a pandemia começou, Elizabeth e o marido tiveram que se organizar e planejar um horário para cada coisa. Conforme o tempo foi passando, eles viam o que dava certo e o que não dava, e mudavam a estratégia. Até ensinar Fidel a usar máscara foi um desafio.
A parte mais difícil, no entanto, era a impotência de não conseguir conciliar os prazos e rotinas do trabalho com a exigência das crianças. Elizabeth lembra que, antes de ter filhos, era tranquila, ‘quando der eu faço isso’. Agora não. “Você tem que ser o mais eficiente possível. Você tem uma hora? Vai lá e trabalha. Faz, porque você tem que responder por aquilo. Ser mãe tem me tornado eficiente, me ajudado a ser mais rápida.”
“Sempre tem alguém precisando, sempre tem alguém sentindo uma dor. E você, sem querer, pode fazer a diferença na vida de alguém”
Kilmary Lincolins de Oliveira Sequeira, contadora e técnica em informática, coordenadora de sistemas
A dor vem para ensinar mais do que as coisas boas. A história de Kilmary Lincolins de Oliveira Sequeira é de dor, mas também de superação. Ela começa com a primeira gravidez, aos 15 anos. Tiago, hoje com 24 anos, é o orgulho da mãe: jornalista, fez pós-graduação e comprou um apartamento com o próprio dinheiro. Mas, lá no início, as coisas não foram fáceis. Quando teve o menino, Kilmary, que ainda estava na escola, precisou começar a estudar de dia e trabalhar à noite para sustentá-lo. O primeiro emprego foi como menor aprendiz e ela só via o bebê no almoço e no intervalo entre escola e trabalho.
“Tive que iniciar minha vida profissional antes do previsto, fui mãe antes do previsto, assumi responsabilidades antes do previsto para conseguir suprir as necessidades afetivas e financeiras de uma criança”, explica ela. “Amadureci antes do tempo em todos os aspectos. Aprendi a colocar ordem no caos.” Para isso, Kilmary contou com o apoio da própria mãe, da irmã e das pessoas do trabalho.
A família e o apoio dos colegas também foram importantes quando, anos depois, já mãe de outros dois meninos, ela descobriu que Alfredo Neto, na época com 7 anos, sofria de epilepsia. A doença é especialmente grave porque, a cada crise, são queimados neurônios e a criança vai perdendo as habilidades cognitivas. Kilmary sempre diz que quando uma pessoa da casa convulsiona, a casa toda convulsiona. Ela e o marido buscaram médicos, tiveram que aprender a lidar com as crises e, claro, conciliar o trabalho e o cuidado dos outros filhos com a situação. Hoje, o tratamento de Alfredo Neto é feito com canabidiol. Conseguir os remédios é outra luta, já que eles precisam ser importados e liberados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Quando Alfredo Neto fez 13 anos, José fez 7. Como é nessa idade que as crises de epilepsia costumam aparecer, Kilmary levou os dois para fazer um eletrocardiograma. Ela lembra como se fosse hoje: quando viu o exame de Alfredo Neto, estranhou o resultado: o traçado no eletro estava zerado, indicando que não havia nenhuma alteração. “Quando abri o resultado, falei ‘o resultado do Zé, graças a Deus, deu ok’. Aí olhei o resultado do Alfredo e falei ‘nossa, acho que eles confundiram o do Zé com o do Alfredo, porque está tudo ok também’. Eu não conseguia parar de chorar.”
Nesse dia, Kilmary estava no trabalho, sentada à frente de Claudia Anania, sua gestora, que acompanhou todo o tratamento de Alfredo Neto e a dor da família. Ter uma gestora mãe, capaz de compreender que ela era, ao mesmo tempo, uma profissional e uma mãe passando por um momento muito difícil, foi essencial. “Ela sabia da minha dedicação, que eu iria entregar, mas que naquele momento eu não estava bem. E ela conseguiu me apoiar. Foi nosso momento de fidelidade, de falar ‘eu vou dar o que for preciso para entregar os projetos’”, lembra. “Eu vi que precisava ser melhor porque no mundo sempre tem alguém precisando, sempre tem alguém sentindo uma dor. E você, sem querer, pode fazer a diferença na vida de alguém.”