Reportagem: Guilherme Castro
Fotos: Renato Rodrigues
Entre os dias 4 e 6/12, o Instituto Butantan promoveu a sua 23ª Reunião Científica Anual (RCA) dividida em três pilares: pesquisa, divulgação científica e produtos biotecnológicos. Foram inscritos 650 projetos de pesquisa para concorrer a prêmios e apresentados 380 pôsteres de resumos científicos. O evento também contou com palestras, convidados internacionais e mesas redondas, e foi concluído com a premiação das iniciativas mais relevantes.
"É fundamental debatermos como podemos contribuir para facilitar a divulgação científica, o esclarecimento e a formação da nossa população. Tivemos muitos trabalhos de altíssima qualidade e um grande envolvimento dos alunos e cientistas este ano”, disse a presidente da comissão organizadora da RCA e pesquisadora científica do Laboratório de Desenvolvimento de Vacinas, Giovana Barazzone.
Com o tema “Ciência, Produção e Difusão no Butantan: Investindo na Formação de Redes Integradas”, a conferência abordou os desafios de criar e manter redes capazes de resolver questões complexas de ciência e saúde, como a emergência de novas pandemias e a integração entre o trabalho científico e a sociedade.
Prevenção e redes de tecnologia
No dia 4/12, foram realizadas cinco palestras e uma mesa redonda. O destaque foi a abertura feita pelo diretor do Instituto Butantan, Esper Kallás, que falou do desenvolvimento da instituição ao longo dos séculos XX e XXI, e as perspectivas futuras, incluindo a realização do primeiro concurso público para pesquisador científico em 15 anos. “Queremos investir no Butantan e torná-lo cada vez mais reconhecido, sobretudo internacionalmente, pelas conquistas feitas aqui dentro”, reforçou o diretor.
Ao longo do dia, um tema recorrente nas apresentações foi antecipação. A diretora médica do Butantan, Fernanda Boulos, falou sobre a preparação para pandemias, com enfoque na gripe aviária e a vacina em desenvolvimento área de Ensaios Clínicos. Outra discussão foi sobre a vigilância de bactérias multirresistentes e o estudo de anticorpos monoclonais contra flavivírus, HIV e SARS-CoV-2, apresentada pelo diretor do Centro de Pesquisa de Doenças Infecciosas do Instituto de Pesquisa do Exército Walter Reed, dos Estados Unidos, Nelson Michael.
Para prevenir ou mitigar os problemas de saúde globais, o desenvolvimento contínuo de novas tecnologias e equipamentos avançados é primordial. O assunto foi abordado pelo diretor do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron, Harry Westfahl, que apresentou a fase 1 da nova fonte de luz síncrotron brasileira, Sirius. O acelerador de partículas, localizado em Campinas (SP), é um dos únicos síncrotrons de 4ª geração do mundo em funcionamento, ao lado de instalações na Suécia e na França. Outros estão sendo construídos na China, Canadá e Suíça.
Peça fundamental no desenvolvimento e na inovação é o investimento em pesquisas científicas, tema da última palestra do dia. O médico e doutor em Clínica Médica Leandro Machado Colli falou em nome do assessor da Diretoria Científica da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), Niels Olsen, sobre o papel da agência de fomento na produção científica brasileira e as oportunidades de financiamento.
Encerrando o primeiro dia da RCA, a mesa redonda “Redes de Pesquisa - Desafios” discutiu o papel das ações em rede no trabalho científico nacional e internacional, além dos obstáculos para a implementação desse modelo. Os cientistas do Butantan Sandra Cocuzzo, Ana Maria Moura, Ana Marisa Chudzinski-Tavassi e Felipe Grazziotin apresentaram, respectivamente, os trabalhos do Centro para Vigilância Viral e Avaliação Sorológica (CeVIVAS), Amazônia +10, Centro de Excelência para Descoberta de Novos Alvos Moleculares (CENTD) e o Projeto ReCoBra.
Ciência acessível e os novos talentos da pesquisa
Na quinta-feira (5/12), o palco foi dos estudantes do Instituto Butantan, que apresentaram seus projetos de pesquisa para concorrer ao Prêmio Jovem Cientista. Foram cinco modalidades: Iniciação Científica e Tecnológica (PIBIC/PIBITI), Especialização, Mestrado, Doutorado e Pós-Doutorado. Cada categoria incluiu três finalistas, que foram avaliados por uma banca julgadora.
O dia também contou com três palestras e uma mesa redonda, com enfoque na importância da divulgação científica. A analista de Serviços de Informação do Butantan Patrícia Lúcio Alves apresentou os avanços do repositório digital Sapientia em 2024, destacando a colaboração entre pesquisadores e o aumento de acessos, publicações e colaborações internacionais. Já o diretor de Comunicação, Victor Ramos, explicou as estratégias da área para aproximar o público geral do trabalho científico desenvolvido no Butantan, além de mostrar as bases do fazer jornalístico e modos de unir ferramentas tradicionais de divulgação às novas tecnologias.
O debate seguiu com Soraya Smaili, coordenadora do Centro de Estudos Sociedade Universidade e Ciência (SoU Ciência) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que abordou as novas técnicas desenvolvidas pelo grupo após a pandemia de Covid-19, em resposta ao aumento de notícias falsas sobre saúde pública. A palestrante apresentou estratégias para combater a desinformação tanto a nível pessoal quanto institucional.
