Reportagem: Natasha Pinelli
Fotos: José Felipe Batista e Marília Ruberti/Comunicação Butantan
Nesta segunda e terça-feira (18 e 19/8), o Instituto Butantan sediou o IV Encontro Nacional de Vigilância e Controle dos Acidentes por Animais Peçonhentos. Encabeçado pelo Ministério da Saúde, o evento reuniu gestores, pesquisadores e profissionais da saúde de todo o Brasil para discutir e atualizar planos e estratégias intersetoriais, tendo como foco a melhoria da assistência às vítimas de picadas de animais como serpentes, aranhas e escorpiões, além da redução do número de casos. Em 2024, o país registrou quase 340 mil acidentes com animais peçonhentos, segundo dados preliminares do Ministério da Saúde.
“Houve um aumento de mais de 40% na incidência desses acidentes desde 2017. Temos desafios consideráveis pela frente que vão exigir o constante aprimoramento do nosso sistema”, pontuou o coordenador-geral de Vigilância de Zoonoses e Doenças de Transmissão Vetorial (CGZV) do Ministério da Saúde, Francisco Edilson Ferreira.
Da esquerda para a direira: Fábio Bucaretchi, Marco Vigilato, Francisco Edilson Ferreira, Fan Hui Wen e Lucio Gama (Foto: Marília Ruberti)
Além do representante da pasta, a mesa de abertura teve a presença do coordenador regional de Zoonoses e Saúde Pública Veterinária do Centro Pan-Americano de Febre Aftosa e Saúde Pública Veterinária (Panaftosa), Marco Antônio Vigilato; do representante da Associação Brasileira de Centros de Informação e Assistência Toxicológica (ABRACIT) Fábio Bucaretchi; do diretor de Alianças Científicas Internacionais do Butantan, Lucio Gama; e da diretora de produção de soros do Butantan e anfitriã do evento, Fan Hui Wen.
“É uma discussão chave para toda a região das Américas, uma vez que a experiência brasileira inspira outros países que enfrentam desafios para o fortalecimento de seus programas de vigilância”, afirmou Marco Vigilato.
Diretora da produção de soros do Butantan durante palestra em evento do Ministério da Saúde (Foto: Marília Ruberti)
Responsável pela palestra inaugural, o representante do Panaftosa traçou um breve histórico dos acidentes por animais peçonhentos na América Latina e Caribe. Ele pontuou a subnotificação como um desafio na região, e reforçou que ampliar a vigilância é uma forma de proteger as populações vulneráveis, que sofrem mais com o agravo. Em seguida, o conceito de Saúde Única foi lembrado por Francisco Edilson Ferreira como um pilar essencial para o enfrentamento do problema.
Já a apresentação da diretora de produção de soros do Butantan detalhou a evolução do setor na última década. Passado o período de adequações às Boas Práticas de Fabricação, o Instituto aumentou consideravelmente sua produção ao incorporar tecnologias como a plasmaférese e adotar múltiplas etapas de controle de qualidade ao longo do processo. Cerca de 600 mil frascos de soros são entregues anualmente ao Ministério da Saúde.
“Hoje, temos condições de atender a demanda interna e apoiar outros países que não possuem produção própria”, observou Fan Hui Wen. A especialista compartilhou que no horizonte de eventos do Butantan figura uma nova fábrica que permitirá dobrar a produção, além de disponibilizar o soro em versão liofilizada, o que facilita sua conservação e amplia sua disponibilidade no território nacional.
A situação epidemiológica dos acidentes por animais peçonhentos no Brasil foi detalhada na palestra da consultora técnica da CGZV Etna de Jesus Leal, que reforçou a relevância da notificação para a tomada de medidas mais efetivas de combate e prevenção do problema. Dos 337 mil casos registrados no ano passado, quase 200 mil foram acidentes causados por escorpiões – o envenenamento em decorrência da picada do animal causou 125 óbitos, principalmente entre crianças menores de 10 anos. Além disso, a especialista destacou o novo Painel Epidemiológico de Acidentes por Animais Peçonhentos do Ministério da Saúde.
