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Dia Nacional da Imunização: entenda por que a vacinação beneficia até quem não se vacina

Além de prevenir infecções, vacinação em massa pode levar à erradicação de doenças; nos últimos 50 anos, mais de 150 milhões de vidas foram salvas pela imunização


Publicado em: 07/06/2024

São dois os principais motivos para manter a carteira de vacinação em dia: proteger a nós mesmos e àqueles que nos rodeiam. Além de permitir que uma pessoa se torne mais resistente a diversas doenças, “ensinando” o corpo a se defender de infecções e evitando quadros mais graves, a imunização é essencial para diminuir a circulação geral de vírus e bactérias causadores de enfermidades.

Conhecido popularmente como “imunidade coletiva”, esse efeito beneficia a comunidade como um todo e está intimamente relacionado às altas coberturas vacinais – o que pode levar até à erradicação de doenças, como já aconteceu com a varíola em escala global.

Celebrado em 9 de junho, o Dia Nacional da Imunização tem justamente o intuito de mostrar a importância das vacinas para além do individual, reforçando seu impacto na população geral. A seguir, entenda por que a vacinação é um ato de benefício coletivo, para o qual todos deveriam dizer sim:

 

População comparece em peso para participar da campanha de vacinação contra a meningite na década de 1970, em Osasco (SP)

 

Escudo invisível

Quando uma pessoa recebe uma dose de vacina, a substância interage com o sistema imunológico, que é induzido a produzir uma resposta de defesa similar àquela gerada pela infecção natural, mas sem causar a doença em si. Diante de uma população amplamente vacinada, é como se o vírus ou bactéria não encontrasse nenhuma “porta aberta” para “entrar” no organismo e seguir se replicando – diminuindo assim seu poder de transmissibilidade e, consequentemente, de infectividade.

É por isso que a “defesa invisível” que cada indivíduo imunizado carrega ajuda a proteger outras pessoas de seu convívio que, porventura, não possam ser vacinadas – caso das grávidas; dos portadores de alergia e de outras comorbidades, como doenças neurológicas; e até dos recém-nascidos, a depender do tipo da vacina.

Para se ter uma ideia do tamanho desse impacto, um estudo recente encabeçado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e publicado na revista científica The Lancet mostrou que a vacinação contra 14 doenças – difteria, hepatite B, sarampo, coqueluche, poliomielite e febre amarela – salvou 154 milhões de vidas e reduziu em 40% o número de mortes infantis em todo o mundo nos últimos 50 anos. 

 

Criança recebe a famosa "gotinha" da vacina contra a pólio em Salvador (BA)

 

Dia D de Vacinação

Atualmente, o Programa Nacional de Imunizações (PNI) disponibiliza gratuitamente mais de 30 vacinas à população brasileira. No geral, a aplicação desses imunizantes divide-se em duas estratégias: os de rotina, que são recomendados de acordo com a idade e têm como objetivo proteger contra as doenças imunopreveníveis que mais afetam uma certa faixa etária; e os de campanha, caracterizados por um esforço específico de vacinação para reduzir ou até mesmo controlar ou eliminar uma doença.

 

PNI 50 anos: entenda por que o programa brasileiro de vacinação é referência internacional em saúde pública

 

Um exemplo de força-tarefa são os chamados Dias D de Vacinação, que marcaram principalmente a década de 1990. Organizadas pelo Ministério da Saúde, essas ações tinham como objetivo justamente alcançar o máximo de cidadãos em um curto intervalo de tempo, ampliando e reforçando o “escudo invisível” que protege todas as pessoas. 

A próxima mobilização nacional vai acontecer no dia 8 de junho e tem como foco imunizar a população contra a poliomielite. A meta da pasta é atingir 95% do público-alvo, que abrange cerca de 13 milhões de crianças de até cinco anos, reduzindo o risco de reintrodução do poliovírus no Brasil – por mais que a doença tenha sido erradicada no final da década de 1980, o país segue na lista de nações em risco da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). 

 

Vacina contra poliomielite: quem deve tomar e a importância do controle da doença que causa paralisia infantil

 

O Dia D de Vacinação é uma oportunidade para colocar a carteirinha em dia e receber outras possíveis vacinas que estejam em atraso. Segundo painel do Ministério, a cobertura de todos os imunizantes segue abaixo do ideal em 2024. Os índices mais altos são os da 1ª dose da tríplice viral, com 89,36%; da DTP, com 85,33%; e da pólio, com 85,32%. Já as taxas mais preocupantes são as da 2ª dose da tríplice viral, com 67,97%; e da varicela, com 72,4%. A própria OPAS reforça que o sucesso de um programa de vacinação depende da cooperação de cada indivíduo para garantir o bem-estar de todos.

 

Garoto é imunizado durante Campanha de Erradicação da Varíola em São Paulo, realizada no final da década de 1960

 

A varíola e outros casos de sucesso

Exemplo de êxito no quesito imunização, a varíola se tornou a primeira doença a ser erradicada do planeta. O esforço global liderado pela OMS, iniciado no final dos anos 1960, se estendeu por mais de uma década e contou com o empenho de milhares de profissionais de saúde, que foram responsáveis por administrar mais de meio bilhão de vacinas no período

Causada pelo Poxvirus variolae, a varíola provoca um quadro infeccioso bastante severo, que se caracteriza pela formação de erupções na pele. Apesar da origem incerta, acredita-se que a enfermidade tenha surgido no século 10, na África, e se espalhado por todo o globo na época das grandes navegações. 

