Reportagem: Aline Tavares
Fotos: José Felipe Batista
Giovanna Ferreira Cavalcanti praticamente “nasceu” mexendo no computador. Com aptidão para exatas, ela sempre se interessou por programação, mas nunca imaginou que poderia unir essa paixão à pesquisa científica. Estudante da Escola Técnica Estadual (ETEC) de Carapicuíba (SP), a jovem de 17 anos faz Ensino Médio e curso técnico de Desenvolvimento de Sistemas, e participou do programa Cientista Mirim do Instituto Butantan em 2024. O curso gratuito, que oferece seis meses de imersão em laboratórios científicos, lhe abriu portas para um universo até então desconhecido.
Orientada pelo pesquisador Milton Nishiyama Junior, do Laboratório de Toxinologia Aplicada do Butantan, Giovanna desenvolveu um projeto de bioinformática que a levou a ser premiada em um dos maiores eventos científicos do país, a Feira Brasileira de Ciências e Engenharia (FEBRACE). O objetivo da pesquisa foi caracterizar famílias de toxinas de diferentes espécies de aracnídeos com atividade dermonecrótica, ou seja, que provocam necrose na pele humana – como é o caso do veneno da aranha-marrom (Loxosceles).
Antes de entrar no programa, a estudante não conhecia a carreira de pesquisa e enxergava a ciência como algo quase “ficcional”, que estava fora do seu alcance. No início do Ensino Médio, quando ficou meses sem aulas de biologia, ela estudava por conta própria lendo livros e artigos na internet. Quando ingressou no segundo ano, seu desempenho e interesse na matéria chamaram a atenção do professor. Incentivada por ele, decidiu se inscrever no Cientista Mirim, citando como diferencial os seus conhecimentos em programação – e sua infinita curiosidade.
“O Cientista Mirim foi um divisor de águas. Foi inspirador ver outras pessoas como eu, que vieram de escola pública, fazendo pesquisas impressionantes”
Giovanna adentrou os laboratórios e museus do Instituto Butantan pela primeira vez em junho de 2024. Ela, que não tinha laboratório na escola como outros colegas, ficou encantada com cada detalhe. No Cientista Mirim, sua missão era contribuir para o projeto “O que é a bioinformática e qual sua importância no estudo de venenos em saúde pública?”. A jovem teve a oportunidade de decidir com qual animal peçonhento gostaria de trabalhar, no âmbito das pesquisas que já estavam em andamento. A escolha foi a aranha-marrom devido à ação característica do veneno.
“Eu não conhecia nada sobre picada de aranha, achava que era tudo igual. No Butantan, aprendi quais são as aranhas de importância médica e as diferenças entre elas”, diz. Durante o projeto, Giovanna usou ferramentas de bioinformática para extrair dados das sequências das proteínas de algumas espécies de aranha, analisando e buscando padrões, com o intuito de predizer quais famílias de toxinas teriam mais chance de ter uma atividade dermonecrótica.
O orientador Milton Nishiyama Junior conta que a participação no programa permite aos jovens amadurecer intelectualmente e fundamentar suas opiniões e estudos em referências científicas, além de vivenciar a rotina de um laboratório na área da pesquisa. “A ideia era que Giovanna aprendesse sobre a parte biológica, buscando na literatura e em bancos de dados públicos toda a informação possível para conseguir caracterizar aquela família de toxina. Com isso, ela começou a transpor o conhecimento biológico para um algoritmo”, explica.
A cientista mirim apresentou os resultados do projeto para os colegas do laboratório em seminários e participou da Reunião Científica Anual do Butantan, o maior evento interno da instituição. Empolgada com a experiência, ela agora se sente motivada a fazer o vestibular de Ciência da Computação na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e, mais tarde, tentar uma pós-graduação para trabalhar com bioinformática – quem sabe, no próprio Butantan.
“Estar no Butantan me apresentou vários caminhos que eu não sabia que eram possíveis, e estar nesses caminhos é muito gratificante”
Ao conhecer o mundo acadêmico, a jovem ficou sabendo sobre diversas feiras e competições científicas. Tanto que pretende se inscrever em mais de dez olimpíadas neste ano, como a Olimpíada Brasileira de Inteligência Artificial, a Olimpíada Brasileira de Matemática e a Olimpíada Brasileira de Astronomia e Astronáutica. Na FEBRACE, que aconteceu no final de março, seu trabalho ficou em 4º lugar em Ciências Exatas e da Terra e recebeu uma menção honrosa do Conselho Regional dos Técnicos Industriais do Estado de São Paulo (CRT-SP).
Mais do que ensinar sobre biologia e pesquisa, o programa Cientista Mirim mudou toda a perspectiva de futuro de Giovanna. Para estudantes da rede pública, que muitas vezes têm acesso restrito a conhecimentos e oportunidades específicos da ciência, o impacto é ainda maior. Daqui para frente, a jovem espera difundir o que aprendeu e mudar a vida de outras pessoas, fomentando entre os colegas o interesse pelo assunto.
“O mais legal foi essa ruptura de paradigma de que eu tinha que ficar em uma caixinha fechada. Foi a experiência que eu precisava para colocar meus conhecimentos à prova"