Reportagem: Camila Neumam
Fotos: Carlos Jared, Comunicação Butantan e Shutterstock
Drama, comédia, terror, suspense... no mundo animal a atuação de algumas espécies passa por todas essas categorias e faz grande diferença na arte da sobrevivência. Fingir-se de morto, mudar de cor, ter partes do corpo que parecem de outros animais para enganar predadores garantem atuações dignas de prêmios. Ou você pensa que é só a atriz Fernanda Torres que merece um Globo de Ouro e um Oscar?
O filme brasileiro “Ainda estou aqui”, com direção de Walter Salles, foi lançado em 2024. Sucesso mundo afora, a película concorre ao Oscar 2025 nas categorias Melhor Filme, Melhor Filme Internacional e Melhor Atriz, com Fernanda Torres.
Abaixo, o Portal do Butantan selecionou algumas encenações animais para lá de surpreendentes. Para você, qual vale uma estatueta?
Em tanatose, a perereca Phyllomedusa burmeisteri solta um cheiro parecido com o da maria-fedida
“Prenda-me se for capaz*”
As imagens de um esquilo se fingindo de morto com uma vassoura no pescoço em Taiwan viraram meme nas redes sociais. Ao menor sinal de perigo, o bichano caiu durinho no chão e não se mexeu até sentir que a ameaça passou.
A encenação do esquilo representa um caso de tanatose, comportamento que os animais usam para se defender de predadores. A palavra vem do grego “thánatos”, que significa morte, e “ose”, que se refere a um estado ou condição. Na mitologia grega, Tânatos é o deus da morte.
O hábito é natural e involuntário, ou seja, faz parte da genética do animal. Alguns deles até colocam a língua para fora, dando show de interpretação. A característica se estende por diferentes espécies de mamíferos, répteis, anfíbios, insetos e até aves. Entre eles, sapos, rãs, pererecas, saruês e até algumas serpentes como a Hognose snake [cobra ‘nariz-de-porco’, em tradução livre], que vira de barriga para cima e abre a boca. Seria a melhor atuação dramática ou pura comédia? Escolham!
*O filme estadunidense “Prenda-me se for capaz”, de 2002, foi nomeado ao Oscar nas categorias de Melhor Ator coadjuvante e Melhor Trilha Sonora naquele ano.
Aranha Aphantochilus rogersi IMITA formigas do gênero Cephalotes, sua presa mais frequente
“O beijo da mulher aranha*”
Alguns animais tem a habilidade de imitar outras espécies para confundir os predadores. O recurso de defesa é chamado de mimetismo, e não é nada além de uma estratégia evolutiva. Um exemplo é o da aranha Aphantochilus rogersi que imita formigas do gênero Cephalotes, sua presa mais frequente. Imagina só: ela se mistura às formigas para comê-las. Atuação digna de filme de terror, não é mesmo?
O filme *norte-americano “O beijo da mulher aranha”, dirigido por Hector Babenco e lançado em 1985, foi nomeado em várias categorias do Oscar. O ator Willian Hurt, que viveu o protagonista da história, venceu o Oscar de Melhor Ator naquele ano.
A Caligo sp., conhecida como borboleta-coruja, vista de baixo parece uma coruja e em repouso lembra uma cabeça de cobra
“Silêncio dos inocentes*”
A Caligo sp., conhecida como borboleta-coruja, também capricha na performance, com detalhes surpreendentes. Vista de baixo, ela se parece com uma coruja, e quando está em repouso, com uma cobra. Como assim? Na região ventral, ela tem duas grandes manchas circulares nas cores preta e marrom, semelhantes a olhos de coruja. Ao abri-las, o inseto surge “com dois grandes olhos arregalados” assustando seus predadores. Quando em repouso, o desenho também lembra uma cabeça de cobra, fazendo “tremer” as vespas minúsculas que furam suas asas para depositar ovos e parasitá-la com suas larvas.
Os plots twists (“reviravoltas da trama”, em tradução livre) deste outro exemplo de mimetismo bem que poderiam render uma indicação de melhor suspense.
Leia mais sobre a borboleta-coruja
*O filme norte-americano “Silêncio dos Inocentes”, de 1991, foi dirigido por Jonathan Demme. Um marco na história do cinema, recebeu prêmios nas cinco categorias principais do Oscar: Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Ator, Melhor Atriz e Melhor Roteiro Adaptado.
Coloração e estampas no corpo da jequitiranaboia permitem que o animal se camufle na natureza, afastando predadores
“Vida de inseto*”
Difícil mesmo vai ser tirar a estatueta de Melhor Atriz da jequitiranaboia (Fulgora sp.), que eleva à máxima potência sua capacidade de mimetismo. O inseto tem uma cabeça que lembra um jacaré, cores semelhantes à de uma jiboia, e olhos de coruja nas asas.
Típico das Américas do Sul e Central, a jequitiranaboia tem uma grande distribuição no Brasil, e é um exemplo clássico de imitação na natureza. Seu nome popular vem do tupi-guarani e significa “cigarra parecida com cobra” (yeki: cigarra; rana: parecido; mboya: cobra). Seria ela totalmente premiada?
Leia mais sobre a jequitiranaboia
*A animação “Vida de Inseto”, de 1998, produzida pela Pixar, com direção de John Lasseter, é inspirada na fábula "A Cigarra e a Formiga", de Esopo. O filme ganhou vários prêmios e foi nomeado ao Oscar de Melhor Trilha Sonora Musical ou Comédia Original no mesmo ano.
Onde está o bicho pau? O macho da espécie Cladomorphus phyllinus está camuflado
“O ilusionista*”
Outro fenômeno impressionante do mundo animal é a camuflagem, que ocorre quando a estrutura corporal do bicho se mistura ao ambiente, permitindo a ele se esconder dos predadores. Um exemplo clássico é o bicho-pau. De tão parecido com um galho de árvore, é preciso esforço para achá-lo perambulando pelo tronco e pela vegetação. Algumas espécies têm uma estrutura mais robusta e se parecem com folhagens, enquanto outras têm espinhos, que os tornam menos atraentes para quem estiver pensando em devorá-lo.
Uma espécie de bichos-pau fica quase idêntica às folhas. Da família Phylliidae, que predomina na Austrália e no Sudeste Asiático, esses insetos possuem o corpo achatado e podem apresentar coloração verde, amarela ou marrom.
*O filme tcheco-estadunidense “O Ilusionista”, dirigido por Neil Burger, foi lançado em 2006. Recebeu vários prêmios e foi nomeado ao Oscar de Melhor Fotografia na premiação de 2007.
*Essa matéria contou com a colaboração do pesquisador e diretor do Laboratório de Biologia Estrutural do Instituto Butantan, Carlos Jared, e da Técnica do Laboratório de Coleções Zoológicas do Instituto Butantan Natália Batista Khatourian.
Fonte: Oscars