Portal do Butantan

Butantan sedia fórum sobre cobertura vacinal infantil com presença de UNICEF, Ministério da Saúde, SBIm e Fiocruz

Promovido pela Fundação José Luiz Egydio Setúbal, encontro reuniu especialistas da área e trouxe a divulgação de dados inéditos; taxas de imunização estão em queda no Brasil desde 2016


Publicado em: 25/10/2023

O papel relevante do Butantan no cenário de pesquisa e produção de vacinas fez com que o Instituto fosse escolhido para sediar a 5ª Edição do Fórum de Políticas Públicas na Infância, organizado pela Fundação José Luiz Egydio Setúbal. Realizado nesta terça (24/10), o evento discutiu os desafios para a retomada das altas coberturas vacinais entre crianças e adolescentes, além de apresentar dois estudos inéditos sobre hesitação vacinal e desinformação. 

Na abertura do evento, o vice-diretor do Instituto Butantan, Rui Curi, ressaltou o valor de ambas instituições e o papel relevante que desempenham na divulgação científica e no fortalecimento da saúde pública entre os brasileiros. “Entendemos que se a criança compreender como é que as vacinas funcionam, ela pode levar essa informação para o seu núcleo familiar e até mudar o pensamento de algumas pessoas que têm medo”, observou.

 

O vice-diretor do Instituto Butantan, Rui Curi

 

Em seguida, José Luiz Egydio Setúbal, fundador e presidente da fundação que leva o seu nome, falou sobre a importância de estar no Butantan com tantos profissionais de prestígio para discutir o tema. “Levantamos casos de sucesso e fizemos pesquisas inéditas para contribuir no enfrentamento das quedas nas taxas vacinais, mostrando também possíveis caminhos para os nossos governantes.”

Promovido com o apoio do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), o fórum reuniu atores da sociedade civil, do poder público e da academia. “Nosso papel é contribuir para a transformação da sociedade”, afirmou. 

 

José Luiz Egydio Setúbal é o fundador e presidente da entidade responsável pela promoção do 5ª Fórum de Políticas Públicas na Infância

 

Representando a Fundação Butantan, o diretor-executivo, Saulo Simoni Nacif; o superintendente geral, Marcio Augusto Lassance Cunha Filho; e o diretor de Regulatório, Controle de Qualidade e Estudos Clínicos, Gustavo Mendes Lima Santos, também estiveram presentes no evento. “É uma honra para o Butantan estar no centro dessa discussão. Quando cuidamos da saúde na infância, preparamos o brasileiro para a vida toda e salvamos vidas”, disse Saulo Nacif ao Portal do Butantan.

 

Thayssa Fonseca, do Ministério da Saúde, Luciana Phebo, do UNICEF, e Brigina Kemp, do COSEMS-SP

 

Contextualização

Intitulada Desafios para a Retomada das Altas Coberturas Vacinais no Brasil​, a primeira mesa de discussões trouxe uma análise das múltiplas camadas que podem estar contribuindo para o cenário atual de hesitação vacinal. 

Thayssa Fonseca, coordenadora geral do Departamento de Imunizações do Ministério da Saúde, falou sobre as estratégias adotadas pela pasta a fim de frear a queda nas taxas de cobertura. O governo federal tem investido em ações de microgerenciamento e microplanejamento para entender as particularidades das diferentes regiões do país, chegando a ações melhor embasadas e, consequentemente, mais eficientes. 

A assessora técnica de Vigilância em Saúde do Conselho de Secretários Municipais de Saúde de São Paulo (COSEMS-SP), Brigina Kemp, complementou a discussão trazendo a percepção dos gestores municipais, embasada por dados do Projeto ImunizaSUS. Dentre os pontos, destaque para questões relacionadas ao fornecimento e estoque de vacinas, a falta de um sistema de informações unificado para o registro de doses e a hesitação vacinal.

O debate contou com a mediação da chefe de Saúde do UNICEF Brasil, Luciana Phebo, que reforçou o sucesso do programa Busca Ativa Vacinal. “Estamos no caminho. As coberturas estão aumentando, mas é necessário melhorar os sistemas de informação para retratar isso. Também ficou clara a relevância da intersetorialidade, porque a saúde, sozinha, não dá conta de alcançar todas as crianças com a diversidade que temos no Brasil”, disse ao Portal do Butantan.

 

Lorena Barberia, da USP, apresentou os resultados preliminares de uma pesquisa inédita feita em parceria com a Fundação José Luiz Egydio Setúbal

 

Dados inéditos 

Em seguida, houve o lançamento da pesquisa “O que pensam os brasileiros sobre a vacinação de crianças e adolescentes em 2023”, elaborada por equipes da Universidade de São Paulo (USP) e da Rede de Pesquisa Solidária em Políticas Públicas e da Fundação José Luiz Egydio Setúbal com mais de 2 mil pessoas das cinco regiões do país.

Os dados preliminares apresentados por Lorena Barberia, do departamento de Ciência Política da USP, mostraram que adultos com filhos continuam considerando a imunização como uma parte integral dos cuidados da saúde das crianças e dos adolescentes no Brasil, sendo a maioria deles – cerca de 80% – favorável à aplicação de vacinas no ambiente escolar.

“Talvez o problema esteja menos nos pontos de confiança e complacência, enquanto o elemento da conveniência passa a ser fundamental. Trata-se de um achado bastante relevante do ponto de vista de políticas públicas”, afirmou Marcos Paulo de Lucca Silveira, pesquisador e membro do Comitê de Ética em Pesquisa da Fundação José Luiz Egydio Setúbal. 

