Com o avanço da ômicron e a volta às aulas, outras vacinas contra Covid-19 deveriam ser oferecidas às crianças no país, como a CoronaVac, imunizante do Butantan e da Sinovac, por demonstrar menos efeitos colaterais e por já ter dados de segurança e eficácia publicados. Essa é a opinião da médica e imunologista Ester Sabino, professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), que liderou o sequenciamento do genoma do SARS-CoV-2 no país.
Para a médica, a vacinação de crianças contra Covid-19 no Brasil está atrasada e deveria ter sido feita antes da volta às aulas, já que mais de 1.400 crianças de zero a 11 anos morreram no país em virtude da infecção desde o início da pandemia. “A CoronaVac demonstrou ter menos efeitos colaterais, e não estamos ainda na fase de poder escolher vacina. Vacinar crianças deveria ser uma prioridade, e quanto antes, mais crianças poderiam se vacinar”, disse.
Para a cientista, a vacinação de crianças tem a função de prevenir a doença grave e mortes e não deveria ser fator de hesitação, já que milhões de crianças se vacinam todos os anos pelo Programa Nacional de Imunizações (PNI), do Ministério da Saúde. “É uma pena que a vacinação não tenha sido iniciada em dezembro. Não é algo que pode marcar hora, esperar morrer para definir. A vacina é feita para prevenir, não para ver o que acontece e vacinar depois”, ressalta.
Veja a entrevista completa que a médica concedeu ao portal do Instituto do Butantan sobre a importância da vacinação contra Covid-19 em crianças.
IB – Mais de 1.400 crianças morreram no Brasil devido à Covid-19. Qual a importância de vacinar os mais novos contra Covid-19 no Brasil e por que ainda não começamos?
Ester Sabino - É superimportante vacinar as crianças. É algo que nem deveria mais estar em discussão. O Brasil tem um histórico de vacinação das pessoas, de crianças, um dos melhores programas de vacinação do mundo. Acho que é triste que essa tradição que temos não está sendo cumprida neste governo.
Não deveria haver dúvida. A população está acostumada, a população quer a vacina. Parece que é o governo que está querendo convencer as pessoas a não tomar a vacina. São anos de trabalho sendo perdidos. É uma contra argumentação que só leva a mais mortes.
IB - A vacinação de crianças contra Covid-19 no Brasil está atrasada?
Ester Sabino - Sim, porque estamos em um momento em que está aumentando muito o número de casos de Covid-19 e as crianças não estão protegidas. Em uma epidemia deste tamanho causada pela ômicron, que já superou o número de pessoas infectadas durante o pico da gama, não tem por que deixar as crianças sem acesso à vacina. Cada semana conta, não dá para atrasar.
IB - As crianças estão mais vulneráveis à ômicron neste momento?
Ester Sabino - [A ômicron] vai ter um efeito nas crianças. Ela deverá ter uma incidência maior nos mais velhos, mas é uma infecção que pode causar bronquiolite, e para criança uma inflamação nos brônquios pode ser bem importante. Tudo indica que mais crianças serão afetadas desta vez.
As crianças estão mais expostas por causa da ômicron e pelo fato de elas não terem recebido a vacina. Talvez se os adultos não tivessem recebido a vacina, estaríamos tendo casos mais graves. Mas a gente ainda não sabe totalmente se o número menor de doenças é por causa do vírus ou da proteção que a vacina deu em uma grande quantidade da população.
IB - A Anvisa liberou uma vacina para ser administrada em crianças de cinco a 11 anos e o Butantan fez um pedido para liberar a CoronaVac para uma faixa mais extensa de três a 17 anos. A CoronaVac já demonstrou ser segura e eficaz. Qual a importância da inclusão da CoronaVac na imunização da população infantil?
Ester Sabino - A CoronaVac demonstrou ter menos efeitos colaterais, e não estamos ainda na fase de poder escolher vacina. Os critérios têm que ser claros. Já temos os dados de segurança da CoronaVac. Eu acho que é isso que deve ser levado em conta. Eu não conheço as regras e não sei o motivo por que não foi aprovado. Percebi que já existem estudos publicados sobre a segurança e não teria por que ser diferente. Vários lugares já deram a vacina fora do Brasil. Acho muito importante que isso caminhe, que a gente não atrase a vacinação das crianças. Quanto mais opções tivermos, melhor.
IB - O afrouxamento de medidas de segurança e a volta às aulas pioram esse cenário?
Ester Sabino - É muito importante que as crianças recebam essa vacina antes da volta às aulas. Temos um problema sério que é a volta às escolas antes disso. É uma pena que a vacinação não tenha sido iniciada em dezembro. Não tem mais tempo a perder em epidemia. Não é algo que pode marcar hora, esperar morrer para definir. Isso não faz sentido. A vacina é feita para prevenir, não para ver o que acontece e vacinar depois.
IB - Levando em conta que o Ministério da Saúde propôs um intervalo de oito semanas na vacina aprovada para crianças, neste período as crianças continuariam desprotegidas?
Ester Sabino - Sim, continuariam desprotegidas pelo atraso vacinal e pela falta de outras vacinas. Seria importante ter outras vacinas para o público pediátrico, com certeza. Porque o número de casos de Covid-19 já está muito alto e deve aumentar ainda mais nas próximas semanas. Estamos sem os dados oficiais do governo, mas os dados que estão vindo dos laboratórios privados são muito convincentes em mostrar que estamos no pico mais alto do que tivemos com a variante gama.
IB - Diante desse cenário, os não vacinados são os que correm mais risco de desenvolver a forma grave da Covid. Como as crianças não estão vacinadas, o risco delas se torna maior?
Ester Sabino - Por serem crianças, o risco é menor. Então a gente não percebe o impacto tão grande que seria se elas fossem mais velhas. Mas o número de casos em crianças deve aumentar em relação as outras ondas que a gente teve. Foi algo visto em Nova York, em outros lugares e devemos ver aqui. Aqui no Brasil a vacina segurou bem a variante delta, mas a ômicron é diferente. Estamos tendo casos em grande quantidade, mas a maioria com poucos sintomas.