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Candidata a vacina contra HPV do Butantan tem potencial para prevenir e tratar a infecção, apontam estudos

Imunizante usa a tecnologia de RNA mensageiro e deve induzir resposta mais ampla do que as vacinas atuais


Publicado em: 01/02/2023

Uma nova vacina patenteada de RNA mensageiro em desenvolvimento no Instituto Butantan contra o HPV – vírus causador de seis tipos de câncer, principalmente de colo do útero – foi capaz de induzir produção de anticorpos e reduzir o tamanho do tumor em modelos animais infectados, indicando um potencial profilático e terapêutico. Diferente dos imunizantes atualmente disponíveis no mercado, produzidos com a proteína L1 do vírus (específica para cada tipo de HPV), a nova tecnologia utiliza a L2, que é semelhante nos diferentes tipos. Essa estratégia pode ampliar o alcance da resposta imune. Hoje, há vacinas disponíveis para a população que protegem contra dois (bivalente), quatro (tetravalente) e nove tipos (nonavalente) – no total, cerca de 40 tipos do vírus são prejudiciais ao organismo humano e 14 são considerados de alto risco para desenvolvimento de câncer.

“A sequência de aminoácidos da proteína L2 varia muito pouco entre os mais de 200 tipos de HPV já descritos. Dessa forma, o imunizante feito com essa proteína protegeria contra quase todos os tipos e subtipos do vírus, pois o sistema imune seria capaz de reconhecê-los”, explica a diretora do Laboratório de Biotecnologia Viral do Butantan, vinculado ao Centro de Desenvolvimento e Inovação (CDI), Soraia Attie Calil Jorge.

 

A proposta do grupo de Soraia é desenvolver uma vacina de RNA mensageiro a partir de um vetor de DNA contendo genes específicos do HPV16, patenteado pela pesquisadora Aurora Marques Cianciarullo e produto do doutorado de Érica Akemi Kavati Sasaki. Elas foram responsáveis pelos primeiros testes em animais, feitos com o vetor vacinal de DNA. Nos futuros experimentos, será utilizado o RNA sintetizado por esse DNA. “Escolhemos essa tecnologia por ter sido recentemente aprovada pelas agências reguladoras internacionais diante da pandemia”, afirma Soraia.

Para produzir o imunizante, o RNA será encapsulado com nanopartículas de lipídios. “Nós confirmamos em testes in vitro que as células respondem tanto ao DNA como ao RNA. Agora, estamos trabalhando para sintetizar e encapsular o RNA e testar diferentes formulações da vacina in vitro. Depois, vamos selecionar as melhores formulações para seguir para os testes em animais”, completa o pesquisador Wagner Quintilio, também do Butantan.

A expectativa é finalizar a etapa pré-clínica até o final de 2023 e, a partir dos resultados, buscar parcerias com outros laboratórios para viabilizar os testes clínicos.

 

 

Ação terapêutica é outro diferencial

A vacina proposta pelos pesquisadores contém sequências específicas dos genes L2 e E6 do vírus HPV16, previamente selecionadas por Aurora e Érica. Na infecção por HPV, o gene E6 se liga ao gene P53 da célula humana e inibe o processo de apoptose (morte celular), ajudando na proliferação do vírus e, eventualmente, no desenvolvimento do câncer. Mas com o fragmento de E6 presente na vacina, o organismo pode criar anticorpos contra ele e impedir essa ligação no caso de uma eventual infecção por HPV, fazendo com que o processo natural de induzir a morte das células infectadas pelo vírus seja mantido. 

Em modelos animais, o tratamento inovador com o vetor vacinal de DNA resultou na redução significativa do tamanho do tumor já instalado. “Além de proteger contra a infecção por HPV, o imunizante poderia atuar como um adjuvante para tratar a infecção e lesões causadas pelo vírus”, aponta Soraia. 

 

 

Vacina atual contra HPV é distribuída pelo Butantan

A vacina tetravalente atual protege contra os quatro principais vírus causadores de verrugas genitais e câncer: os tipos 6, 11, 16 e 18. Feito com a tecnologia VLP (virus-like particles, em inglês), o produto é considerado altamente seguro e eficaz para prevenir a infecção e integra os programas de vacinação de mais de 50 países. Ele é baseado na proteína L1 de cada vírus, portanto tem apenas função profilática.

No Brasil, o imunizante é produzido pelo Butantan em parceria com a farmacêutica MSD e está disponível gratuitamente no Sistema Único de Saúde (SUS) desde 2014 para meninas e meninos de 9 a 14 anos – idade em que a imunização é mais eficaz – e para adultos de até 45 anos que sejam transplantados, imunossuprimidos ou pacientes oncológicos. A vacina ainda é indicada para mulheres saudáveis até os 26 anos (nesse caso, disponível na rede privada).

O HPV está envolvido em quase 100% dos casos de câncer de colo do útero, que anualmente acomete 600 mil mulheres no mundo e mata mais de 300 mil. O vírus pode causar, ainda, câncer de vulva, vagina, pênis, ânus e orofaringe. Mesmo com tamanha importância, a cobertura vacinal do HPV no Brasil ainda está muito abaixo do necessário: apenas 57% nas meninas e 39% nos meninos, enquanto o ideal é no mínimo 90%.

Segundo a pesquisadora Aurora Marques, existe uma correlação entre as taxas de infecção e o efeito dos subtipos de HPV que não são cobertos pela vacina nonavalente disponível no mercado, ainda pouco estudado. “Dentro desse contexto, é importante o desenvolvimento de novas vacinas capazes tanto de ampliar o espectro de proteção contra outros tipos de HPV como de auxiliar no tratamento de pacientes já infectados.”