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Várias profissões e salvamento nos EUA: 5 fatos históricos sobre Vital Brazil que vão te surpreender

Nomes incomuns; descobertas que mudaram a história e aplicação de soro em NY marcam memória do médico


Publicado em: 27/04/2022

O médico e sanitarista Vital Brazil (1865-1950) fez história no tratamento de acidentes com animais peçonhentos, sendo reconhecido mundialmente como uma referência na criação de soros antiofídicos. Mas a sua história de vida, recheada de momentos impressionantes, é tão preciosa quanto seus feitos científicos. Abaixo, selecionamos cinco fatos incríveis sobre o fundador do Instituto Butantan, que faria 157 anos em 2022.

 

Seu nome característico

Vital Brazil Mineiro da Campanha: este é o nome completo do médico e sanitarista. A escolha de seu sobrenome não tem raízes familiares, mas total relação com seu nascimento. Filho de José Manoel dos Santos Pereira Júnior (1837-1931), um caixeiro viajante que abandonou a família de fazendeiros para correr pelo país, e Mariana Carolina Pereira Magalhães (1845-1913), prima em quinto grau de ninguém menos que o inconfidente Tiradentes, nasceu em 28 de abril de 1865, em Campanha, Minas Gerais, no dia de São Vital. O Brazil vem do seu país de nascimento, que na época se escrevia com a letra z.

Vital Brazil e familiares sentados em frente ao Pavilhão Lemos Monteiro, localizado no Instituto Butantan  (Acervo Instituto Butantan/Centro de Memória)

 

Irmãos com nomes curiosos

Vital teve sete irmãos, todos com sobrenomes também relacionados aos seus locais de nascimento. A renúncia dos sobrenomes foi uma escolha de seu pai e forma de protesto porque a família foi contrária ao casamento com Mariana.

Os nomes dos irmãos de Vital são Maria Gabriela do Vale do Sapucahy; Iracema Ema do Vale do Sapucahy; Judith Parasita de Caldas; Acácia Sensitiva Indígena de Caldas; Oscar Americano de Caldas; Fileta Camponesa de Caldas e Eunice Peregrina de Caldas.

Familiares de Vital na inauguração da exposição "Uma Fotobiografia de Vital Brazil" durante discurso de Oswaldo Vital Brazil. (Acervo Instituto Butantan/Centro de Memória)

 

Várias profissões até o reconhecimento

A trajetória do médico Vital Brasil até se tornar um ícone da ciência foi cheia de altos e baixos. De origem pobre, ele precisou trabalhar desde cedo para ajudar no sustento familiar e poder ter condições de fazer a sonhada faculdade de medicina, já no início do século 20 algo somente alçado pelos membros das famílias mais abastadas. 

Foi redator em jornal, condutor de bonde, escrivão de polícia, entregador de jornais. Com 15 anos, tornou-se professor do curso primário em um colégio renomado de Minas Gerais, lecionando gratuitamente para ter o direito de frequentar as aulas do curso secundário.

Mas foi somente com 21 anos, em 1886, que ele finalmente conseguiu ir para a capital federal, e realizar seu sonho de ingressar na Escola de Medicina do Rio de Janeiro. Para se manter, trabalhava como professor, o que lhe permitiu formar-se em 1891, com o título de "Doutor em ciências médico-cirúrgicas”.

 Dr. Vital Brazil em trabalho no laboratório em 1908. (Autoria desconhecida/Acervo Instituto Butantan/Centro de Memória) 

 

Momento eureca que mudou a história

Formado médico, Vital Brazil voltou para São Paulo e foi contratado pelo Serviço Sanitário do Estado, onde trabalhou na comissão de especialistas para estudo de saneamento em localidades do interior assoladas pela febre amarela, malária, varíola, difteria e outras endemias. Em 1895, deixou o serviço público e começou a se dedicar à clínica médica em Botucatu (SP). Lá, resolveu estudar sobre acidentes ofídicos depois de assistir a uma paciente morrer em decorrência de uma picada de cascavel.

