Reportagem: Natasha Pinelli
Fotos: Marília Ruberti
Assim como toda criança, Heitor, 7 anos, gosta de explorar o mundo com as mãos. Até mesmo um rápido passeio acompanhado da mãe e do cachorrinho Venom pode ser um momento de descoberta – ou de susto. Foi isso que aconteceu, em uma noite de setembro, enquanto mãe e filho caminhavam pelas ruas do bairro Vila Endres, em Guarulhos (SP), durante uma visita à avó materna: ao passar a mão em um muro, o menino foi picado por um escorpião.
Os pais de Heitor agiram rápido e o levaram ao Hospital Vital Brazil (HVB), unidade do Instituto Butantan que é referência no atendimento a acidentados com animais peçonhentos. No centro médico, a criança recebeu os primeiros socorros e permaneceu em observação por pouco mais de 12 horas, até apresentar melhora e, finalmente, ser liberada.
Luana e o pequeno Heitor após atendimento no Hospital Vital Brazil
Responsável pelo caso, a médica do HVB Ceila Malaque alerta que crianças picadas por escorpiões demandam agilidade no socorro. “A mesma quantidade de veneno que pode causar apenas dor em um adulto pode ser muito mais agressiva em um organismo que é menor e mais vulnerável”, aponta.
De acordo com o Painel Epidemiológico do Ministério da Saúde, dos 122 óbitos registrados em decorrência do envenenamento pelo animal em 2024, mais de 20% ocorreram entre menores de 10 anos.
“Eu esbarrei no rabo do escorpião e senti a garrinha dele me picando. Doeu muito!”, conta o pequeno Heitor, que reside junto com a família no bairro de Vila Maria, na zona Norte da capital paulista. A mãe, Luana de Lima, 26, lembra bem do momento, quando o menino começou a chorar bastante, reclamando da intensidade da dor. Os dois até chegaram a ver o escorpião caído no chão, mas não tiveram tempo de fazer um registro com a câmera do celular, pois o animal fugiu para o bueiro.
A probabilidade é que o garoto tenha sido picado por um escorpião-amarelo (Tityus serrulatus). A espécie é uma das que mais causa acidentes no Brasil, principalmente em áreas urbanas e entre crianças, devido à sua capacidade de adaptação e rápida proliferação, já que as fêmeas conseguem se reproduzir sozinhas, sem um macho, graças ao mecanismo de partenogênese.
Heitor mostra região da mão esquerda em que ocorreu a picada de escorpião
Luana conta que, logo após a picada, parte da mão esquerda de Heitor ficou vermelha e inchada. “Eu fiquei desesperada, porque já era tarde e eu não tinha a mínima ideia do que fazer”, relata. O incidente aconteceu à noite, por volta das 22h30, período em que os escorpiões estão mais ativos e costumam sair de seus esconderijos em busca de alimento – baratas são as principais presas do animal.
Em um primeiro momento, a família buscou o pronto-atendimento pediátrico de um hospital da região. Lá, foram orientados a procurar o HVB, para onde a família seguiu imediatamente. Cerca de duas horas depois do acidente, Heitor deu entrada no hospital especializado do Butantan, e, poucos minutos após a chegada, já recebeu os primeiros cuidados para o tratamento da picada.
Apesar da dor intensa, o menino não apresentava sinais de envenenamento sistêmico, como vômitos, sudorese, agitação psicomotora, tremores e arritmia cardíaca.
“Em situações como a dele, não há necessidade de administração do soro antiescorpiônico”, esclarece Ceila Malaque. Segundo a especialista, cerca de 5% dos casos de acidente com escorpião demandam uso do soro antiescorpiônico – no Brasil, o antiveneno é produzido pelo Instituto Butantan.
No caso do garoto, o protocolo médico adotado envolveu a administração de analgésico para o controle da dor e a realização de compressas mornas, a fim de aliviar o desconforto. “Toda hora a equipe médica e a enfermagem iam verificar se o Heitor estava bem e faziam a troca da compressa morna”, relata Luana.
