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Desafios de saúde global: mudanças climáticas, conservação e pandemias pautam 24ª Reunião Científica Anual do Butantan

Guiado pela temática de Uma Só Saúde, evento reuniu convidados externos e internos e premiou trabalhos de destaque de estudantes e pesquisadores


Publicado em: 08/12/2025

Reportagem: Aline Tavares
Fotos: Ana Queiroz
 

O Instituto Butantan promoveu, entre os dias 3 e 5/12, sua 24ª Reunião Científica Anual, com o tema “Uma Só Saúde, muitos desafios: a ciência em movimento no Instituto Butantan”. O evento tradicional recebeu convidados internos e externos para debater os impactos das mudanças climáticas na saúde humana, animal, ambiental e vegetal, além de conservação, acesso às vacinas e preparação contra pandemias. A reunião também contou com premiações para trabalhos de pesquisa, inovação e divulgação científica que marcaram o ano de 2025.

Para a presidente da comissão organizadora da RCA, Ana Carolina Ramos Moreno, pesquisadora do Laboratório de Desenvolvimento de Vacinas do Butantan, o tema Uma Só Saúde contribuiu para integrar todos os pesquisadores e estudantes do Instituto em suas diversas áreas de atuação. “O diálogo entre diferentes grupos de pesquisa é fundamental para o avanço da ciência. Além disso, a presença de palestrantes externos abre a possibilidade de colaborações nacionais e internacionais em prol da saúde pública.”

Na palestra inaugural, o diretor do Instituto Butantan, Esper Kallás, fez uma apresentação sobre a Butantan-DV, vacina da dengue recém-aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), abordando a complexidade do seu desenvolvimento – por precisar conter os quatro sorotipos do vírus – e a importância da vacinação para o combate da doença.

“A dengue é uma das principais doenças transmissíveis do mundo, e o aquecimento global vem favorecendo a expansão do Aedes aegypti para regiões onde ele não era encontrado antes”, apontou o diretor. “A Butantan-DV é um marco por ser a primeira vacina de dose única contra a dengue, e será um ponto central para o enfrentamento da doença". O diretor acrescentou, ainda, que é preciso persistir com ações de controle do mosquito, já que ele também transmite outras doenças como Zika e chikungunya.
 

Esper Kallás, diretor do Instituto Butantan, na abertura do evento


Crise climática e zoonoses

A mesa redonda Uma Só Saúde em Foco reuniu especialistas para discutir as várias esferas da saúde e as relações entre seres humanos, animais, plantas e o meio ambiente. Um dos temas centrais foi a gripe aviária, abordada pela médica veterinária Helena Lage Ferreira, professora e pesquisadora da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos da Universidade de São Paulo (USP). 

Nos últimos anos, o elevado número de aves e mamíferos infectados pela doença vem preocupando a comunidade científica. Segundo Helena, o vírus tem apresentado uma amplitude de propagação e uma diversidade maior de hospedeiros, como mamíferos e outras espécies de aves. Além disso, possui alta frequência de mutação genética, característica comum nos vírus influenza. “Os vírus da influenza aviária são ainda mais diversos do que os da influenza sazonal”, explicou Helena. “Por isso, fazer uma vigilância genômica constante é fundamental para detectar cepas com potencial pandêmico.”

Historicamente, a maioria das doenças infecciosas em humanos têm origem nos animais. O médico infectologista Marcos Boulos, professor da Faculdade de Medicina da USP, fez um resgate sobre o impacto das zoonoses, desde a primeira pandemia já registrada, a peste bubônica, que levou anos para se disseminar pelos continentes, até a mais recente Covid-19 – que demonstrou a velocidade com que um patógeno se espalha no mundo atual. “As pandemias moldaram civilizações e transformaram nossas relações com a ciência e a saúde pública. Dois terços das infecções emergentes e reemergentes são de origem zoonótica, e o aquecimento global contribui de maneira importante para elas se disseminarem.” 
 

Marcos Silveira Buckeridge, professor do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo


Dentro dessa perspectiva, o biólogo Marcos Silveira Buckeridge, professor do Instituto de Biociências da USP, reconstruiu a trajetória da arborização urbana em São Paulo e falou sobre a importância da vegetação e sua relação com o clima. As árvores contribuem para a purificação do ar, regulação de temperatura, controle hídrico, conservação do solo e manutenção da biodiversidade. “Nas décadas de 1920 e 1930, as árvores nas ruas eram elementos de ‘beleza’, inspirados nas cidades europeias, e as legislações ambientais só surgiram a partir de 1980, com a criação de órgãos técnicos responsáveis por árvores urbanas e áreas verdes. Mas foi no século XXI que a arborização passou de elemento paisagístico pontual para ferramenta de enfrentamento das mudanças climáticas”, disse.