A doença, que matou mais de 300 milhões de pessoas nos últimos 80 anos em que esteve ativa, está intimamente relacionada ao desenvolvimento das vacinas como as conhecemos hoje, graças aos experimentos do médico inglês Edward Jenner nos anos 1790 – considerado um dos pioneiros nas pesquisas sobre os efeitos da imunização e pai da vacina contra a varíola.

 

Idosa recebe dose de CoronaVac durante campanha de vacinação contra a Covid-19 no Rio de Janeiro, em 2021

 

Desde então, a imunização em massa tem sido usada para responder a surtos, epidemias e pandemias, sendo essencial para o controle de diversas questões de saúde, como as elencadas a seguir:

 

1. Poliomielite

O poliovírus foi descoberto no início do século 20. Os primeiros esforços para a criação de um imunizante capaz de controlar a doença surgiram já na década de 1940, nos Estados Unidos. Cerca de 15 anos depois, um dos maiores ensaios clínicos para vacinas da história foi realizado. Conduzido pelo virologista norte-americano John Salk, o estudo reuniu quase 2 milhões de participantes e mostrou que o imunizante capaz de combater a pólio era seguro e eficaz. 

Com a vacinação em massa, os casos de poliomielite diminuíram mais de 99% nos últimos anos. No Brasil, a doença foi registrada pela última vez em 1989, e em 1994 o país recebeu o certificado de eliminação da pólio. Extinto em toda a América, o vírus persiste no Paquistão, na Nigéria e no Afeganistão. Por isso, a OPAS reforça a ideia de que enquanto houver uma criança infectada, as de todos os países correm o risco de contrair a doença. Uma vez que existe o risco de uma nação ou continente importar a doença, a vacinação continua sendo essencial.

 

2. Sarampo

O sarampo é uma doença grave, altamente contagiosa, causada por um vírus da família paramyxorividae. Antes das campanhas de vacinação em massa, que se espalharam no início da década de 1960, mais de 2,5 milhões de mortes ao ano eram registradas por conta da doença. 

De acordo com o estudo da OMS publicado na The Lancet, a imunização contra o sarampo foi a que teve o impacto mais significativo desde 1974: das 154 milhões de vidas que foram salvas, 94 milhões resultaram da proteção oferecida pela vacina. Ainda assim, a doença continua a ser uma das principais causas de morte entre crianças pequenas em todo o mundo. 

 

3. Febre amarela

A febre amarela é um arbovírus transmitido por mosquitos pertencentes às espécies Aedes e Haemagogus – ambos vivem em diferentes habitats: alguns em regiões domésticas, outros em áreas de floresta (selvagens/silvestres) e alguns nos dois locais (espécies semidomésticas). Grandes epidemias ocorrem quando pessoas infectadas introduzem o vírus em áreas muito povoadas, com alta densidade de mosquitos e muitos cidadãos não vacinados. 

Atualmente, o Brasil é um dos países da América com condições de transmissão de febre amarela, segundo a OPAS. Por conta disso, a vacinação continua sendo fortemente encorajada, a fim de conter a propagação global da doença. 

Além da icterícia apresentada por alguns pacientes – daí o termo “amarela” –, febre, dor de cabeça, dores musculares, náusea, vômitos e fadiga são sintomas característicos da doença. Casos mais graves podem evoluir para óbito em apenas dez dias.

 

4. Covid-19

No final de 2019, um vírus até então desconhecido, o SARS-CoV-2, despertou preocupação em todo o planeta. Pouco tempo depois, em março de 2020, a OMS declarou que o mundo estava em pandemia por conta da Covid-19 – doença causada pelo patógeno e que deixava um rastro de doentes e óbitos por onde chegava. 

Mais uma vez a ciência se voltou a exemplos já conhecidos, como as providências adotadas no combate à varíola, a fim de conter o avanço da doença. Além do reforço da higiene e das medidas de restrição social, iniciou-se uma corrida contra o tempo para o desenvolvimento de uma vacina em tempo recorde. 

Em janeiro de 2021, pouco mais de um ano depois que os primeiros casos foram registrados na China, a enfermeira Mônica Calazans foi a primeira brasileira a receber a CoronaVac: vacina capaz de combater o SARS-CoV-2, fornecida pelo Instituto Butantan em parceria com a farmacêutica chinesa Sinovac. 

Até 2023, o Butantan entregou 125 milhões de doses do imunizante ao Governo Federal, contribuindo para o controle da pandemia na América Latina e salvando milhares de vidas no país. Um estudo coordenado pela Imperial College London, na Inglaterra, e publicado na revista The Lancet Infectious Diseases em junho de 2023, apontou que as vacinas contra a Covid-19 evitaram quase 20 milhões de mortes em todo o mundo – isso considerando apenas o primeiro ano de imunização contra a doença.

 

Referências:

FIO CRUZ. Os últimos dias da varíola

MINISTÉRIO DA SAÚDE. Há 34 anos, último caso de poliomielite foi registrado no Brasil

MINISTÉRIO DA SAÚDE. Ministério da Saúde lança Campanha Nacional de Vacinação contra Poliomielite

ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE. Erradicação da varíola: um legado de esperança para COVID-19 e outras doenças

ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE. Febre amarela

ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE. Imunização

ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE. Poliomielite

ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE. Sarampo

THE LANCET INFECTIOUS DISEASE. Global impact of the first year of COVID-19 vaccination: a mathematical modelling study

UNICEF. Esforços globais de imunização salvaram pelo menos 154 milhões de vidas nos últimos 50 anos

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA. E se as vacinas nunca tivessem sido criadas?

WORLD HEALTH ORGANIZATION. Vaccines and immunization

 

Reportagem: Natasha Pinelli

Fotos: Acervo do Museu de Saúde Pública Emílio Ribas (fotos 1 e 3); e Shutterstock (fotos 2 e 4)