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Soros salvam: no Natal de 2004, pesquisadora do Butantan correu contra o tempo para enviar antiveneno a paciente acidentado com lagarta no interior

Jovem foi envenenado por Lonomia em Goiás e internado em Ribeirão Preto; médica Fan Hui Wen enviou soro às pressas em voo na véspera do Natal


Publicado em: 02/01/2024

Era para ser uma tarde comum naquele 21 de dezembro de 2004. Já em clima natalino, a pesquisadora Fan Hui Wen, então diretora do Hospital Vital Brazil (HVB) do Instituto Butantan, passou rapidamente na unidade após buscar o sobrinho de 4 anos, que estava em uma festa infantil na região. A médica, que não estava de plantão naquele dia, só queria garantir que estava tudo sob controle. Foi por acaso que ela estava lá quando, por volta das 20h, o telefone do HVB tocou: uma médica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo precisava de ajuda para tratar um paciente.

A profissional tinha admitido no hospital um homem de 25 anos que havia encostado em uma árvore cheia de lagartas no Parque Estadual de Terra Ronca, em Goiás, durante uma viagem. No caminho de volta para São Paulo, o jovem precisou buscar atendimento médico. “Ele já estava com hemorragias na gengiva e manchas roxas na pele, um claro sinal de envenenamento por Lonomia obliqua”, conta Fan, atual diretora técnica de produção de soros do Butantan. O homem chegou a fotografar as lagartas, que costumam ficar aglomeradas em troncos de árvores frutíferas.

A partir daquele telefonema, teve início uma verdadeira saga. Fan rapidamente coletou algumas ampolas do soro antilonômico, que neutraliza o veneno, acionou a ambulância do Hospital Vital Brazil e partiu, junto com o pequeno sobrinho vestido de Power Rangers, para o aeroporto de Congonhas. Um voo sairia às 22h de São Paulo com destino a Ribeirão Preto e era necessário “embarcar” o medicamento.

Cheguei no aeroporto, furei a fila de todo mundo, fui até o guichê da companhia aérea e disse: ‘Preciso mandar esse soro com urgência para Ribeirão Preto. A vida de uma pessoa depende disso!’

De próprio punho, Fan escreveu uma declaração solicitando que o soro fosse enviado ao hospital. O comandante do voo levou a caixa de isopor com o antiveneno dentro da cabine e, à meia noite, o paciente já estava sendo medicado. Com a terapia, o sangramento parou e os padrões de coagulação foram normalizados. O homem teve alta dois dias depois.

Na época, o soro antilonômico – que é produzido em um único lugar do mundo inteiro, o Instituto Butantan – ainda não era disponibilizado em larga escala no Brasil pelo Ministério da Saúde, já que a maioria dos casos notificados se concentrava no Sul. Foi a primeira vez que um acidente por Lonomia foi reportado em Goiás.

“Além disso, a distribuição do soro não incluía a parte norte do estado de São Paulo, onde o jovem foi atendido, já que se trata de uma região de baixo risco de ocorrência de lagartas do gênero Lonomia”, explica a pesquisadora.

O caso foi emblemático e motivou a adoção de uma política pública de descentralização do soro antilonômico, ampliando sua disponibilidade em território nacional. “O Ministério da Saúde adquire o imunobiológico e o envia para as Secretarias Estaduais de Saúde – que, por sua vez, distribuem o produto para locais estratégicos, de modo a possibilitar um fluxo de encaminhamento ágil e eficiente”, destaca Fan. Hoje, o Butantan produz e entrega ao governo federal 5 mil frascos-ampolas por ano.

“Em momentos como esse, a possibilidade de salvar uma vida está em nossas mãos. Depois do ocorrido, o jovem nos visitou no Butantan. Esse tipo de retorno é uma verdadeira recompensa pra nós”

Segundo a pesquisadora, é de extrema importância conhecer a distribuição das lagartas e saber que elas podem aparecer em função de movimentações e intervenções feitas pelo ser humano na natureza. “Precisamos difundir informações e alertar a população e os profissionais de saúde, para que o desconhecimento sobre Lonomia não resulte em demora no diagnóstico e no tratamento”, ressalta.

A recomendação após o envenenamento é que o soro seja aplicado o quanto antes para evitar complicações. O veneno começa causando dor imediata e inchaço no local, dor de cabeça, náuseas e vômitos, evoluindo para hemorragias e alterações na coagulação sem o tratamento adequado, podendo levar à insuficiência renal aguda e morte. A gravidade do acidente depende da quantidade de veneno inoculado e da intensidade do contato com as cerdas da lagarta.

Saiba mais: Acidentes com lagarta Lonomia podem causar hemorragia e morte se não forem tratados com o soro rapidamente, mostram estudos

Em São Paulo, a Lonomia costuma causar acidentes entre janeiro e abril, tanto na zona urbana quanto na rural. A época de maior incidência de contato com animais peçonhentos em geral acontece entre dezembro e fevereiro, período que inclui as férias escolares, devido ao aumento da atividade dos animais e da movimentação das pessoas em áreas rurais para lazer. 

No infográfico, descubra como evitar acidentes e o que fazer em caso de envenenamento:

 

Reportagem: Aline Tavares

Fotos: Renato Rodrigues/Comunicação Butantan

Arte: Diego Evangelista