Com 13 anos de experiência em multinacionais como Pfizer e Novartis e vivência com doenças negligenciadas em comunidades ribeirinhas da Amazônia, a nova diretora médica do Butantan tem um perfil voltado para a saúde pública. Tendo chegado com a missão de alavancar o desenvolvimento de vacinas e tratamentos do instituto voltados ao Sistema Único de Saúde (SUS), a médica neurologista Fernanda Boulos já coordenou dezenas de ensaios clínicos em áreas como doenças raras, neurológicas e cardiológicas e é mais um exemplo de gestão feminina em altos cargos.
“O Butantan teve um grande salto na pandemia e está se ajustando para absorver esse crescimento. Estamos trabalhando para definir um processo consistente, em que todos os estudos clínicos sigam os mesmos padrões de rigor científico e qualidade, atendendo a todos os requisitos da agência regulatória, para que possamos gerar dados de alta qualidade”, afirma Fernanda. Segundo ela, essa padronização permitirá a aceleração dos processos de desenvolvimento de produtos.
Após solidificar sua carreira no setor privado, Fernanda chegou ao Butantan para trabalhar na gestão de todo o processo de estudos clínicos da instituição, desde a definição de estratégias de desenvolvimento de produtos, escrita de protocolos, implementação e finalização de protocolos, até o recebimento de dados e submissão para a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Além disso, dirige as áreas de Farmacovigilância, Segurança Clínica, Operações Clínicas e Ciência de Dados.
Nascida em São Paulo e com pai e mãe médicos, Fernanda nunca teve dúvidas da profissão que queria seguir. Após se formar pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP), ela passou dois anos trabalhando com atendimento em comunidades ribeirinhas do Pará, onde vivenciou o controle e tratamento de doenças tropicais negligenciadas, como malária e Doença de Chagas. Passou cinco anos na parte clínica e, em 2009, ingressou na farmacêutica americana Pfizer para atuar com relações médicas.
Em 2012, quando entrou na farmacêutica suíça Novartis, ela começou a fazer pesquisa clínica e geração de dados. Morou em Nova Jersey por quatro anos e trabalhou inicialmente com doenças neurológicas, como Alzheimer e esclerose múltipla, e depois expandiu para outras áreas, como oftalmologia, doenças cardiovasculares, terapia gênica e doenças raras. Fernanda chegou a atuar como diretora regional da América Latina e do Canadá, dirigindo o setor de geração de dados clínicos. “Eu tive a experiência de liderar estudos clínicos desde o início, da fase 1 à fase 4, e ampliei muito meu conhecimento em pesquisa clínica”, conta.
Aprimoramento da geração de dados
Foi com essa vasta expertise no exterior que, no final de 2019, Fernanda retornou ao Brasil para ficar. Seu objetivo era auxiliar no desenvolvimento de produtos para a saúde pública do país, o que culminou em sua chegada ao Butantan em abril deste ano. Fernanda começou como diretora de Ensaios Clínicos, Segurança e Farmacovigilância, e em novembro assumiu o cargo de diretora médica. A experiência de Fernanda com geração de dados será fundamental para expandir a área de ensaios clínicos do instituto, visando consolidar dados não apenas de estudos controlados, mas também de mundo real.
Ela explica que a incorporação de um produto para a população, como um medicamento ou vacina, não depende apenas dos resultados de segurança e eficácia dos ensaios clínicos. É preciso apresentar dados sólidos sobre o custo da doença para o sistema de saúde, quais populações são atingidas e irão se beneficiar do produto, qual público deve ser priorizado ou quem precisa ser vacinado primeiro. Se uma vacina, por exemplo, tiver potencial de reduzir 60% dos casos de uma doença, é preciso analisar qual será a redução nos custos para o sistema de saúde.
“No Butantan, sinto que meu objetivo é cumprido todos os dias: contribuir para que os estudos gerem dados da maior qualidade possível e que respondam uma questão científica relevante do ponto de vista de saúde pública”, conta ela. “O Butantan tem um grande potencial de crescimento em pesquisa e produção, e minha expectativa é que o instituto possa ampliar cada vez mais a sua atuação, não só com vacinas, mas com outros imunobiológicos e soluções de tratamento para diversas doenças.”
Equidade de gênero na liderança
Como mulher ocupando o seu espaço na ciência, Fernanda acredita na importância de buscar cada vez mais a equidade de gênero nas lideranças. Para a diretora médica, mais do que estar em uma posição onde pode contribuir e trabalhar alinhada aos seus valores, ela tem a oportunidade de servir de norte para outras meninas e mulheres que almejam ocupar esses espaços e passam pelas barreiras da desigualdade. “Eu sigo o caminho de tantas mulheres que vieram na minha frente, e eu espero estar ampliando esse caminho para outras que venham depois”, diz.
Recentemente, o Butantan lançou uma iniciativa para promover a participação feminina nos altos cargos de gestão. O projeto Mulheres na Alta Gestão reúne gestoras de diferentes áreas do instituto, que fazem encontros periódicos com a presença de convidadas para discutir sobre os desafios que cada uma enfrenta em sua área de atuação e sobre como aumentar o protagonismo feminino nas empresas.