A médica do HVB Ceila Malaque alerta sobre a importância de buscar atendimento médico rapidamente em caso de picada por escorpião
Vale ressaltar que, por mais que compressas frias sejam indicadas em situações de acidente com outros animais, como abelha, vespa, formiga e lagarta, o frio pode intensificar a dor da picada de escorpião. A especialista do HVB explica que o veneno do aracnídeo tem ação neurotóxica, o que altera as terminações nervosas da região e provavelmente faz com que a sensação de dor fique mais intensa com o frio.
Ceila Malaque reforça ainda que não se deve esperar o aparecimento de sintomas mais graves para buscar ajuda médica. A ida imediata a uma unidade de saúde garante avaliação e acompanhamento adequados, sendo essencial para um desfecho de sucesso.
“A picada de escorpião é como um raio. Além da dor imediata, descrita muitas vezes como praticamente insuportável, as manifestações sistêmicas não demoram a aparecer quando ocorre envenenamento. A evolução também costuma ser rápida, principalmente entre os pequenos”, completa a médica.
Foi justamente por conta de quadros mais graves acontecerem em crianças que a equipe do HVB optou por manter Heitor em observação durante toda a noite após o acidente, mesmo ele não apresentando sintomas preocupantes. O pequeno teve alta no início da tarde do dia seguinte, com a dor e o inchaço do membro controlados, recuperando-se completamente poucos dias depois.
Após alta, Heitor pode observar espécimes de escorpião no Museu Biológico do Butantan
Segundo informações do Ministério da Saúde, a chegada da temporada quente e úmida, a partir do mês de setembro, contribui para o aumento das notificações de acidentes escorpiônicos. A hipótese é que a água das chuvas alaga os esconderijos subterrâneos do animal, fazendo com que ele suba à superfície em busca de locais mais secos – é nessa procura que o bicho acaba entrando nas residências.
Para evitar o encontro desagradável, prevenção é essencial. Os escorpiões costumam aparecer por frestas e tubulações, especialmente à noite, período em que são mais ativos. Por isso, é importante tampar ralos, evitar o acúmulo de lixo e entulho, afastar camas das paredes e sempre sacudir roupas e sapatos antes de usá-los.
Quem tem pequenos em casa também precisa estar atento a possíveis indícios de acidente. “Uma criança que estava dormindo e acorda chorando muito, reclamando de dor em determinada parte do corpo, e apresentando vômito e sudorese, é sinal de alerta. Caso isso aconteça, verifique o ambiente em que ela estava e, se ela não estiver bem, procure atendimento médico imediatamente. Picou, levou”, recomenda Ceila Malaque.
Luana, que recebeu essas orientações no HVB, afirma que já mudou a rotina em casa, compartilhando com familiares, amigos e vizinhos todas as dicas para evitar novos acidentes. Heitor, que é corintiano roxo e fã do goleiro Cássio, também já alertou os amigos: “Avisei para que eles tomem cuidado com as paredes, e que sempre prestem atenção no lugar onde vão pisar, sentar ou colocar as mãos, para não serem picados por um escorpião como eu.”
Inaugurado em 1945, o Hospital Vital Brazil reúne profissionais especializados no atendimento a pacientes acidentados por serpente, aranha, escorpião e lagarta. A unidade médica localiza-se dentro do Parque da Ciência Butantan, oferecendo atendimento 24 horas, sete dias por semana. Além da assistência médica gratuita à população, o HVB presta orientação telefônica 24 horas para profissionais de saúde e esclarece dúvidas do público geral.
Serviço
Hospital Vital Brazil
Horário de atendimento: de segunda a segunda, 24 horas por dia
Endereço: Av. Vital Brasil, 1.500, ao lado do heliponto
Telefones: (11) 2627-9528 / 9529 / 9530, (11) 3723-6969 e (11) 91472-2902 (disponível somente para ligações)