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Butantan obtém patentes de dois testes rápidos para diagnóstico de leptospirose que oferecem resultados em 25 minutos

Testes que detectam anticorpos no sangue e na urina identificam infecção em poucos minutos, enquanto exames tradicionais são menos sensíveis e têm resultados em dias


Publicado em: 23/06/2025

Reportagem: Camila Neumam
Fotos: José Felipe Batista

Uma equipe de pesquisadoras do Laboratório de Bacteriologia e do Centro de Desenvolvimento de Anticorpos do Butantan desenvolveu dois testes rápidos para diagnóstico de leptospirose, um de detecção pela urina e outro pelo sangue. Ambos os testes oferecem resultados em até 25 minutos, enquanto nos testes padrão o resultado confirmatório da doença pode demorar dias. As duas pesquisas já têm patentes concedidas pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), órgão atrelado ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços do Governo Federal. 

Cada teste permite detectar a doença em momentos distintos – o primeiro, pela urina, no início da infecção; o segundo, pelo sangue, quando a bactéria já se espalhou. Isso pode ser determinante no acesso mais ágil ou em tempo hábil ao tratamento, levando em conta que a leptospirose pode causar a morte em até 40% dos casos graves, segundo o Ministério da Saúde

Atualmente, o diagnóstico da doença é feito somente em laboratórios de referência e depende de cultura bacteriana, com resultado que pode demorar de 15 a 30 dias para ser conclusivo. A demora decorre da necessidade de análise de uma segunda amostra de sangue do paciente. 

Os testes rápidos permitem obter um resultado entre 20 e 25 minutos. O feito com urina usa o método de quimioluminescência (emissão de luz durante uma reação química) e o com sangue é uma análise imunocromatográfica (identificação da doença por associação a anticorpos), semelhante ao teste rápido de Covid-19.

 

A pesquisadora Patricia Aniz atuou nos estudos de dois testes rápidos para diagnóstico de leptospirose, um de detecção pela urina e outro pelo sangue

 

“O diagnóstico da leptospirose é complexo do ponto de vista clínico porque os sintomas se confundem com doenças febris como malária, dengue e febre amarela, entre outras. Se tivermos um teste rápido, simples e eficiente, conseguimos tratar principalmente os que evoluem de forma grave”, afirma a pesquisadora científica, atualmente do Núcleo de Produção de Vacinas Bacterianas do Butantan, Patricia Aniz, que coordenou o desenvolvimento dos dois testes.

 

Sobre a leptospirose

A leptospirose é uma infecção transmitida de forma direta ou indireta pelo contato com a urina de animais infectados pela bactéria Leptospira, que penetra na pele a partir de lesões ou quando se passa muito tempo imerso em água contaminada, como em enchentes. Os animais domésticos, como cães, e de criação, como bovinos, suínos e equinos, são os mais comumente acometidos. O período entre a transmissão e os sintomas ocorre geralmente entre sete a 14 dias após a exposição a situações de risco. 

No mundo, estima-se que a incidência desta doença seja de mais de 500 mil de casos por ano, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). No Brasil, a leptospirose apresenta surtos epidêmicos em períodos de chuva e é encontrada com maior frequência nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Paraná, Pará, Bahia e Pernambuco. Nos últimos três anos, foi observado um aumento da incidência, com aproximadamente 3.000 casos por ano, de acordo com o Ministério da Saúde. Houve um aumento significativo de registros na região Sul, provavelmente devido às enchentes que ocorreram nos últimos anos.

A leptospirose também causa perdas econômicas, por provocar alterações reprodutivas nos animais infectados, como infertilidade, mastites, abortos e natimortalidade. “Ficamos muito felizes por ter resolvido um problema de saúde pública e que também afeta a agropecuária, levando à diminuição na produção de leite e de carne”, afirma Patricia Aniz.

 

Patricia Aniz em frente ao prédio onde está localizado o Laboratório de Bacteriologia 

 

Métodos tradicionais e a demora do diagnóstico 

Atualmente o método mais utilizado para o diagnóstico de leptospirose é o Teste de Aglutinação Microscópica (MAT), considerado padrão ouro. Nele, o soro do paciente é incubado com diferentes leptospiras, e diluído em séries. Se apresentar uma aglutinação mínima de 50%, comparada à incubação das bactérias sem o contato com o soro, indica um resultado positivo.

“Porém, este método tem como desvantagem a manutenção de culturas vivas de leptospira, com risco de contaminação para o operador e baixa sensibilidade quando considerado a fase inicial de infecção”, descreve Patricia. 
Outra desvantagem apontada pela pesquisadora é que o resultado conclusivo pode demorar muitos dias, devido à necessidade de duas amostras para confirmar a infecção, pois o teste depende da detecção de um aumento nos títulos de anticorpos específicos. “Nesse tempo, a pessoa pode desenvolver sintomas graves”, ressalta Patricia Aniz. 

O método sorológico ELISA-IgM [ensaio de imunoabsorção enzimática], bastante usado em ensaios para a detecção de anticorpos, também é utilizado para detectar a leptospirose. Sua principal vantagem é permitir o diagnóstico na fase aguda da doença. “Porém, como desvantagem, este método possui baixa especificidade, menor sensibilidade comparada ao MAT e alto índice de reações cruzadas para outras doenças”, esclarece a pesquisadora.

