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Estudo da vacina da dengue do Butantan exigiu empenho nacional de 16 centros de pesquisa

Imunizante mostrou eficácia de 79,6% na primeira etapa da fase 3; pesquisadores envolvidos falam sobre a conquista para a ciência brasileira


Publicado em: 16/12/2022

O ensaio clínico da vacina da dengue do Instituto Butantan, que acaba de ter os primeiros resultados da fase 3 divulgados, é um dos maiores estudos clínicos conduzidos inteiramente no Brasil, envolvendo 16 mil voluntários em 16 centros de pesquisa espalhados por 14 estados ao longo de seis anos. O imunizante mostrou uma eficácia de 79,6% e é fruto de um trabalho que ocorre desde 2009, quando o Butantan licenciou a tecnologia do Instituto Nacional de Saúde Americano (NIH). Para os investigadores principais do estudo, o esforço dos pesquisadores envolvidos é um reflexo da excelência da ciência no Brasil.

“Este estudo é uma prova da capacidade da ciência brasileira na tentativa de encontrar soluções para problemas de saúde pública que acometem o país, e a dengue é um grande exemplo. É uma pesquisa feita inteiramente por instituições públicas de pesquisa”, afirma o médico infectologista Esper Kallás, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).

O centro de pesquisa da USP, coordenado por Esper, participou da confecção do protocolo do estudo de fase 3 e da instituição dos procedimentos operacionais, recrutando cerca de 500 voluntários. A FMUSP também foi responsável por conduzir anteriormente o estudo de fase 2, entre 2013 e 2015, com 300 participantes.


O médico virologista Maurício Lacerda Nogueira, coordenador do centro de pesquisa da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, que recrutou 1.100 voluntários, destaca que este é o estudo clínico mais longo e complexo já feito no Brasil, e que trará inúmeros benefícios. “Nós estamos desenvolvendo uma vacina eficiente, que dará o benefício individual, das pessoas não ficarem doentes, e coletivo, por reduzir os gastos e a pressão no Sistema Único de Saúde causados pela doença.”

Além de possibilitar o desenvolvimento do imunizante contra a dengue, a estruturação de uma rede nacional de pesquisa de vacinas também trouxe consequências além da própria pesquisa – impactando no combate à Covid-19 no Brasil. “Esses centros foram fundamentais para realizar o ensaio clínico da CoronaVac em um curto período de tempo, porque as equipes já estavam treinadas”, relembra Maurício.

Em relação a quando a vacina da dengue estará disponível para a população, o pesquisador aponta que ainda é necessário aguardar os resultados finais da fase 3 – que serão obtidos após cada participante completar cinco anos de acompanhamento, em 2024 – e a posterior avaliação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Mas a expectativa é boa. 

“Ainda temos um longo caminho pela frente, mas os dados que temos hoje são motivo de orgulho para as equipes. Temos uma enorme gratidão pelos quase 17 mil voluntários que acreditaram na vacina e são fundamentais para o estudo. Sem eles, nada teria acontecido”, resume o pesquisador.


Para o médico pediatra Ricardo Queiroz Gurgel, coordenador do centro de pesquisa da Universidade Federal de Sergipe, em Laranjeiras, a dose única da vacina é mais uma vantagem, já que os outros imunizantes contra a dengue disponíveis no mercado necessitam de duas ou três doses. Além disso, a alta adesão da população do município ao estudo fez com que o número de voluntários superasse as suas expectativas, atingindo 1.420 pessoas.

“Nós estruturamos o nosso centro de pesquisa em Laranjeiras graças à existência do estudo da vacina da dengue, e hoje já temos outros cinco estudos em andamento; é uma grande conquista para nós. São projetos como esse que vão trazer de volta a adesão dos brasileiros às vacinas e ajudar a desenvolver a ciência e tecnologia no país. Fico muito satisfeito de estar participando dessa história.”


Os resultados

O estudo de fase 3 da vacina da dengue envolve 16.235 voluntários de 2 a 59 anos. O imunizante foi administrado em 10.259 pessoas, em dose única, e o restante recebeu placebo. A incidência de casos de dengue sintomáticos foi investigada depois de 28 dias da vacinação até dois anos de acompanhamento de cada participante, resultando em uma eficácia de 79,6% para evitar a doença.

A eficácia do imunizante também foi avaliada, separadamente, de acordo com a exposição prévia ao vírus da dengue. Em pessoas que contraíram a doença antes do estudo, a proteção foi de 89,2%. Já naqueles que nunca tiveram contato com o vírus, a eficácia foi de 73,5%.

O perfil de segurança da vacina foi semelhante tanto para quem teve a doença como para aqueles que nunca tiveram contato com o vírus. Das mais de 10 mil pessoas que receberam o imunizante, apenas três (menos de 0,1%) apresentaram eventos adversos graves, e todos se recuperaram totalmente.


Centros envolvidos

Participaram do estudo da dengue os centros de pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (SP); da Universidade Federal de Minas Gerais (MG); da Universidade Federal de Sergipe (SE); Universidade Federal de Pernambuco (PE); Universidade Federal do Ceará (CE); Universidade Federal da Bahia (BA); Universidade do Estado do Amazonas (AM); Universidade Federal de Roraima (RR); Universidade de Brasília (DF); Universidade Federal de Rondônia (RO); Universidade Federal do Mato Grosso (MT); Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (MS); Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (RS); e Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas da Fundação Oswaldo Cruz (RJ).