Os recentes casos de raiva humana no Brasil relembram o potencial altamente letal do vírus no homem e a importância da vacinação pré ou pós-exposição. O vírus da raiva, que remonta ao ano de 23 antes de Cristo e na literatura é conhecido como o “vírus da loucura”, por afetar o sistema nervoso central, afeta mamíferos e é transmitido aos humanos pela mordedura, arranhadura e pelo contato com a saliva de um animal contaminado.
A transmissão pelo transplante de órgãos de pessoas contaminadas pelo vírus e por aerossóis de cavernas de morcegos infectados também podem ocorrer, porém, é mais rara. Ele mata praticamente 100% dos animais e das pessoas que o contraem, caso não sejam vacinadas antes ou após o acidente.
Neste ano, ao menos dois homens foram vítimas da raiva no Brasil – um após o contato com um bezerro doente em Mantena (MG) e outro após ser mordido por um sagui em Cariús (CE); ambos morreram.
“Em caso de mordedura, lambedura ou arranhadura de animais domésticos ou silvestres, é preciso procurar atendimento médico imediato para avaliação e vacinação, com exceção apenas se o animal tiver sido vacinado contra a raiva e a possibilidade de ser observado por dez dias. Nos acidentes com animais silvestres é necessário a aplicação da vacina e do soro”, diz a gerente de Desenvolvimento de Processos do laboratório piloto de vacinas virais do Instituto Butantan, Neuza Frazatti Gallina.
Vacina e soro contra a raiva humana são distribuídos pelo Instituto Butantan ao SUS
A raiva é causada pelo vírus da família Rabhdoviridae, do gênero Lyssavirus, e afeta mamíferos, principalmente morcegos, cães, gatos, bovinos e certos primatas, como macacos e micos, além dos humanos. Alguns tipos de vacinas antirrábicas disponibilizadas no Brasil ao longo dos anos ajudaram a controlar o vírus no país: o imunizante veterinário indicado para caninos e felinos, oferecido em campanhas municipais anuais, e a vacina contra raiva humana, distribuída pelo Instituto Butantan para o Sistema Único de Saúde (SUS) para casos de acidentes com animais infectados com o vírus.
Iniciadas nos anos 80, as campanhas de vacinação antirrábica de cães e gatos ajudaram a controlar o vírus nas áreas urbanas do país, diminuindo drasticamente os índices de infecção e morte por raiva no Brasil. Em 1999 o país notificou 1.200 cães positivos para a raiva, frente 11 cães em 2021, segundo o Ministério da Saúde.
Quem deve tomar a vacina?
“A vacinação contra raiva humana tem duas indicações: indicada para prevenir a contaminação pelo vírus rábico de profissionais como veterinários, biólogos, funcionários de laboratórios e profissionais que trabalham em risco de se contaminar seja pela captura ou vacinação de animais, ou por trabalhar em zoológicos, entre outras funções, em esquema pré-exposição; e o esquema de pós-exposição para quem é atacado por um animal raivoso”, explica Neuza.
“O Butantan começou a fazer a vacina da raiva na década de 1950 usando inicialmente cérebros de carneiro e camundongos para crescer o vírus rábico e fazer uma vacina inativada. Ao longo dos anos, o processo de produção desta vacina foi evoluindo e hoje ela é feita com células Vero, cultivada em meio livre de soro, o que deixou a vacina mais pura e mais potente”, destaca Neuza.
A vacina, inclusive, rendeu à Neuza e sua equipe o Prêmio Péter Murányi Saúde 2010, láurea que reconhece trabalhos inovadores na saúde, pela vacina inédita contra a raiva em meio livre de soro, feita nessas células, aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em 2008. A pesquisadora recebeu novamente o prêmio este ano pelo projeto da vacina da dengue do Butantan.
Qual o risco de transmissão?
Com menos animais domésticos infectados, seus donos e pessoas próximas ficam mais protegidos, e, por isso, os casos de raiva em humanos se tornaram cada vez mais raros. Porém, com o aumento do desmatamento e o avanço da urbanização, o contato com animais silvestres vem se tornando mais frequente, o que exige cuidados – afinal, o vírus da raiva ainda circula sem controle nestes animais.
“Como o vírus da raiva circula principalmente entre morcegos, sobretudo os hematófagos (Desmodus rotundus), que se alimentam de sangue e atacam principalmente animais como bovinos, cavalos e macacos, ao serem infectados eles podem contaminar humanos que entram em contato com eles”, alerta Neuza.
Evitar a disseminação da raiva é uma medida de saúde pública, pois a doença é altamente contagiosa. Apesar de prevenível, já que há vacina disponível no Sistema Único de Saúde (SUS) para casos de pré e pós-exposição, a raiva ainda mata 70 mil pessoas por ano no mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
No Brasil, a incidência da raiva voltou a crescer em 2022, apesar de ainda ser rara, com cinco novos casos entre humanos, dos 45 notificados desde 1986. Destas, 24 pessoas foram atacadas por morcegos; nove por cachorros; cinco por felinos; quatro por primatas como micos e macacos; dois por raposas; e apenas duas sobreviveram.
“A morte por raiva ocorre, geralmente, por falta de conhecimento de quem foi contaminado, ou por falta de preparo médico de quem o atendeu e não fez a indicação de vacina e soro. É importante evitar o contato com animais silvestres, não só para não se contaminar com vírus da raiva, mas também com agentes que provocam outras doenças que são presentes nestes animais. Nunca toque em um morcego encontrado no chão, pois provavelmente ele está doente e pode transmitir a raiva”, ressalta Neuza.
Reportagem: Camila Neumam
Infográfico: Daniel das Neves
Foto: José Felipe Batista e Thiago Lemos