Recentemente, o relatório do Laboratório de Ciência dos Limites Planetários do Instituto Potsdam para Pesquisa do Impacto Climático (PIK) revelou que a Terra ultrapassou sete dos nove limites planetários, como mudanças climáticas, poluição, integridade da biodiversidade, desmatamento e uso de água doce. O tema foi debatido pelo engenheiro elétrico e agrônomo Antônio Mauro Saraiva, professor da Escola Politécnica da USP. “Todas essas mudanças ameaçam não só a saúde, mas também a economia e a estabilidade social. Temos aumento de doenças transmissíveis, insegurança alimentar e nutricional, impactos na saúde mental. Mais do que mudança climática, estamos enfrentando mudanças em tudo”, destacou.

 

Pesquisadora Se Eun Park, da Escola de Saúde Pública da Universidade Yonsei, da Coreia do Sul

 

Inovação no acesso a vacinas e preparação para pandemias

A emergência de patógenos é uma das diversas consequências das mudanças enfrentadas pelo planeta, e amplia a demanda por vacinas a nível global. O acesso aos imunizantes, no entanto, enfrenta desafios como escalonamento de produção, transporte e armazenamento em cadeia de frio.

A cientista Se Eun Park, da Escola de Saúde Pública da Universidade Yonsei, na Coreia do Sul, abordou estudos inovadores que buscam ampliar as coberturas vacinais, como a autoadministração da segunda dose da vacina oral contra cólera em populações de difícil acesso em Bangladesh. Novas estratégias como vacinas em cápsulas ou em adesivos de microagulhas também vêm sendo testadas em países como Estados Unidos, Canadá e Austrália.

Outros convidados estrangeiros abordaram tecnologias que podem acelerar o desenvolvimento de vacinas e a preparação para pandemias. O pesquisador Arnaud Marchant, do Instituto Europeu Plotkin de Vacinação, na Bélgica, falou sobre novos testes de imunogenicidade de vacinas e análises aprofundadas da resposta imune.

O diretor de Operações do Instituto de Vacinas Humanas da Universidade Duke (DHVI), dos Estados Unidos, Thomas Denny, abordou a plataforma vacinal de RNA mensageiro (mRNA) como uma das mais promissoras da atualidade, que permite a rápida entrega de vacinas em larga escala. Já o professor adjunto da Universidade de Rochester, Thomas Evans, falou sobre o desenvolvimento de uma vacina para a Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS), que causou uma epidemia na região em 2012 e continua sendo uma preocupação.
 


Poluição, envelhecimento e doenças crônicas

No segundo dia de evento (4/12), os palestrantes convidados debateram os efeitos da poluição na saúde e sua influência no desenvolvimento de doenças crônicas, além de fatores genéticos e envelhecimento. O professor de Ciências da Saúde Ambiental da Universidade do Arizona, nos Estados Unidos, Frank A. von Hippel, abriu a discussão apresentando dados de suas pesquisas sobre os poluentes que ameaçam a saúde de comunidades indígenas no Alasca.

Já o vice-presidente da Equipe Científica da Faculdade de Medicina da Universidade do Texas, Alan Landay, abordou o envelhecimento sobre a perspectiva de Uma Só Saúde. Ele destacou que fatores ambientais contribuem para acelerar o envelhecimento biológico e, consequentemente, o desenvolvimento de doenças crônicas.

Encerrando as apresentações do segundo dia, a física Lygia da Veiga Pereira Carramaschi, professora do Instituto de Biociências da USP, falou sobre a influência dos fatores genéticos na saúde. A pesquisadora apresentou o projeto DNA do Brasil, que busca sequenciar o genoma dos brasileiros contemplando a diversidade da população. O objetivo é apoiar a medicina de precisão para prever, diagnosticar e tratar doenças.

 

Erika Hingst Zaher, diretora do Museu Biológico do Butantan


Bactérias resistentes e desafios da conservação

Outro desafio global que permeou as discussões do evento foi a resistência antimicrobiana, causada principalmente pelo uso indiscriminado de antibióticos. O pesquisador Nilton Lincopan, do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, falou sobre como o sequenciamento genômico das bactérias pode ajudar a detectar patógenos resistentes.

Alinhando o debate ao conceito de Uma Só Saúde, a pesquisadora Erika Hingst Zaher, diretora do Museu Biológico do Butantan, falou sobre a contaminação das andorinhas azuis por mercúrio e a vigilância de vírus em morcegos e aves. Já a médica veterinária Cristiane Pizzutto, responsável técnica do Laboratório de Ecologia e Evolução (LEEv), debateu o papel dos centros de conservação animal e como o manejo movido pelo bem-estar reflete na saúde do animal.

