Apesar de alguns estados, incluindo São Paulo, terem flexibilizado a exigência do uso de máscara e a manutenção do distanciamento social, a pandemia de Covid-19 ainda não acabou. A opinião de especialistas é que o SARS-CoV-2 vai progredir para se tornar um vírus endêmico, ou seja, que continuará circulando entre nós e causando pequenos surtos em certas épocas. Entretanto, ainda não é possível afirmar que já vivemos a transição de pandemia para endemia.
Um dos principais motivos para a cautela é que a Organização Mundial da Saúde (OMS), organismo responsável por determinar o grau de ameaça de um patógeno, continua classificando a Covid-19 como pandemia. “Uma pandemia vira uma endemia quando você começa a ter diminuição da circulação do vírus e já não há níveis tão alarmantes como a gente tinha”, explica a diretora do Laboratório de Virologia e pesquisadora do Butantan, Viviane Fongaro Botosso. Em outras palavras: apesar da queda acentuada no número de contaminações e óbitos por Covid-19 nos últimos meses no país, a doença ainda é pandêmica porque continuamos a ver milhares de casos sendo diagnosticados todos os dias ao redor do mundo.
Em março de 2022, o número mais alto de mortes por Covid-19 no Brasil registrado em um dia foi no dia 4, quando houve 677 mortes. Para efeito de comparação, o pico diário de mortes pela doença aconteceu há quase um ano, em 8 de abril de 2021, quando em um único dia houve 4.249 óbitos – uma quantidade seis vezes maior. O principal motivo para explicar essa diminuição é que a cobertura vacinal com as duas doses iniciais ou dose única já atingiu mais de 83% da população brasileira.
Outros países, porém, não alcançaram nem 1% de sua população imunizada, o que contribui para que o vírus continue circulando em larga escala e levando ao aparecimento de novas variantes, além de manter o número de casos e óbitos elevados. “Enquanto você não tem um controle da circulação do vírus em todo mundo, há sempre o risco de aparecer uma variante nova que causa um novo estrago, como temos visto no decorrer destes dois anos”, diz Viviane.
A variante ômicron é um exemplo disso. Ela causou menos mortes que a delta, por exemplo, mas sua presença não sinaliza o fim da pandemia. O que acontece é que a ômicron se espalhou pelo planeta em um momento em que a vacinação já havia se disseminado – prova disso é que grande parte dos óbitos e hospitalizações é de quem não se imunizou ou não completou o esquema vacinal. “A ômicron não causa doenças leves. A população é que está prevenida”, resume a diretora do Laboratório de Virologia.
A Covid-19 só será considerada uma endemia quando os casos diminuírem mais ainda e não houver relatos rotineiros, assim como acontece com a gripe. Todos os anos, após o fim do verão, os casos de gripe aumentam em função da maior circulação do vírus influenza. Mas isso não ocorre durante o ano todo porque a gripe é uma doença sazonal, que ocorre principalmente no inverno. Além disso, a vacinação anual da população-alvo mais vulnerável protege de casos graves e impede a ocorrência de surtos fora de época. Vale lembrar que o surto que ocorreu no fim de 2021 se deu pela baixa cobertura vacinal da influenza na campanha anterior. Outro caso de endemia no Brasil é a dengue, que geralmente ocorre durante o verão, quando as chuvas facilitam o acúmulo de água limpa parada – locais ideais para a reprodução do mosquito Aedes aegypti, vetor da doença.
Status das medidas de proteção
Para Viviane, ainda é cedo para acreditar que vivemos uma endemia do vírus SARS-CoV-2, ou até mesmo uma situação de equilíbrio da doença. Um exemplo é que alguns países liberaram o uso de máscara e depois tiveram que retomar as medidas de proteção devido ao aumento no número de casos. “Estamos começando as flexibilizações das medidas de contenção agora, e a gente não sabe como isso vai impactar na epidemiologia da doença”, afirma.
Quando a OMS determinar que a Covid-19 alcançou o status de endemia, as medidas de proteção deverão ser atualizadas. Provavelmente, a população continuará a ser orientada a se vacinar conforme as campanhas de imunização periódicas, usar máscara e evitar contato com outras pessoas se estiver apresentando sintomas respiratórios e lavar as mãos com água e sabão ou álcool em gel na ausência de água. “Esses tipos de medidas servem para contenção de qualquer doença respiratória”, completa a pesquisadora.