A cartilha “Como manter o coronavírus longe de você e da sua família”, do Instituto Butantan, ganhou uma versão em tupi-guarani feita por moradores da Terra Indígena (TI) Piaçaguera, em Peruíbe (SP).
A entrega do material foi realizada pelo Butantan e pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI) – Coordenação Regional Litoral Sudeste nesta quinta-feira (12) na aldeia Tapirema, onde vive a educadora indígena Nhandedjaryi Catarina Kunhã Numbopyruá, de 71 anos, uma das idealizadoras e tradutoras da cartilha.
A anciã da comunidade conta que todo o processo de tradução durou quatro meses, diante da complexidade de fazer uma versão na língua indígena.
“A gente achava que seria difícil fazer a tradução, mas fomos analisando, achando as palavras certas para adequar, porque não dá para traduzir ao pé da letra. Fomos consultando uns aos outros e nos informando. Nós íamos falando sobre a Covid-19 e pedindo que as crianças fossem desenhando”, diz Catarina.
Para ela, a cartilha terá duas grandes funções para os aldeados. A primeira será a de ajudar os mais velhos, que não falam bem o português, a entender a necessidade de manter os cuidados contra a Covid-19. E não menos importante, o material também será instrumento para os mais jovens – já habituados com o português – terem mais contato com a língua materna de seu povo.
“Estamos muito felizes de ter recebido a cartilha do Butantan porque passando para o tupi-guarani muitos indígenas, principalmente os mais velhos, vão entender melhor [sobre a Covid-19]”, completa a anciã.
Protagonismo indígena
O estudante de linguística da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Luã Apyká, de 29 anos, da comunidade tupi-guarani da Aldeia Tabaçu Reko Ypy, da mesma região do Piaçaguera, também trabalhou na tradução da cartilha. Para ele, o trabalho realizado foi a materialização do protagonismo indígena na educação.
“Tudo o que foi criado sobre os povos indígenas foi por terceiros, não por indígenas. Esse é um momento de protagonismo dos anciões, das crianças, da comunidade como os maiores detentores do saber. Poder registrar esse conhecimento é um dos maiores movimentos que produzimos para nós mesmos. Tem aquele ditado que diz: nada é para nós sem nós”, disse.
Para o acadêmico, o material impresso tem uma importância ainda maior em aldeias sem acesso a recursos tecnológicos.
“Acredito que a escrita leva o conhecimento para muitos lugares aonde o audiovisual não chega, já que há aldeias que não tem internet. Usar isso como informação, de forma saudável e séria é muito importante, e também falar isso na nossa língua.”
Reconhecimento internacional
A educadora indígena Guaciane da Silva Gomes, de 30 anos, moradora da aldeia Itapirema, e quem, junto com Catarina, trabalhou ativamente na disseminação do conteúdo da cartilha com as pessoas da comunidade, conta que a tradução já trouxe frutos reais para a comunidade.
A tradução e a ação de educação preventiva receberam o apoio de um fundo solidário dos Estados Unidos, que deu à aldeia uma contribuição em dinheiro para que o trabalho de conscientização contra Covid-19 com crianças aldeadas, com base no conteúdo da cartilha, continuasse.
“Conseguimos o apoio de um projeto internacional para desenvolver um trabalho esse ano graças à tradução da cartilha. Tudo isso foi muito fortalecedor porque envolveu a comunidade inteira, não somente os professores, mas as crianças, os jovens. Um pedaço de cada um da comunidade está neste livro”, disse a professora.
Um marco para o Butantan
Para o diretor cultural do Instituto Butantan, Giuseppe Puorto, a parceria do Butantan com os educadores indígenas e com a Funai é um feito na história dos 121 anos do instituto.
“O Butantan atua com saúde pública em diferentes frentes e essa parceria de trabalhar uma cartilha sobre o coronavírus em uma comunidade indígena é um feito na história do Butantan nesses 121 anos. É um momento altamente importante porque consagra realmente o nosso DNA a serviço da vida”, disse.
Marcos Cantuária, de 43 anos, coordenador regional da Funai Litoral Sudeste, conta que a Funai selecionou o material original do Butantan em português logo no começo da pandemia, quando a orientação era que os aldeados permanecessem isolados, pois eram mais vulneráveis ao SARS-CoV-2. Ao falar sobre prevenção na aldeia, veio a ideia de traduzir a cartilha para que todos pudessem compreender e se proteger do vírus.
“Fizemos oficinas e começamos a trabalhar a tradução de toda a cartilha. No processo de maturação, entramos na discussão para publicar a cartilha e outros livros”, disse.
Para o coordenador da Funai, a parceria empodera a população indígena, além de deixá-la mais protegida contra o vírus que ainda circula pelo mundo.
“Acredito que é bastante importante essa parceria com o uso do material elucidativo, com as campanhas de redução do contágio do Covid. Trazer isso dentro das aldeias é fortalecer a prevenção. E uma atuação conjunta é bastante boa para as populações indígenas”, ressaltou.
A aldeia Tapirema é uma área demarcada e que tem um decreto de homologação feito pela Funai desde 2015. Pertencente à Terra Indígena (TI) Piaçaguera, reúne cerca de 300 pessoas em mais de três aldeamentos.
Reportagem: Camila Neumam
Fotos e vídeos: Renato Rodrigues/Comunicação Butantan