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Butantan e Universidade Estadual do Amazonas criam parceria para ampliar o acesso ao tratamento contra picada de cobra em áreas remotas da Amazônia

Butantan envia 800 frascos de soro antiofídico que serão usados em distritos indígenas e comunidades ribeirinhas


Publicado em: 11/02/2022

Uma parceria entre o Butantan e a Fundação de Medicina Tropical Doutor Heitor Vieira Dourado da Universidade do Estado do Amazonas (FMT/UEA) visa aumentar o acesso de indígenas, ribeirinhos, agricultores e outros moradores de áreas remotas da Amazônia ao tratamento contra picadas de cobra. Este tipo de acidente é cinco vezes mais frequente na região do que no resto do país, porém os hospitais habilitados para aplicação do soro antiofídico ficam geralmente em áreas urbanas, a quilômetros de distância da zona rural e de floresta. 

Não à toa, a Amazônia concentra grande parte dos casos de acidentes ofídicos do país. Em 2016, das 26.244 notificações do tipo, mais de 8,6 mil foram em estados do norte, segundo dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde.

A dificuldade no acesso ao antiveneno pode levar à morte ou a sérias complicações, como a perda do membro ferido, explica a médica infectologista Fan Hui Wen, gestora de produção de soros do Instituto Butantan, e que participa do projeto. “O ideal é que haja o tratamento com o soro antiofídico o mais rápido possível após a picada, caso contrário o paciente pode chegar já em estado grave. Em acidentes com jararaca, eles vão correr o risco de ter uma necrose no local da picada e chance de amputação”, diz.

Para facilitar o acesso ao tratamento e evitar desfechos trágicos, os pesquisadores da FMT fecharam uma parceria com o Butantan, que doou 800 frascos de soro antiveneno de serpente para serem usados em unidades de baixa complexidade nos municípios de Careiro da Várzea-AM e Ipixuna-AM, ambos com pouco mais de 30 mil habitantes. Ipixuna, por exemplo, fica a mais de 1.300 km de Manaus, segundo o Instituto Brasileira de Geografia e Estatística (IBGE). 

Dos frascos doados, 700 são de soro antibotrópico (pentavalente) e 100 antibotrópico (pentavalente) e antilaquético, indicados contra picadas das serpentes peçonhentas que mais protagonizam acidentes do tipo na região amazônica, explica Fan.

O Butantan é o maior produtor de soros antiofídicos do Brasil e entrega 275 mil frascos-ampola desses dois tipos de antiveneno ao Ministério da Saúde anualmente para distribuição aos estados e municípios. Como o objetivo do instituto é que os soros cheguem para todos que precisam, a motivação da parceria com a FMT foi imediata, diz o gerente de inovação do Butantan, Cristiano Gonçalves.

“Está dentro do propósito do Butantan oferecer o soro para quem precisa. Se se trata de uma área onde ocorrem muitos acidentes ofídicos, é logico que o Butantan quer oferecer uma assistência maior e fazer com que o produto que é fabricado aqui e destinado para esse acidente seja de fato entregue para o paciente”, diz. 

 

Descentralização do uso dos soros

O objetivo do projeto é descentralizar a administração dos soros antiofídicos no estado do Amazonas, hoje feita apenas por médicos em hospitais de médio e grande porte, da mesma forma que acontece no resto do país. Para isso, pesquisadores da FMT, em conjunto com técnicos do Ministério da Saúde, já começaram a capacitar profissionais de unidades básicas de saúde de distritos indígenas e povoados ribeirinhos e extrativistas para identificar sintomas típicos de acordo com a serpente peçonhenta e administrar o soro conforme a ocorrência. 

Com a doação do Butantan, essas unidades poderão ter estoque justamente para que os habitantes dos municípios não tenham que se deslocar em busca de tratamento, um problema real no estado, explica Wuelton Monteiro, diretor de Ensino e Pesquisa da FMT, e coordenador do projeto.

“Na Amazônia, diferente do resto do país, o acesso ao tratamento com soro antiofídico é muito mais difícil. Esses acidentes acometem mais as populações vulneráveis que vivem a centenas de quilômetros do centro urbano mais próximo. Essas populações não procuram o hospital pela distância e por fatores culturais ou, quando procuram, já é tarde.”

O projeto-piloto visa colher os dados resultantes da iniciativa e até expandir para outras localidades, mas antes deve lidar com o desafio de conseguir usar e armazenar os soros de forma otimizada. “Hoje esse produto é ouro, já que só o Butantan está produzindo no Brasil. Então queremos usá-lo da forma mais otimizada possível”, diz Wuelton.

“Se a gente conseguir provar que a descentralização funciona no norte, mesmo com as dificuldades de transporte por questões geográficas da região, podemos mostrar que a administração do soro em centros de baixa complexidade pode ser viável em outras regiões remotas do país e com condições semelhantes”, afirma Cristiano. 

 

Sintomas e administração do soro

Os acidentes ofídicos costumam ocorrer mais em áreas rurais ou de mata. No Brasil, 80% dos casos ocorrem por picada de jararaca e menos de 10% por cascavel. Porém, outro tipo de serpente peçonhenta comum na região amazônica é a surucucu pico-de-jaca, que se encontra mais em área de mata fechada, explica Fan.

Geralmente, se sabe quem foi a autora da picada de acordo com os sintomas que a vítima apresenta. Picadas de jararaca causam inchaço, hematoma e pode causar necrose no local da picada. Já o acidente com cascavel pode causar paralisia no músculo e urina escura. Os sintomas físicos da picada da surucucu pico-de-jaca se assemelham aos da picada de jararaca.

E são por estes sintomas que os profissionais de saúde saberão qual soro antiofídico é o mais indicado. A administração dos soros é por via intravenosa (direto na veia) e não deve ser feita fora do ambiente hospitalar, pois pode provocar reações alérgicas graves com necessidade de tratamento imediato.