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Ciência a olhos vistos: Butantan inaugura complexo de laboratórios que fomenta a conservação de espécies e a interação com o público

Inovadora, nova sede do LEEv tem áreas expositivas com enfoque em serpentes ameaçadas de extinção, além de um recinto que será dedicado à preservação da jararaca-ilhoa


Publicado em: 21/02/2025

Reportagem: Natasha Pinelli
Fotos: André Ricoy, José Felipe Batista e Renato Rodrigues/Comunicação Butantan


Já imaginou ver bem de pertinho o primeiro criadouro científico com fins conservacionistas do Brasil, enquanto caminha próximo a copas de árvores da Mata Atlântica e observa o vai e vêm de alguns dos cientistas do Butantan? Pois essa é a proposta da mais nova sede do Laboratório de Ecologia e Evolução (LEEv): um espaço com mais de mil metros quadrados dedicado a ações e estudos voltados à conservação de serpentes ameaçadas de extinção – especialmente as nativas de ilhas litorâneas brasileiras. A partir de 25 de fevereiro, o espaço receberá o público do Parque da Ciência Butantan por meio de visitas guiadas.

Incorporado a um ambiente de floresta, o complexo abrange quatro blocos independentes de pesquisa, todos com janelas estrategicamente dispostas para a observação e a interação com o público, um recinto dedicado à conservação da jararaca-ilhoa (Bothrops insularis), além de um reptário para a manutenção de quelônios e lagartos e um viveiro com diversos espécimes de serpentes, entre elas a caninana (Spilotes pullatus). No total, mais de 20 espécies, entre serpentes, lagartos e quelônios, poderão ser observadas ao longo da visita.


Vista aérea do Laboratório de Ecologia e Evolução (Foto: André Ricoy)


“O desafio do nosso laboratório é seguir fazendo pesquisas de altíssima qualidade, mas, agora, proporcionando atividades educativas que, de fato, reflitam tudo aquilo que está sendo feito aqui. Sempre mantendo como principal perspectiva a preservação do meio-ambiente e da biodiversidade, além de garantir as melhores práticas de manejo para o bem-estar animal”, afirma o pesquisador científico e diretor do LEEv, Paulo Nico Monteiro. 

Os interessados em experienciar a mais nova atração do Butantan devem realizar o agendamento da data e horário de sua preferência diretamente no site do Parque da Ciência. A visita acontecerá de terça a sexta em quatro opções de horários (10h, 11h, 14h e 15h). O tour será acompanhado por técnicos e educadores do LEEv que vão compartilhar informações sobre a biologia dos animais e os biomas em que vivem, sua importância ecológica e para a preservação da biodiversidade, e quais as principais ameaças que enfrentam atualmente.


Paulo Nico é diretor do LEEv e pesquisador do Butantan na área de Ensino de Ciências e Comunicação Pública da Ciência (Foto: Renato Rodrigues)
 


A visita guiada em detalhes

Todos os quatro prédios do novo LEEv são circundados por passarelas que desembocam em uma plataforma principal, por onde vão circular os visitantes. Localizado à direita de quem chega às novas instalações, é no bloco 1 onde acontecerá a primeira parada. Lá, o público poderá observar cerca de dez terrários científicos com diferentes espécies de serpentes – entre elas, a famosa jararaca-ilhoa (Bothrops insularis), endêmica da Ilha da Queimada Grande (SP), e a jararaca-de-alcatrazes (Bothrops alcatraz), nativa do Arquipélago de Alcatrazes, localizado a cerca de 30 km de São Sebastião (SP).

“Nossa ambição é que o LEEv se torne, a médio e longo prazo, uma referência internacional em conservação ex situ [manutenção de um animal fora de seu habitat natural] de espécies de serpentes insulares do litoral brasileiro, por meio de um programa inédito de reprodução”, diz Paulo Nico. 

Na região central, à esquerda, o bloco 2 reúne a equipe administrativa, além de alguns pesquisadores e alunos do LEEv.
 

No bloco 1 do LEEv, é possível observar diferentes espécies de serpentes, como a jararaca-de-alcatrazes (Foto: José Felipe Batista)


O destaque do bloco 3 fica por conta da chamada sala de bem-estar animal: um espaço ambientado e devidamente enriquecido para receber até cinco jiboias (Boa constrictor). Além de aprender mais sobre a espécie, os visitantes poderão ver, ao vivo, exemplos de boas práticas de manejo. Segundo o diretor do LEEv, propiciar melhores condições de vida aos animais que integram o plantel é uma importante diretriz a ser seguida. “Queremos mostrar que os répteis, em especial as serpentes, também merecem respeito e cuidado”, completa a veterinária do laboratório, que é referência no assunto, Cristiane Pizzutto.

Mostrar que o bem-estar não se trata apenas de uma questão de empatia, sendo também algo capaz de influenciar aspectos biológicos, fisiológicos e genéticos dos animais, é uma das atuais frentes de pesquisa do LEEv. Um pouco desse trabalho poderá ser visto no bloco 4, onde o público terá a oportunidade de visualizar um laboratório de ponta, muitas vezes com cientistas trabalhando na bancada. 
 

