O sapo da espécie Bufo alvarius (hoje chamada de Incilius alvarius), também conhecido como sapo do Rio Colorado ou do Deserto de Sonora, é encontrado nos Estados Unidos e no México e se tornou popular nos últimos anos devido às características psicoativas das substâncias de seu veneno, que tem sido usado em rituais para supostamente tratar transtornos mentais como depressão e ansiedade. O veneno do animal é liberado quando ele é ameaçado, a partir da pressão nas glândulas de sua pele. Algumas pessoas extraem e secam o veneno bruto, depois o fumam ou fazem injeções intravenosas. Essa prática vem se tornando frequente e, com a coleta ilegal, a espécie corre risco de entrar na lista de animais ameaçados de extinção.
Segundo o diretor do Laboratório de Biologia Estrutural do Butantan, Carlos Jared, que estuda a biologia dos répteis e anfíbios, esse é um hábito perigoso. “O consumo de 40 mg da substância já gera um efeito anestésico e, a partir de 100 mg, pode causar alucinações. Diferente das serpentes, que injetam a peçonha, o veneno do sapo age principalmente via mucosa oral. Quando um cachorro morde um sapo, por exemplo, as toxinas corroem lentamente a mucosa e entram no sangue. Isso leva algum tempo para acontecer, então ainda é possível lavar a boca do animal e retirar o veneno. Mas fumar ou injetar o veneno bruto diretamente na circulação sanguínea é muito mais perigoso”, explica.
Isso porque o veneno do sapo é composto por centenas de substâncias – a maioria ainda desconhecida pela ciência, já que os anfíbios são pouco estudados por não terem muita interação com o ser humano. As principais substâncias já identificadas que causam os efeitos psicodélicos são a bufotenina e a sua análoga 5-MeO-DMT, compostos da classe das triptaminas, que possuem estruturas semelhantes a neuromoduladores, como os hormônios melatonina e serotonina.
O uso do veneno bruto pode provocar alucinações, problemas respiratórios e cardiovasculares, convulsões, ansiedade e paranoia. “É evidente que, como se trata do principal instrumento de defesa do animal, o objetivo do veneno é causar danos no predador ou agressor, ou até mesmo matá-lo – como acontece, em maior número, com cães.”
Muito usado em rituais xamânicos, inclusive no Brasil, o veneno do sapo do Rio Colorado também tem sido explorado por uma indústria de retiros nos Estados Unidos e no México que visam tratar transtornos psiquiátricos. Uma reportagem recente do jornal americano The New York Times informou que, para consumir o veneno, as pessoas pagam de US$ 250, no Texas, até US$ 8.500 em Tulum, no México.
Bufotenina já foi relacionada a transtornos psiquiátricos
Segundo o pesquisador Carlos Jared, boa parte dos compostos presentes no veneno do Incilius alvarius faz parte de nosso metabolismo cerebral, como a adrenalina e a própria bufotenina. “A estrutura química da bufotenina foi descrita em 1934 e sintetizada em laboratório em 1936. Nos últimos anos, alguns estudos científicos já identificaram níveis elevados de bufotenina na urina de pessoas com esquizofrenia e com Transtorno do Espectro Autista [TEA], por exemplo”, afirma. Uma pesquisa publicada em 2010 apontou uma correlação entre altos níveis de bufotenina e a gravidade do TEA.
Compostos antibióticos
Mas não são apenas efeitos psicodélicos que o veneno dos anfíbios pode oferecer. O grupo de Carlos investiga diferentes espécies de anfíbios e já identificou moléculas com propriedades antimicrobianas. Um dos estudos publicados demonstrou em testes pré-clínicos que um peptídeo isolado da perereca Pithecopus nordestinus é capaz de eliminar o protozoário Trypanosoma cruzi, causador da Doença de Chagas.
Outra pesquisa mostrou que a pele do sapo Phyllomedusa hypochondrialis contêm compostos antimicrobianos. “Os anfíbios são considerados boticários da natureza – produzem uma infinidade de substâncias. Nós identificamos antibióticos presentes na pele do animal, o que explica por que ele nunca sofre infecções na pele.”