Conforme indicado por José Cassio de Moraes, pesquisador do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, “o pulo do gato” é compreender por que essa confiança não tem se traduzido em uma cobertura vacinal satisfatória. “Nenhum problema é simples em relação à vacinação, mas temos que atuar de maneira integrada para lidar com eles”, disse.

 

Micael Pereira Nobre, da Secretaria de Saúde de Baturité, Athenê Maria de Marco França Mauro, da Prefeitura de São Paulo, Maria de Lourdes Maia, da Fiocruz, e Renato Kfouri, da SBIm

 

Cases de sucesso

Com a mediação do médico pediatra e vice-presidente da SBIm, Renato Kfouri, foram discutidas possíveis ações para a retomada das altas coberturas vacinais na infância, por meio de exemplos adotados por estados e municípios que têm conseguido reverter o cenário negativo. 

A gerente do departamento de Assuntos Médicos, Estudos Clínicos e Vigilância Pós-Registro de Bio-Manguinhos/Fiocruz, Maria de Lourdes Maia, falou sobre os avanços promovidos pelo Projeto pela Reconquista das Altas Coberturas Vacinais, que em sua primeira etapa realizou esforços de vacinação, melhorias nos sistemas de informação e ações de comunicação e divulgação científica nos estados do Amapá e da Paraíba. 

Micael Pereira Nobre, da Secretaria de Saúde de Baturité, no Ceará, pontuou as vitórias do município nos últimos dois anos. Em 2021, a cidade registrava índices vacinais alarmantes, abaixo dos 37%. Com investimento no trabalho de monitoramento de aplicação de doses e busca ativa por crianças não imunizadas, além de outras melhorias, a cobertura entre menores de um ano saltou para 97%.

Por fim, Athenê Maria de Marco França Mauro, da Prefeitura de São Paulo, compartilhou os desafios da gestão em uma cidade que convive com realidades tão divergentes. Dentre as estratégias adotadas, ela destacou a realização de treinamentos periódicos junto aos profissionais das salas de vacina, a dupla checagem da caderneta de vacinação, a busca ativa por crianças com doses atrasadas e a obrigatoriedade de aplicação da BCG nas instituições que realizam partos, sejam elas públicas ou privadas.

 

Ana Julia Bonzanini Bernardi, do Instituto Democracia, apresentou os principais achados da pesquisa sobre desinformação

 

Comunicação e desinformação

Para ajudar na compreensão da tão falada hesitação vacinal, a última mesa do dia debateu o papel das redes sociais e dos meios de comunicação. “Vivemos um momento em que a própria ciência foi colocada em xeque. O papel dos cientistas e o saber viraram objeto de debate”, afirmou Paula Miraglia, cofundadora e diretora geral do Nexo Jornal, responsável pela mediação da mesa.

João Guilherme dos Santos e Ana Julia Bonzanini Bernardi, do Instituto Democracia em Xeque, apresentaram os achados de um segundo estudo inédito desenvolvido para a Fundação José Luiz Egydio Setúbal, que abordou as narrativas sobre a vacinação no ambiente digital. Para isso, foi feita uma análise do funcionamento e integração de diferentes plataformas digitais – TikTok, YouTube, Instagram, WhatsApp e Telegram.

Segundo os especialistas, as chamadas plataformas de “mensageria” são as mais problemáticas. Por serem menos moderados, esses espaços concentram uma alta capacidade de “viralização” de conteúdos que apresentam teorias conspiratórias e informações mentirosas sobre vacinação. Pelo alto apelo emocional, o ataque à imunização infantil mostrou-se recorrente entre aqueles que adotam o discurso antivacina, sendo os imunizantes contra Covid-19 e HPV os alvos principais.

Entre as propostas de enfrentamento à questão pontuou-se a condução de uma investigação triangular, baseada em dados de monitoramento, pesquisas quantitativas e qualitativas; a articulação de campanhas pró-vacinas e a consolidação da pauta na agenda da grande imprensa nacional; advocacy em prol de uma melhor regulamentação das plataformas; e a educação dos próprios usuários.

 

A jornalista Chloé Pinheiro compartilhou informações sobre o movimento antivacina no Brasil

 

Chloé Pinheiro, editora da Veja Saúde e produtora do podcast Ciência Suja, finalizou o encontro com uma apresentação sobre a desinformação e o movimento antivax no Brasil, abordando sua evolução e consolidação. “Ainda são poucas pessoas em relação aos grupos que vemos no exterior, mas definitivamente capazes de fazer bastante barulho, pois são altamente engajadas”, observou.

Os profissionais também discutiram sobre qual seria a melhor maneira de desmentir informações erradas sem “perder” o canal de comunicação com a audiência que se vê em dúvida frente as inverdades. Além da produção, a distribuição de conteúdo foi apresentada como um ponto-chave para a construção de um diálogo efetivo, uma vez que hoje as pessoas se informam de múltiplas maneiras.

 

Balanço final 

Desde 2016, com a queda em quase todos os índices vacinais, a imunização voltou a ser um problema de saúde pública no Brasil. A confiança da população nas vacinas ainda é expressiva, porém há bastante o que se fazer quanto aos sistemas de logística, informação e armazenamento, assim como o treinamento e valorização do profissional de saúde que está na ponta.

“Debater as políticas para o enfrentamento desses problemas aqui no Butantan, uma instituição centenária na luta pela vacina, foi uma honra”, afirmou José Luiz Egydio Setúbal ao Portal do Butantan

Em 2024, o fórum anual que discute as principais linhas de advocacy da organização abordará os possíveis caminhos para a melhoria da saúde mental das crianças e adolescentes no Brasil.

 

Reportagem: Natasha Pinelli

Fotos: Renato Rodrigues e José Felipe Batista/Comunicação Butantan