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Experiência do Brasil com zika e dengue acelerou sequenciamento do SARS-CoV-2 no início da pandemia, diz imunologista Ester Sabino

O trabalho da pesquisadora, que ganhou destaque na imprensa de todo o país, foi referência para outros laboratórios


Publicado em: 30/05/2023

Sequenciamento da amostra do primeiro brasileiro infectado pela Covid-19 em menos de 48 horas e treinamento de mais de 20 laboratórios espalhados pelo país para replicar o conhecimento sobre o novo coronavírus. Esse trabalho, pontapé inicial do enfrentamento à pandemia no Brasil, só foi possível graças a anos de estudos anteriores com zika e dengue. É o que conta a médica imunologista Ester Sabino, responsável por liderar a pesquisa, que participou da visita do Grupo Mulheres do Brasil ao Instituto Butantan no dia 5 de maio. Ela integra o grupo presidido por Luiza Trajano desde 2020 devido à sua contribuição para a saúde pública durante a pandemia.

Pesquisadora do Instituto de Medicina Tropical da Universidade de São Paulo (IMT-USP), Ester foi a primeira cientista brasileira a sequenciar o genoma do SARS-CoV-2 – e em tempo recorde. No dia 28 de fevereiro de 2020, dois dias após a confirmação do primeiro caso no Brasil, sua equipe divulgou o sequenciamento completo do vírus para a comunidade científica. Utilizando uma técnica aprimorada de baixo custo, o estudo ajudou a entender a origem das primeiras contaminações e monitorar variantes, além de contribuir para o desenvolvimento de vacinas e testes diagnósticos. Em outros países, o sequenciamento demorava até 15 dias para ser concluído.

 

Tempo recorde: Ester Sabino sequenciou a amostra do vírus do primeiro brasileiro diagnosticado com SARS-CoV-2 em apenas 48 horas

 

“Nós trabalhávamos com essa tecnologia de sequenciamento desde 2016, na epidemia de zika, e estávamos nos preparando para usá-la durante o surto de dengue no início de 2020. O objetivo foi desenvolver uma técnica mais barata para obter uma resposta rápida em epidemias. Já tínhamos todo o material necessário e pessoas treinadas, o que possibilitou essa agilidade”, explica Ester.

O estudo de mapeamento da epidemia do zika foi capa da revista científica Nature. Até então, a tecnologia de sequenciamento genético rápido só tinha sido aplicada no surto de Ebola na África, em 2013. “Era uma tecnologia nova que nós aprendemos e fomos melhorando. Muitos dos nossos protocolos continuam sendo usados em diversos laboratórios até hoje”, diz a pesquisadora. 

Depois disso, o processo continuou sendo aprimorado a fim de tornar o sequenciamento mais barato para que mais pesquisadores pudessem utilizá-lo. No caso do coronavírus, foi possível reduzir o custo em 25 vezes – de US$ 500 para US$ 20.

Mais do que facilitar o acesso à tecnologia, os pesquisadores do grupo de Ester realizaram o treinamento de profissionais de mais de 20 laboratórios de todo o país, com o apoio do Grupo Mulheres do Brasil. O objetivo era ter pelo menos uma equipe capacitada para sequenciar amostras em cada estado.

 

A pesquisadora do IMT-USP esteve no Butantan durante visita do Grupo Mulheres do Brasil, presidido por Luiza Trajano

 

Monitoramento de doenças

Atuando na coordenação do Centro Conjunto Brasil-Reino Unido para Descoberta, Diagnóstico, Genômica e Epidemiologia de Arbovírus (Cadde), Ester também monitora epidemias dos vírus da dengue, chikungunya e febre amarela. Essas doenças, que são classificadas como arboviroses, representam um grave problema de saúde pública no Brasil, que acabou ficando em segundo plano durante a pandemia. Só em 2022, foram mais de 1,4 milhão de casos de dengue, um aumento de 162,5% em relação ao ano anterior. Em 2023, mais de 400 mil casos prováveis já foram notificados.

No Butantan, o Centro para Vigilância Viral e Avaliação Sorológica (CeVIVAS) monitora os vírus influenza, SARS-CoV-2 e dengue circulantes no estado de São Paulo. Outra frente de combate às arboviroses são as vacinas contra a chikungunya e contra a dengue em desenvolvimento pelo instituto, que estão em fase 3 de ensaios clínicos e com resultados altamente promissores.

Durante a pandemia, o Butantan também atuou no monitoramento da Covid-19 em todo o estado, tendo sequenciado mais de 50 mil amostras por meio da Rede de Alerta de Variantes.

 

Atualmente, Ester segue contribuindo com o monitoramento de vírus importantes, como dengue, chikungunya e febre amarela

 

Entre conquistas e desafios

Com o destaque que seu trabalho ganhou, Ester foi uma das cientistas que saiu das bancadas dos laboratórios para conversar com a população em frente às câmeras e contribuir para divulgação científica. Em 2021, ela recebeu a Medalha Armando de Salles Oliveira, a mais alta honraria da Universidade de São Paulo. Além disso, a Secretaria Estadual de Desenvolvimento Econômico de São Paulo criou o Prêmio Ester Sabino para Mulheres Cientistas em homenagem aos seus esforços no combate à Covid-19.

Mas como mulher na ciência, a pesquisadora lembra que o caminho nunca foi fácil. “Acho que as mulheres se sentem fora do lugar, mesmo quando vencem ou se destacam. Eu mesma ainda me sinto assim. As dificuldades na carreira são visíveis: temos poucas mulheres em altos cargos, e conforme você sobe mais, mais resistência você enfrenta. É preciso que as pessoas reconheçam o problema, em vez de negar sua existência, para que a situação mude de fato.”

 

Reportagem: Aline Tavares

Fotos: Rafael Simões/Comunicação Butantan