As amplas janelas permitem a observação de alunos e pesquisadores, aproximando o público da ciência (Foto: José Felipe Batista)
 

De acordo com Paulo Nico, a chegada de um novo espectrômetro de massa de última geração – instrumento utilizado para identificar e quantificar as diferentes moléculas presentes em uma amostra –, previsto para ser entregue ainda no primeiro semestre deste ano, contribuirá para ampliar as abordagens analíticas das pesquisas sobre as serpentes em risco de extinção e os impactos do estresse relacionado ao manejo, contribuindo, inclusive, com a atualização e adoção de práticas cada vez melhores.

Enquanto caminha pela plataforma central, que conecta todos os prédios do complexo, o público também poderá desfrutar da vista privilegiada do novo reptário do Butantan. Composto por espécies nativas e exóticas, como jabutis e cágados, o recinto busca chamar atenção para a questão do comércio e do tráfico ilegal de animais junto aos visitantes. “Queremos desestimular qualquer tipo de compra, visto que muitos dos indivíduos que estão hoje aqui foram oriundos de apreensão e até mesmo de abandono”, observa Paulo Nico.
 

Recinto dos quelônios no LEEv possui espécies nativas e exóticas (Foto: Renato Rodrigues)

 

Um recinto para a jararaca-ilhoa

É no final da plataforma principal de circulação do LEEv que se localiza o inovador viveiro de 250 metros quadrados dedicado à jararaca-ilhoa – atualmente em fase de finalização. A equipe dedicada à conclusão do espaço, composta por profissionais multidisciplinares, tem acompanhado de perto o crescimento da vegetação, uma vez que a serpente da Ilha da Queimada Grande tem hábito arborícola, e desenvolvido pontos de tocas e outras estratégias para garantir que os animais consigam desempenhar o comportamento mais natural possível. “É nossa obrigação, nosso dever ético e moral, criar um ambiente que atenda ao máximo tais necessidades, proporcionando uma boa qualidade de vida às serpentes”, reforça Cristiane Pizzutto.

Diferentemente de sua “prima do continente”, a Bothrops insularis tem coloração amarelada, tamanho menor e hábito arborícola. Ela também se alimenta de pequenas aves, uma vez que na ilha não há oferta de roedores – principal presa da jararaca do continente. “A jararaca-ilhoa oferece uma excelente oportunidade para discutirmos conceitos relacionados à evolução e especiação com o público visitante. Trata-se de um caso que exemplifica e propicia a discussão e a aprendizagem de um tema bastante complexo”, ressalta Paulo Nico.

 

Viveiro destinado à habitação da jararaca-ilhoa (Foto: André Ricoy)


A hipótese mais aceita é que essas serpentes únicas tenham surgido quando populações ancestrais das jararacas acabaram isoladas em ilhas da costa, por conta do fim da era glacial. Na época, cerca de 10 mil anos atrás, grandes massas de gelo derreteram e cobriram de água partes de terra que se ligavam ao continente. Como nas ilhas as condições são bem distintas, com o tempo a serpente “original” passou a acumular mutações que foram benéficas ou neutras para sua sobrevivência naquele novo ambiente, resultando em uma espécie única insular e distinta da do continente (Bothrops jararaca). 

Além de contribuir com novas pesquisas sobre o animal, a criação deste ambiente inovador é uma forma de garantir a conservação da Bothrops insularis, que figura entre as espécies criticamente ameaçadas de extinção, de acordo com a International Union for Conservation of Nature (IUCN) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).


Composto por quatro blocos suspensos e independentes, o LEEv é considerado um projeto inovador (Foto: José Felipe Batista)

 

Obra premiada

Vista de cima, a planta do centro de conservação lembra a disposição dos elementos adotados na construção do primeiro serpentário do Butantan. Já naquela época, em 1912, o fundador do Instituto, Vital Brazil (1865-1950), vislumbrava a importância de se recriar ambientes inspirados nos habitats naturais dos animais para a conservação das espécies e que proporcionassem o desenvolvimento de atividades educativas para o público visitante.

Diante do desafio de construir um complexo expositivo em um terreno íngreme e de mata fechada, os arquitetos e engenheiros do Butantan optaram por realizar o mínimo de intervenções no terreno. Para isso, construíram os quatro blocos suspensos por vigas metálicas que lembram o desenho de galhos. 

O caráter inovador da construção garantiu às equipes da divisão de Infraestrutura o Prêmio Talento Engenharia Estrutural 2023, promovido pela Gerdau em parceria com a Associação Brasileira de Engenharia e Consultoria Estrutural (ABECE), na categoria “Pequeno Porte”. 

“O conceito do novo LEEv abraça a proposta do nosso parque. Foi um projeto desenhado para instigar a curiosidade do público, principalmente a das crianças que serão os cientistas de amanhã”, finaliza o gerente de Arquitetura e Urbanismo da Divisão de Infraestrutura do Butantan, João Tadeu Foa.



Visitação ao Laboratório de Ecologia e Evolução do Butantan

Datas: de terça a sexta, exceto feriados
Horários: 10h | 11h | 14h |15h (quatro sessões por dia)
Vagas: 20 por sessão
Onde se inscrever: no site do Parque da Ciência 
Local: Laboratório de Ecologia e Evolução do Butantan, próximo ao Museu da Vacina
Endereço: Av. Vital Brasil, 1.500 (entrada do Parque da Ciência). O LEEv está localizado na Rua Adolfo Lutz, 1.100, que fica ao final do Boulevard do parque e próximo ao Museu da Vacina