Fechando o ciclo de palestras, o pesquisador Luis Cesar Schiesari, da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP, discutiu as consequências da urbanização para ecossistemas aquáticos; enquanto o pesquisador sênior do Hospital Israelita Albert Einstein Helder Nakaya apresentou a inteligência artificial como ferramenta para ajudar no diagnóstico de doenças.

 


Prêmios Jovem Cientista, Inovação e Desenvolvimento Científico

A RCA também foi marcada pelo reconhecimento de trabalhos de alunos e pesquisadores do Butantan. Estudantes finalistas do Prêmio Jovem Cientista subiram ao palco para apresentar seus trabalhos para toda a comunidade científica da instituição. Conheça os vencedores:

Categoria Iniciação Científica
1º lugar: Bruna Gennari Rosa – rBCG-LTAK63 as a next-generation for cancer immunotherapy: harnessing trained immunity for heterologous protection against bladder cancer

Categoria Especialização
1º lugar: Juan Aquino Silva – The mating game: Remote monitoring reveals dominance, competition and copulation in the golden lancehead (Bothrops insularis)

Categoria Mestrado
1º lugar: Nathalya Bezerra Soares – Biotechnological potential of the Ulp1_TEV protease: a versatile tool for fusion tag removal

Categoria Doutorado
1º lugar: Gabriel Correia Lima – Bacterially Produced Full-Length IgG Monoclonal Antibody with Subnanomolar Pan-Neutralizing Activity Against Dengue and Zika Viruses

Categoria Pós-doutorado
1º lugar: Giovanna de Brito Carneiro – CyaA-PspA vaccine candidate induces broad antibody reactivity and durable immunity against Streptococcus pneumoniae


Uma novidade desta edição foram os short talks de três minutos, iniciativa independente do prêmio em que os estudantes apresentaram suas pesquisas de forma rápida, objetiva e didática. O objetivo foi treinar os alunos para sintetizar seus trabalhos e fomentar a comunicação científica.

Já os pesquisadores sêniores tiveram a oportunidade de se inscrever no Prêmio Inovação, que visa fortalecer a visão de empreendedorismo dentro do Butantan, e no Prêmio Desenvolvimento Científico, que reconhece artigos científicos de destaque publicados recentemente. Confira os ganhadores:

Prêmio Inovação

1º lugar: Jorge Luiz Dallazen – Peptídeo derivado de veneno e fusão anticorpo-peptídeo: uma abordagem promissora para o desenvolvimento de analgésicos para osteoartrite

2º lugar: Eduardo Adami – Análise para imunobiológicos: avaliação estratégica de eficácia antiviral

3º lugar: Daniel Alexandre de Souza – Antígenos sintéticos e nanocorpos para antivenenos recombinantes

Prêmio Desenvolvimento Científico

1º lugar: Luciana Leite – rBCG-LTAK63 enhances protection against tuberculosis by inducing autophagy and circadian gene regulation, publicado na Frontiers in Immunology

Menção honrosa: Alison Felipe Alencar Chaves – Decoding the Impact of Isolation Window Selection and QuantUMS Filtering in DIA-NN for DIA Quantification of Peptides and Proteins, publicado no Journal of Proteome Research

 

 

Prêmio Cultural 

Trabalhos de educação e divulgação científica desenvolvidos por profissionais e estudantes do Butantan também foram reconhecidos no âmbito do Prêmio Cultural:

Ações educativas

1º lugar: Jennifer Gomes – Desvendando a ciência: uma jornada interativa pelo CENTD, Museu Biológico e Museu Histórico do Instituto Butantan

2° lugar: Gabrielle Morais Coelho – Desvendando o antígeno: um jogo educativo do Museu da Vacina

Ações de difusão

1º lugar: Camila Neumam – A ciência por trás das cantigas populares, série de reportagens publicada no Portal do Butantan

A cobra não tem pé, a cobra não tem mão: a ciência por trás da cantiga popular

Borboletinha tá na cozinha? Conheça a ciência por trás da cantiga popular

O sapo-cururu na beira do rio. A ciência por trás da cantiga popular

A barata diz que tem: a ciência por trás da cantiga popular

Caranguejo peixe é? A ciência por trás da cantiga popular

A Dona Aranha subiu pela parede: a ciência por trás da cantiga popular

O sapo não lava o pé: a ciência por trás da cantiga popular

Como pode um peixe vivo viver fora d’água fria? A ciência por trás da cantiga popular


2º lugar: Lua Bissoli Silva – Dia Internacional de Atenção aos Acidentes Ofídicos


Programas educativos e de ensino

1º lugar: Elisandra Gasparini Silva – Territórios educativos: MUSPER

2º lugar: Karina Grazielle Guimarães Cruz – Caça aos cards Butantan