 

Patricia avalia o teste imunocromatográfico no Laboratorio de Bacteriologia

 

Vantagens dos testes rápidos

Diante das dificuldades em se obter resultados laboratoriais precisos e da apresentação clínica inespecífica da leptospirose, as equipes do Laboratório de Bacteriologia e do Centro de Desenvolvimento de Anticorpos do Butantan entenderam ser cada vez mais necessário trabalhar no desenvolvimento de métodos mais simples e eficientes. 

“O objetivo das pesquisas foi resolver os problemas constantes que envolvem o diagnóstico de leptospirose a partir do desenvolvimento de dois testes mais rápidos, sensíveis e específicos que possibilitem um resultado confirmatório e definitivo, contribuindo na escolha correta do tratamento da leptospirose”, afirma Patricia.

 

O Teste por quimioluminescência foi criado para detecção de leptospiras na urina

 

-> Teste imunocromatográfico

A análise imunocromatográfica é uma velha conhecida dos cientistas, já que a tecnologia é usada em testes de detecção de anticorpos de Covid-19, entre outras doenças. O teste desenvolvido no Butantan parte da pesquisa de doutorado da estudante Tatiana Barrinuevo Gotti, desenvolvida no Laboratório de Bacteriologia em colaboração com a pesquisadora Roxane Maria Fontes Piazza, coordenadora do Centro de Desenvolvimento de Anticorpos do Instituto Butantan e com a pesquisadora Letícia Barboza Rocha. A patente do teste foi solicitada em 6 de setembro de 2016 e concedida em 17 de dezembro de 2024. 

“Para o desenvolvimento do método foram selecionadas 11 proteínas da membrana externa da leptospira como candidatos a antígenos, com uma apresentando reatividade. Estas proteínas foram clonadas, expressas e purificadas, sendo testadas em ensaios do tipo Elisa e western-blot [teste de identificação de proteínas específicas]. Depois essa proteína reativa foi ligada ao ouro coloidal [que é o que deixa a cor da linha avermelhada] e também inoculada em animais para a produção de anticorpos específicos”, esclarece Patricia. 

No teste desenvolvido pelo Butantan, a amostra de soro obtida do sangue do paciente é adicionada a uma fita de membranas de nitrocelulose e papel absorvente, que entra em contato com reagentes e com os anticorpos contra a leptospira. A detecção da ligação do anticorpo com a proteína da leptospira (antígeno) oferece um resultado em até 20 minutos. Se duas linhas (linha teste e linha controle) aparecerem avermelhadas, o resultado é positivo; se aparecer só uma linha (controle) vermelha, o resultado é negativo.

O trabalho de Tatiana, Letícia, Roxane e Patrícia foi vencedor do Prêmio de Inovação (Butantan – IPLYMPICS) na 17a Reunião Científica Anual do Instituto, realizada em dezembro de 2015.

Segundo Patricia, o método traz uma série de vantagens, sendo a principal a rapidez no resultado e a facilidade de execução. “O resultado está disponível em poucos minutos, permitindo uma resposta rápida e um manejo mais eficaz da doença. Além disso, a simplicidade de aplicação contribui para uma maior acessibilidade, além do fato de o teste ter uma sensibilidade adequada e um baixo custo”, finaliza. 

 

Estudos foram realizados em conjunto com pesquisadoras do Centro de Desenvolvimento de Anticorpos do Butantan 

 

-> Teste por quimioluminescência

Anos antes da pesquisa de Tatiana e Letícia, a então doutoranda Larissa do Rêgo Barros Mato, com colaboração do pesquisador Luiz Bezerra de Carvalho Júnior, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), e sob orientação de Patrícia, desenvolveu outro teste diagnóstico para a leptospirose no Laboratório de Bacteriologia, complementar ao teste imunocromatográfico. 

O método desenvolvido para o diagnóstico da leptospirose é baseado em um anticorpo ligado a um composto quimioluminescente para detecção de leptospiras na urina. A reação entre o anticorpo e o antígeno (a leptospira) é detectada pela emissão de luz. A patente foi solicitada em 14 de maio de 2014 e concedida em 3 de novembro de 2021. 

O método já é utilizado no diagnóstico de doenças infecciosas, dosagens hormonais (como teste de gravidez) e detecção de biomarcadores devido a sua alta sensibilidade e rapidez, o que permite a detecção de substâncias em concentrações muito baixas. 

Ele funciona da seguinte forma: a amostra de urina é colocada em contato com o anticorpo ligado a um composto quimioluminescente por 15 minutos em temperatura ambiente; depois é centrifugada por 5 minutos e o sedimento é ressuspendido em solução salina, à qual são adicionados dois reagentes (A e B). A emissão de luz, que é avaliada por um aparelho chamado luminômetro, capaz de medir as unidades relativas de luz (RLU), ocorre em segundos. A amostra é considerada positiva para a presença de leptospiras se o valor de RLUs for maior que o limite de detecção.

“A principal vantagem deste método é permitir o diagnóstico precoce e rápido da leptospirose, uma vez que detecta a bactéria na fase inicial da doença, antes da produção de anticorpos”, conta Patricia. “Além disso, é um procedimento simples e de baixo custo, de execução em até 25 minutos, sem reatividade com outras bactérias presentes na urina ou que causam infecções em pessoas e animais”, ressalta a pesquisadora.

O Butantan mantém outras pesquisas ligadas à criação de novos métodos diagnósticos para leptospirose. Uma delas, realizada pelo Laboratório de Desenvolvimento de Vacinas, desenvolveu uma proteína quimérica para o diagnóstico da leptospirose que se mostrou superior ao teste padrão atualmente recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS).