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Proteína do veneno da cascavel tem ação anti-inflamatória e antitumoral, aponta estudo do Butantan

Investigada há 20 anos, crotoxina é importante ferramenta na busca por novos tratamentos para doenças


Publicado em: 16/03/2023

Em estudo pioneiro publicado na revista Toxicon, cientistas do Instituto Butantan descobriram que a crotoxina, uma das toxinas do veneno da cascavel, é capaz de reduzir a inflamação de sepse em modelos animais, controlando o quadro e aumentando a taxa de sobrevivência de 40% para 80%. A sepse é uma resposta inflamatória descontrolada a uma infecção no organismo, responsável pela morte de 300 mil pessoas por ano no Brasil e mais de 6 milhões no mundo. O grupo estuda a crotoxina há mais de 20 anos e já mostrou que, embora seja proveniente da peçonha da cobra, ela pode ajudar na busca por tratamentos não só para doenças inflamatórias, como também para câncer.

A dosagem utilizada na pesquisa em animais foi de 0,9 microgramas, uma quantidade extremamente baixa que não provoca efeitos de envenenamento. A toxina modulou a atividade dos macrófagos, células do sistema imune produtoras de citocinas inflamatórias. “A crotoxina tem atividade imunomoduladora: ou seja, ela modula mecanismos do sistema imune, induzindo ou inibindo a secreção de alguns mediadores, dependendo do estímulo do microambiente envolvido (fatores liberados fora das células)”, explica a diretora do Centro de Desenvolvimento Científico do Butantan, Sandra Coccuzzo, que coordena a linha de pesquisa.

 

A crotoxina, toxina do veneno da cascavel, ajuda a reduzir a inflamação de sepse em modelos animais, além de ajudar a inibir a proliferação de células tumorais

 

Em estudos anteriores, os pesquisadores mostraram que a crotoxina também tem atividade antitumoral. A molécula teve ação direta sobre as células tumorais de modelos animais, inibindo a sua proliferação, e aumentou a resposta inflamatória, importante para combater o câncer. “Com essas duas condições, observamos uma redução de quase 80% no desenvolvimento do tumor”, afirma Sandra.

A pesquisadora ressalta que a crotoxina é uma ferramenta científica que pode ajudar a identificar novos alvos para o tratamento de doenças inflamatórias e câncer. Ao identificar em quais mecanismos do organismo a proteína atua, é possível desenvolver moléculas farmacológicas ou imunoterapias que desempenhem as mesmas funções.

 

Sandra Coccuzzo, diretora do Centro de Desenvolvimento Científico (CDC) do Butantan e coordenadora da linha de pesquisa: há mais de duas décadas o grupo estuda como a crotoxina pode contribuir no tratamento de doenças inflamatórias e no combate ao câncer

 

Aplicação clínica

A crotoxina em si, por ser tóxica, não pode ser usada clinicamente. No entanto, os cientistas já têm o sequenciamento completo da toxina e estão trabalhando para identificar quais fragmentos (peptídeos) possuem a melhor ação anti-inflamatória ou antitumoral. “A crotoxina é uma vitrine de possibilidades. A perspectiva, futuramente, é conseguir selecionar apenas fragmentos de interesse e desenvolver moléculas terapêuticas, sem toxicidade”, diz Sandra.

O desafio atual é compreender como o metabolismo celular (reações químicas importantes para o funcionamento das células), modulado por esta toxina, contribui para a ativação de macrófagos – fundamental para a regulação de processos fisiológicos e fisiopatológicos. “Este estudo ajudará a evidenciar pontos-chave do metabolismo celular envolvidos na capacidade do sistema imunológico de controlar ou reverter a progressão de diferentes doenças inflamatórias, gerando importante impacto nos estudos de imunometabolismo e imunomodulação. Esses estudos sobre crotoxina e imunometabolismo são únicos na literatura.”