Especialistas discutem o panorama brasileiro de acidentes por animais peçonhentos (Foto: Marília Ruberti)
A apresentação do Plano Nacional de Mitigação dos Acidentes Ofídicos complementou o desenho do cenário brasileiro. Em linha com as diretrizes da Organização Mundial da Saúde, o documento propõe reduzir em 10% a incidência de casos e em 50% a mortalidade até 2030. As medidas incluem capacitação dos agentes comunitários de saúde, em especial aqueles que atuam em território indígena, fortalecimento dos serviços de assistência hospitalar e ampliação da cooperação entre áreas.
Um dos focos do debate também foi a descentralização dos soros, estratégia vista como essencial para garantir atendimento adequado nas regiões remotas do país. Segundo dados apresentados, a região Norte concentra 30% das notificações de acidentes ofídicos – apesar da baixa densidade populacional –, e dispõe de apenas 16% dos centros de saúde capacitados a prestar atendimento em caso de envenenamento.
A experiência do estado do Amazonas no projeto-piloto para descentralização dos antivenenos nos Distritos Sanitários Especiais Indígenas mostrou que, após a instalação de 14 polos de saúde aptos a lidar com o agravo, 80% dos casos passaram a ser resolvidos localmente, sem necessidade de deslocamentos. O Butantan contribuiu com a iniciativa por meio da doação de 800 ampolas de soro contra veneno de jararaca e de surucucu-pico-de-jaca (antibotrópico e antilaquético). Agora, a expectativa é que a ação chegue a outros estados da região Norte.
Plateia participou ativamente, com comentários e observações que enriqueceram o encontro (Foto: Marília Ruberti)
O segundo dia do encontro foi dedicado a discussões técnicas e à apresentação de experiências inovadoras no enfrentamento dos acidentes, com destaque para a vigilância e prevenção do escorpionismo.
A programação começou com a apresentação dos trabalhos em andamento para aprimorar os diferentes sistemas de informação que servem à vigilância. Entre as novidades, destaque para a possibilidade de registros mais assertivos em relação ao uso dos antivenenos, o que permitirá análises fiéis sobre a real necessidade do produto nos diferentes estados, além do fortalecimento do mapeamento das espécies de interesse em saúde.
Também foi compartilhada uma nova proposta de ficha de notificação de agravos, que inclui campos inéditos como acidentes por peixes peçonhentos e horário de início da soroterapia, a fim de facilitar a rotina dos profissionais de saúde.
Em relação às boas práticas no enfrentamento do escorpionismo, ganhou destaque a parceria firmada entre a área da saúde e a rede pública de ensino do estado de São Paulo, que levou a salas de aula atividades sobre o assunto, impactando milhares de estudantes.
Participantes da última mesa do evento discutiram estratégias de combate ao escorpianismo (Foto: José Felipe Batista)
“As pessoas têm contato com o escorpião, mas não têm noção da gravidade e nem de como proceder diante de um acidente. Por isso, informação é fundamental”, ressaltou a coordenadora da Divisão de Zoonoses do Centro de Vigilância Epidemiológica Professor Alexandre Vranjac, Gisele Dias de Freitas.
Um caso de sucesso apresentado foi o do município de Santa Bárbara d’Oeste, que usou sensoriamento remoto e outras tecnologias de ponta para mapear áreas de risco. O método desenvolvido resultou em modelos preditivos capazes de indicar regiões mais suscetíveis a acidentes por escorpião, contribuindo para estratégias de prevenção.
No encerramento, a assistente técnica de apoio à pesquisa do Núcleo de Produção de Soros do Butantan Denise Maria Candido destacou a necessidade de elaboração de mapas nacionais de risco, e alertou para a presença de espécies de escorpião ainda pouco estudadas, mas com potencial para se tornar de interesse médico. “O escorpionismo é um problema urbano e precisamos estar preparados para um número cada vez maior de casos. Estamos fazendo o nosso melhor e vamos continuar fazendo”, concluiu.