Reportagem: Natasha Pinelli
Fotos: Proyeto Agua/Flickr e Karen J. Osborn/Animalia
Todo ser vivo nasce, cresce, se reproduz e morre. Esse é o curso natural, e esperado, da vida – exceto para alguns pouquíssimos animais que têm a incrível capacidade de driblar o envelhecimento e, consequentemente, a própria morte. Entre as detentoras da receita da imortalidade, duas espécies têm despertado a atenção dos cientistas: a Hydra vulgaris, um pequeno invertebrado que vive em águas doces e limpas, e a Turritopsis dohrnii, uma espécie de água-viva originária da região do Meditarrâneo.
A diferença desses animais para o restante dos mortais está no fato de eles conseguirem evitar a senescência: processo biológico que ocorre nas células, caracterizado pela perda gradual da habilidade de se dividir e se renovar. “Em resumo, significa que se esses bichos não forem predados e nem passarem por nenhum tipo de catástrofe ambiental, eles podem, sim, viver por um período infindável, caracterizando o que a ciência chama de imortalidade biológica”, explica a pesquisadora científica do Laboratório de Toxinologia Aplicada do Instituto Butantan (LETA) Mônica Lopes-Ferreira.
O envelhecimento celular, um processo intrínseco à vida humana, foi elucidado pelo médico norte-americano Leonard Hayflick (1928-2024) na década de 1960. Suas pesquisas demonstraram que as células humanas possuem um “relógio biológico” que limita o número de vezes que elas podem se dividir – algo entre 40 e 60 vezes. Ao atingir esse limite, as células entram em um estado de senescência, desencadeando uma cascata de eventos que culminam no envelhecimento do organismo e no desenvolvimento de doenças relacionadas à idade.
Escapar da morte, o destino inevitável de todos os seres vivos, só seria então possível caso houvesse uma tecnologia de reparo interno capaz de restaurar as células do organismo ao seu estado mais jovem – algo que ainda não foi realizado em laboratório, mas que já foi registrado na natureza. Conhecida na comunidade científica como “mestre da imortalidade”, a Hydra vulgaris, um invertebrado milimétrico do grupo dos cnidários, faz exatamente isso ao renovar todas as suas células a cada 20 dias – inclusive as células-tronco, que têm como principal função regenerar e substituir células lesionadas ou perdidas.
Diferentemente da maioria dos seres vivos, a hidra possui células-tronco espalhadas por todo o organismo; e, devido ao ciclo constante de renovação celular, tais estruturas estão sempre em estágio inicial de desenvolvimento, fase em que podem se transformar em qualquer outro tipo de célula. Para efeito de comparação, os humanos possuem células-tronco apenas em determinadas partes do corpo (como no sangue do cordão umbilical ao nascer, na medula óssea, no cérebro e na pele), e, à medida que “envelhecem”, elas perdem sua adaptabilidade e só conseguem se transformar em células específicas.
Além de impedir o acúmulo de danos associados ao envelhecimento, a H. vulgaris pode sobreviver à desmembração, regenerando as partes perdidas ou lesionadas do corpo. Não à toa seu nome tem inspiração na Hidra de Lerna: na mitologia grega, o personagem era uma serpente aquática gigantesca com múltiplas cabeças que, quando cortadas, nasciam novamente. “É fascinante porque, à primeira vista, estamos falando de um animal totalmente subestimado, mas que pode esconder uma riqueza enorme”, observa Mônica Lopes-Ferreira.
Outro organismo incrível que desafia a compreensão dos limites da vida é a Turritopsis dohrnii, uma espécie de água viva conhecida como “viajante do tempo”. No melhor estilo Benjamin Button – personagem do cinema conhecido por “envelhecer ao contrário”, nascendo velho e morrendo bebê –, essa espécie tem um ciclo de vida único: ao invés de seguir o caminho tradicional de envelhecimento e morte, ela consegue retroceder ao seu estágio primário (pólipo) como resposta a condições ambientais adversas ou em caso de lesões. “É como se um sapo voltasse à fase de girino ou uma borboleta à de lagarta”, compara a pesquisadora científica do Butantan. O pólipo dará origem a novos indivíduos geneticamente idênticos, recomeçando assim o ciclo de vida, em um processo que pode se repetir indefinidamente.
A capacidade de rejuvenescimento dessa água-viva ainda é um mistério para os cientistas, mas algumas hipóteses tentam explicar o fenômeno. Assim como no caso da hidra, uma das principais abordagens relaciona as características únicas da T. dohrnii à grande quantidade de células-tronco espalhadas pelo seu organismo, o que favorece a regeneração. “Também já foi constatado que a espécie possui genes duplicados, contribuindo para o desenvolvimento de um ‘mecanismo de reparo’ do DNA único, muito mais eficiente e que pode estar ligado à questão da longevidade”, afirma a especialista do LETA.
As pistas da imortalidade animal também estão presentes em outras espécies. Com mais de sete metros de comprimento, o tubarão-da-groenlândia (Somniosus microcephalus) é o vertebrado de maior longevidade do mundo. Vivendo nas águas profundas da região do Ártico, onde as condições de adaptação são pouco favoráveis, a espécie possui uma expectativa de vida de cerca de 400 anos – há relatos de indivíduos que superaram a marca de 500. De acordo com Mônica Lopes-Ferreira, o segredo do animal está no metabolismo extremamente lento. Para se ter uma ideia, são necessários 150 anos para que ele atinja a maturidade sexual.
Já na escala milimétrica, a planária – pequeno verme de forma achatada – é um dos organismos mais conhecidos quando o assunto é regeneração: se cortada em diversos pedaços, cada um deles dará origem a um novo espécime. Mais uma vez, a capacidade de renovação de células-tronco do bicho desempenha papel fundamental para sua “imortalidade”.
A busca pela longevidade é uma constante na história da humanidade. A esperança de um dia superar os limites da vida humana reside no desenvolvimento de tecnologias capazes de reparar os danos celulares causados pelo envelhecimento, e a expectativa é que os exemplos encontrados na natureza contribuam para o surgimento de novas rotas e possibilidades na ciência.
“Acredito que as particularidades dessas espécies possam culminar no desenvolvimento de novos fármacos, por exemplo, mas ainda é algo que vai levar bastante tempo”, diz a pesquisadora Mônica Lopes-Ferreira. Segundo ela, um dos passos principais será o mapeamento genético completo das espécies, elucidando assim pontos de convergência entre os “imortais” e os seres humanos.
Além do desenvolvimento de terapias relacionadas ao processo de envelhecimento e o tratamento de lesões, tanto o estudo da Hydra vulgaris como da Turritopsis dohrnii apresentam grande potencial para contribuir com novas abordagens para o tratamento de doenças degenerativas, como o Alzheimer e o Parkinson, e também em relação ao uso de células-tronco contra o desenvolvimento e no combate ao câncer.
Referências:
UNIVERSIDADE DE FORTALEZA. O que são células-tronco e qual sua importância para a ciência?
UNIVERSITY OF CALIFORNIA. Hydra and the Quest to Understand Immortality