A pandemia de Covid-19 trouxe diversos questionamentos aos institutos de pesquisa e instituições de saúde, principalmente no que diz respeito ao controle da disseminação de vírus entre a população mundial. Pensando nisso, o Instituto Butantan desenvolveu a Plataforma de Inovação Tecnológica para Emergências em Saúde (PITES), com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), que tem como objetivo desenvolver soluções capazes de responder rapidamente a doenças virais emergentes. Com as plataformas em operação, o Butantan ganha força para desenvolver novos produtos, como imunobiológicos, remédios e testes de imunodiagnósticos em condições de Boas Práticas de Laboratório (BPL) e Boas Práticas de Fabricação (BPF).
O projeto é composto por equipes multidisciplinares dos laboratórios do Centro de Desenvolvimento e Inovação (CDI) do Butantan. Essa estrutura permite que os pesquisadores identifiquem, isolem e caracterizem os agentes causadores de doenças, possibilitando um melhor entendimento sobre elas e contribuindo para o desenvolvimento de soluções inovadoras para combatê-las.
“O grande objetivo do projeto é estruturar rotas tecnológicas que possam ser utilizadas e definidas para o desenvolvimento de produtos nos quais o Butantan tenha interesse, e fazer ensaios pré-clínicos”, explica a diretora do CDI e vice-coordenadora do projeto, Ana Marisa Chudzinski-Tavassi.
Em vigor desde o início de 2023, o PITES teve como principal resultado até agora a estruturação da plataforma de ensaios pré-clínicos, que dá autonomia ao Instituto para a realização de novos estudos, elimina altos custos com a contratação de serviço externo e gera ganhos de inovação e tempo.
“Os ensaios pré-clínicos podem ser feitos para vírus, vacinas, novas moléculas-alvo, peptídeos, proteínas isoladas e compostos sintéticos. Esses testes compreendem principalmente três fases, que são os estudos de toxicidade, segurança e imunogenicidade, gerando confiança para o uso do produto em seres humanos”, destaca o pesquisador do Butantan e coordenador do PITES, Durvanei Augusto Maria.
Antes da implementação da plataforma de ensaios pré-clínicos, o Butantan precisava comprar o serviço de outra organização, geralmente no exterior, por conta da necessidade regulatória de BPL.
A diretora do CDI e vice-coordenadora do projeto, Ana Marisa Chudzinski-Tavassi
“A implementação dos ensaios pré-clínicos no Butantan é um avanço imenso porque todos os laboratórios que estão ligados a este trabalho tiveram a chance de ter as BPLs implementadas, além de garantir mais qualidade para a área de Desenvolvimento”, comenta Ana Marisa.
Como próximo passo, o projeto pretende conquistar uma certificação do Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro) para que o Butantan possa oferecer o serviço de ensaios pré-clínicos para outras organizações, tanto nacionais quanto internacionais.
Todos os passos do projeto são auditados e validados por uma equipe especializada da área de Garantia da Qualidade do Butantan, assegurando a manutenção dos padrões de excelência necessários para a fabricação dos produtos.
“Todo estudo que realizamos é certificado e auditado pela Garantia da Qualidade, e seguimos normas e guias internacionais para que as pesquisas possam ser rastreáveis. Nós temos um fluxo bem estabelecido para o desenvolvimento de estudos, que passa pela geração e análise de resultados, elaboração de um relatório e, por fim, segue para o ensaio clínico”, explica Durvanei.
Outras plataformas tecnológicas
Como o trabalho do PITES foi iniciado em um período em que o foco ainda era a pandemia de Covid-19, a equipe se empenhou para criar uma plataforma de partículas semelhantes ao vírus (VLPs, do inglês virus like particles) SARS-CoV-2. Baseada em engenharia genética, a tecnologia consiste em desenvolver uma molécula contendo a principal proteína da superfície do vírus, a L1, mas sem o DNA que normalmente fica dentro dele. A partícula – criada no Laboratório de Biotecnologia Viral do Butantan, dirigido pela pesquisadora científica Soraia Attie Calil Jorge –, “imita” a estrutura do vírus, fazendo o sistema imune acreditar que ela é uma ameaça e provocando a geração de anticorpos. Por não conter o material genético do patógeno, a estratégia é considerada extremamente segura e sem risco de causar infecção.
No contexto das pesquisas do PITES, as VLPs se tornaram importantes e relevantes como uma forma de imunização contra o SARS-CoV-2. Foram feitos bancos de vírus para analisar a sua efetividade não só sobre as células pulmonares e do sistema respiratório, mas também sobre as do sistema nervoso central. Com isso, a plataforma poderá ser usada para outros modelos ou infecções virais, como a dengue.
Entre as iniciativas que também já renderam bons frutos estão a criação de uma plataforma de bioinformática para a realização de análises de epítopos (menor porção de um antígeno capaz de provocar resposta imune) que possam conferir melhor proteção para basear o desenvolvimento de novas vacinas; e também uma plataforma para produção de recombinantes obedecendo critérios de qualidade, o que permite e favorece a transferência de tecnologia para o setor produtivo.
O pesquisador do Butantan e coordenador do PITES, Durvanei Augusto Maria
Preparado para o futuro
O grande beneficiado pelas novas plataformas desenvolvidas no PITES é o público geral, já que a principal consequência deste projeto é acelerar o combate a doenças emergentes. Em uma possível emergência em saúde, o Butantan estará mais preparado para responder com agilidade demandas diversas, como o desenvolvimento de novos produtos, contando com a expertise de seus pesquisadores e colaboradores, e com infraestrutura adequada às exigências internacionais.
“No caso de uma necessidade para a saúde pública, podemos absorver a demanda e decidir qual rota tecnológica vamos utilizar para o desenvolvimento de um determinado produto, da forma mais rápida e mais eficiente. Por termos estabelecido diversas plataformas tecnológicas, podemos desenvolver cada passo do processo até a fase de ensaios pré-clínicos, que dão suporte para a execução dos ensaios clínicos, que já são realizados em pessoas”, finaliza Ana Marisa.
Reportagem: Mateus Carvalho
Fotos: Renato Rodrigues/Comunicação Butantan