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Restrições no Brasil reduziram importação e exportação do SARS-CoV-2, mas não impediram circulação interna, mostra estudo do Butantan

Pesquisa traçou as rotas do vírus nos estados e entre Brasil e exterior; restrições não foram suficientes para reduzir casos


Publicado em: 31/10/2022

Um amplo estudo do Instituto Butantan em colaboração com outras instituições, como o Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) e a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, descreveu a dinâmica de transmissão do SARS-CoV-2 no Brasil e trouxe evidências de que as medidas de restrição adotadas não foram suficientes para conter a circulação interna do coronavírus. No momento das restrições mais rígidas, entre abril e agosto de 2020, a importação e exportação do vírus chegaram a diminuir, provando a eficácia das medidas, mas os casos de Covid-19 no país continuaram aumentando. O artigo, anteriormente divulgado em preprint, foi publicado na revista Nature Microbiology.

A pesquisa analisou mais de 17 mil amostras de genomas do SARS-CoV-2 de todo o Brasil e do Paraguai, além de amostras de bancos de dados internacionais, entre março de 2020 e julho de 2021. “Este foi o primeiro trabalho que trata da epidemiologia genômica do vírus com esse nível de detalhes, profundidade e complexidade de análise. A pesquisa permitiu ver quais eram as variantes que estavam circulando e quais foram os eventos de migração do vírus”, afirma o pesquisador do Butantan Vincent Louis Viala, um dos autores do estudo.

A ocorrência de um aumento de casos mesmo durante o período de maior restrição pode ser explicada pelas viagens entre os estados, que continuaram acontecendo, facilitando a transmissão interna do coronavírus no Brasil. Os eventos de importação e exportação, que foram reduzidos naquele momento, também voltaram a subir após o relaxamento das medidas. O resultado viria em janeiro de 2021, com a rápida disseminação de variantes de preocupação do SARS-CoV-2 no país, começando pela gama em Manaus.

Outro achado do estudo foi que o Brasil exportou o vírus para outros países 10 vezes mais do que importou. “Esse dado pode indicar que as medidas internacionais foram mais efetivas do que as nacionais, diminuindo a chegada de novas variantes no país. Como as restrições no Brasil não foram tão severas em relação a viagens, por exemplo, acabamos exportando mais”, explica o pesquisador. As análises do Paraguai demonstraram que as exportações brasileiras tiveram maior impacto nos países da América do Sul – o Brasil apresentou uma relação direta com a introdução de todas as linhagens do SARS-CoV-2 no país vizinho.

Já em relação às importações, segundo Vincent, a maior parte veio da Europa. “Nós supomos que se o Brasil tivesse adotado uma restrição maior em relação a viagens europeias, poderíamos ter tido um menor número de casos”, aponta.

 

Relevância do estudo

A pesquisa evidencia o que já se falava desde o início da pandemia: que as medidas não farmacológicas – como uso de máscara e distanciamento social – são eficazes para controlar a disseminação da Covid-19. “Ficou claro que, quando temos medidas de restrição, vemos uma diminuição da migração do vírus. Então não é uma ideia sem fundamento fazer restrições de movimentação”, afirma Vincent.

Para ele, esse tipo de estudo é fundamental para as tomadas de decisão de órgãos públicos em relação ao controle dessa e de possíveis futuras pandemias, contribuindo para entender as taxas evolutivas do vírus, a dinâmica de transmissão e como prevenir novos casos e o aparecimento de variantes.

 

Metodologia avançada

Uma das tecnologias utilizadas no estudo foi o sequenciamento de nova geração, que é uma ferramenta muito precisa de sequenciamento em larga escala. “Trata-se de um método estabelecido desde o início da pandemia, aceito por toda a comunidade científica internacional e altamente confiável”, diz Vincent.

Além disso, os pesquisadores usaram técnicas de análise evolutiva, que são cálculos matemáticos complexos, aliadas a dados geográficos. Para cada amostra, os pesquisadores tinham a informação de onde e quando ela foi coletada. Isso permitiu comparar sequências genômicas e entender o comportamento de cada linhagem viral.