Com a leitura de artigos do médico e bacteriologista francês Léon Calmette (1863-1933), que abordava a soroterapia, e cobras compradas de roceiros da região, Vital começou a extrair veneno e fazer análises clínicas. Mas com pouca estrutura, os estudos só continuaram quando voltou à capital paulista após ser nomeado assistente do Instituto Bacteriológico, sob a direção de ninguém menos que o médico Adolfo Lutz, pai da medicina tropical no Brasil.

Vital Brazil (7) realizando demonstração de extração de veneno ao lado de Dorival Camargo Penteado (1) e do farmacêutico Bruno Rangel Pestana (2) (G. Sannacino/Acervo Instituto Butantan/Centro de Memória)

 

Ao perceber que o soro de Calmette era inativo contra os venenos da cascavel e jararaca, Vital  criou o soro anticrotálico, ativo contra o veneno da cascavel, e o soro antibotrópico, ativo contra o veneno da jararaca. Assim, a especificidade dos soros antipeçonhentos passaria a ser uma realidade científica.

Vital teve ainda outros tantos momentos eureca na carreira. Um deles foi a descoberta de que a peste bubônica, que já assolava a Europa, havia chegado ao Brasil pelo porto de Santos (SP). Em 1899, Vital foi enviado à cidade para investigar a situação epidemiológica: um surto epidêmico assolava a região, mas não havia provas de que era a peste. Vital identificou que ratos como vetores da doença e, durante a pesquisa, foi contaminado, sendo tratado por outro expoente da medicina brasileira: Oswaldo Cruz. A descoberta permitiu ao governo brasileiro tomar medidas sanitárias para evitar que o surto se espalhasse.

Extração de veneno de serpente (Rhinocerops alternatus) por Vital Brazil na diretoria do Serviço Sanitário do Estado de São Paulo em 1908. (Autor desconhecido/Acervo Instituto Butantan/Centro de Memória) 

 

Deu no New York Times!

E quem pensa que os fatos surpreendentes da vida de Vital param por aí, se engana. Curado da peste bubônica, ele voltou a São Paulo para criar, na Fazenda Butantan em 1899, o Instituto Serumtherápico, que mais tarde se tornaria o Instituto Butantan. Vital tinha a missão de instalar e organizar um laboratório para a produção dos soros antipestosos vinculado ao Serviço Sanitário do estado, que era então chefiado por outro baluarte da medicina nacional: o médico Emílio Ribas.

Em novembro de 1915, já um conceituado diretor do Butantan, Vital foi convidado para o Congresso Científico Pan-Americano, em Washington (EUA). Quando já se preparava para retornar ao Brasil, foi informado que um tratador de cobras de um zoológico do Bronx, em Nova York, havia sido picado por uma cascavel e que o soro de Calmette não surtira efeito. Pediram a ele um soro feito no Butantan, que ele prontamente tinha, e que salvou a vida daquele homem.

O incidente foi publicado em vários jornais americanos. O The New York Times anunciou, em 7 de fevereiro de 1915: “Antes de partir, em visita a um John Toomey quase completamente restabelecido, ouvindo deste um comovido agradecimento por ter-lhe salvo a vida, o Dr. Ritol Brazil (sic), respondeu-lhe: ‘o senhor não me deve nada, pelo contrário, eu é quem lhe devo a grande oportunidade de testar e divulgar a eficiência do nosso soro’.

 

Delegação brasileira no Congresso Científico Pan-Americano. Na frente (esq. à dir.): Dr. Vital Brazil; embaixador Domício da Gama, presidente da delegação; Antonio Carlos Simões da Silva e Joaquim de Oliveira Botelho. (Harris & Ewing)

 

*Com informações do livro “Vital Brazil: vida e obra 1865-1950”, de Lael Vital Brazil