A bióloga Juliana Feitosa, de 32 anos, cresceu passeando pelo parque do Butantan, se admirando com as serpentes e sonhando em trabalhar no instituto como seu pai, que há mais de 30 anos atua na manutenção. O desejo se realizou em 2021, quando ela foi contratada para atuar com testes diagnósticos de Covid-19. A trajetória profissional em ascensão enfrentou um obstáculo em maio, quando Juliana recebeu o diagnóstico de câncer de mama, doença que acomete cerca de 60 mil brasileiras por ano. Mas o desafio foi encarado com resiliência: para a cientista, sua vida não é o câncer. É trabalhar com o que gosta, ler livros de ciência e romance, assistir a filmes trash com o marido (e às vezes brigar com ele), caminhar, receber amigos e sair com os colegas de trabalho. E sempre que possível, ela continuou fazendo tudo isso.
“Quando você tem câncer, milhares de pensamentos passam pela sua cabeça e a primeira coisa que você quer fazer é se livrar dele”, conta Juliana. Felizmente, a bióloga conseguiu detectar o tumor cedo – com histórico familiar da doença, sempre acompanhou de perto a saúde e fazia autoexames regularmente. Ela começou a quimioterapia em junho e já fez 10 sessões. Agora, está na reta final, faltando seis sessões, e o prognóstico é bom.
Um dos pontos de apoio de Juliana foi seguir no trabalho presencial durante boa parte do tratamento, mesmo em meio a diversos efeitos colaterais, como taquicardia, fadiga, enjoo e queda de cabelo. “Se você parar e ficar em casa só pensando na doença, o tratamento demora mais e os efeitos são piores. Você sofre mais. Eu dou muito risada com as pessoas, assisto bastante coisa engraçada – acho que é muito bom você rir, sabe.”
No Butantan, Juliana começou como aluna de iniciação científica no Laboratório de Herpetologia, onde analisava as proteínas do veneno da jararaca. Com o passar dos anos, descobriu que se encantava mais pela análise de dados do que pelos experimentos na bancada, e hoje trabalha com metadados no Laboratório Estratégico de Diagnóstico Molecular. Para ela, o apoio que recebeu no ambiente profissional fez toda a diferença.
“Meus gestores e colegas sempre me tranquilizaram e me apoiaram muito. Isso foi muito bom, porque você já fica nervoso, ansioso, pensando ‘e se eu voltar e não tiver trabalho?’”
Experiências (e vidas) que se cruzam
O acolhimento no Butantan também veio de outras maneiras. Foi por meio do trabalho que Juliana teve a oportunidade de compartilhar experiências e receber dicas valiosas de outras mulheres que viveram o mesmo problema, o que ajudou a tornar o processo desafiador mais leve. A ex-aluna de uma de suas colegas de trabalho teve câncer de mama e passou horas conversando com Juliana por chamada de vídeo. A cientista também acabou conhecendo outras duas pessoas que fazem ou fizeram tratamento para câncer, e tirou várias dúvidas sobre o assunto.
Segundo ela, uma das melhores orientações que recebeu foi a de não cozinhar em casa para evitar enjoos. Sua mãe mora perto e acaba preparando e levando as refeições para ela. Isso a ajuda a não associar o cheiro dos alimentos às náuseas e conseguir se alimentar melhor.
“Quando você conversa com outra pessoa que passou por uma situação parecida, você descobre que existe a luz no fim do túnel. Porque ela passou por tudo isso e sobreviveu.”
O impacto da prevenção
O câncer de mama está presente na família de Juliana há gerações. Mas foi em 2019, quando perdeu uma tia próxima para a doença, que ela descobriu que tinha a mutação no gene BRCA1, que aumenta em 80% o risco de desenvolver o tumor. A jovem começou a fazer acompanhamento médico e decidiu realizar a mastectomia preventiva – retirada das mamas para prevenir o aparecimento do câncer. No entanto, em abril deste ano, antes de conseguir fazer a cirurgia, ela sentiu um caroço dolorido na mama e descobriu que algo estava errado.
Era um tumor pequeno de 1,5 cm do tipo mais agressivo, o triplo negativo. Segundo os médicos de Juliana, é um câncer difícil de detectar tão cedo, pois cresce muito rápido e tem alta chance de metástase. E o diagnóstico precoce pode mudar o rumo do prognóstico de um câncer: no caso do tumor de mama, a chance de cura pode chegar a 90%. Por isso, é primordial realizar autoexames e exames de rotina com regularidade, como reforça a cientista.
“O autoexame é muito importante, porque só você se conhece 100%. Ao sentir qualquer coisa diferente, você deve procurar ajuda de um profissional, e não pesquisar na internet, porque cada corpo é de um jeito. A maioria dos tumores malignos não dói, por exemplo, mas o meu doía.”
Por ser muito pequeno, o tumor sumiu na primeira sessão de quimioterapia. As demais sessões que Juliana está fazendo são profiláticas, para garantir que nenhuma célula cancerosa “escapou”. O próximo passo será a retirada das mamas e, daqui a alguns anos, a retirada dos ovários, já que a chance de desenvolver câncer nesses órgãos também aumenta em 60% devido à mutação no gene BRCA1.
Segundo Juliana, saber que é um fator genético e buscar conhecimento sobre a doença foi essencial para conseguir combatê-la da melhor forma possível. Sua tia, por exemplo, desconhecia a mutação. “Quando ela teve o primeiro tumor, retirou só uma parte da mama. Mas o que ela não sabia é que, quando existe um fator genético, o câncer com certeza vai voltar. Por isso a mastectomia total é necessária.”
Um cabelo colorido e uma nova perspectiva
Juliana acredita que o câncer é como uma fase ruim da vida – o tratamento é pesado, impacta a saúde física e mental, mas é possível passar por ele. “Eu sempre pensei que poderia ser pior: poderia ser uma doença incurável ou que iria me debilitar para o resto da vida. Não é o meu caso, e também não é o caso de muitas pessoas que têm câncer”, destaca.
Para outras mulheres que venham a enfrentar situações parecidas, ela fala sobre a importância de fazer acompanhamento psicológico e ter redes de apoio para se fortalecer, e sobre ter em mente que tudo na vida é passageiro.
“As coisas ruins que acontecem na nossa vida também nos fazem enxergar outras possibilidades, outras formas de ver o mundo. Eu sempre tive vontade de pintar o cabelo e nunca pintei, por medo dos outros encararem. E hoje eu estou careca. Então quando o meu cabelo crescer, a primeira coisa que eu vou fazer é pintar colorido. É sobre você se descobrir de outras formas.”