A mesa redonda que finalizou o dia, “Modelos e Políticas de Publicação Científica”, trouxe o diretor do Programa SciELO, Abel Laerte, a editora-chefe do The Lancet Regional Health – Americas, Taissa Vila, e a bioquímica e pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP) Alicia Juliana Kowaltowski para falarem sobre a indústria de publicações científicas. Os convidados explicaram quais os modelos possíveis de disponibilização de pesquisas online e como tornar as produções científicas brasileiras mais acessíveis, nacional e internacionalmente.
Butantan no cenário global e o que aprendemos
Na sexta-feira (6/12), a RCA foi finalizada com a mesa redonda "Política Institucional de Inovação do Instituto Butantan e da Fundação Butantan", com a participação do diretor jurídico, Flávio Borgheresi, do diretor Alianças Científicas e Relações Institucionais, Lucio Gama, e do diretor de Inovação, Cristiano Gonçalves. As discussões abordaram a falta de inovação no Brasil, o baixo investimento em produção científica básica, a burocratização e a importância de parcerias entre os setores público e privado. Também foi debatido o arcabouço jurídico e estratégico que tem acelerado o desenvolvimento inovativo do Butantan.
Em seguida, a pesquisadora do Laboratório de Desenvolvimento de Vacinas do Butantan Luciana Leite apresentou os resultados dos estudos com BCG recombinante (Onco rBCG) para tratamento de câncer de bexiga, incluindo os planos para futuros estudos clínicos. O Butantan já detém duas patentes sobre a terapia, nove artigos publicados e projetos aprovados pela FAPESP, CNPq e BNDES.
A última mesa redonda discutiu as lições aprendidas com a Covid-19, com a participação do diretor Esper Kallás e dos convidados norte-americanos Alan Landay, vice-presidente do time de Ciência da Faculdade de Medicina da Universidade do Texas; Thomas Evans, da Universidade de Rochester; e Thomas Denny, diretor de operações do Instituto de Vacinas Humanas da Universidade Duke.
Os especialistas reforçaram a necessidade de criar mecanismos de preparação às novas pandemias e fortalecer instituições científicas para nortear a sociedade em tempos de crise. “Às vezes, o Brasil fica à deriva esperando por informações do resto do mundo. A ideia é criar uma infraestrutura no Butantan capaz de nos precaver de situações que não conseguimos prever e que podem escalar rapidamente”, explicou Esper.
A programação de encerramento da RCA também contou com uma homenagem especial ao diretor do Laboratório de Biologia Estrutural do Butantan, Carlos Jared. Completando 52 anos de Butantan, de estagiário a diretor, o pesquisador foi surpreendido por uma apresentação da vice-diretora do laboratório e também sua esposa, Marta Maria Antoniazzi, que narrou sua trajetória científica.
Confira os trabalhos vencedores dos prêmios:
Categoria PIBIC/PIBITI
1° lugar — Julia Mayumi de Gois Sugimoto
Desenvolvido no Laboratório de Coleções Zoológicas, o trabalho busca esmiuçar a evolução e sistemática da espécie de serpente papa-lesmas (Dipsas albifrons), por meio da análise de material recolhido de áreas do sudeste, nordeste e regiões insulares, como a Ilha da Queimada Grande e a Ilha de Alcatrazes.
Categoria Especialização
1° lugar — Lara Barbara Alves
O estudo, que foi concebido no Laboratório de Herpetologia, analisa a incidência de pneumonia de origem bacteriana em viperídeos, com o intuito de melhorar o ambiente de conservação de serpentes in situ no biotério do Butantan.
Categoria Mestrado
1° lugar — Johanna Christine van Vliet
Com apoio do Laboratório de Desenvolvimento de Vacinas, o trabalho analisa a atividade da cepa recombinante rBCG-LTAK63 na terapia contra o câncer de bexiga.
Categoria Doutorado
1° lugar — Omar Machado Entiauspe Neto
Este trabalho analisa as implicações de redescobrir e refazer a caracterização de uma espécie que se pensava estar extinta, caso da serpente Apostolepis niceforoi. A pesquisa foi feita com o auxílio do Laboratório de Coleções Zoológicas.
Categoria Pós-Doutorado
1° lugar — Hellen Paula Valerio
O estudo, que foi desenvolvido no CENTD, trata da senescência induzida por IL-1β em condrócitos a partir da proteômica espacial. O trabalho analisa formas de evitar a metástase no câncer de mama triplo negativo TNBC.
Prêmio Cultural
Na edição deste ano, houve algumas mudanças na apresentação do Prêmio Cultural. As ações que antes estavam sob o guarda-chuva “Cultural” foram divididas em três categorias. Confira as vencedoras:
Categoria Ações educativas
1° lugar — Ana Julia Rodrigues Pradas (Meu Documento Divertido)
Categoria Ações de difusão
1° lugar — Aline Gabriela Araújo Tavares (Jovem Cientista)
Programas educativos e de ensino
1° lugar — Raissa Rocha Bombini (Projeto Educacional: Museu da Vacina e Fundação Casa/SP)
Prêmio de Inovação
Já na premiação do Centro de Desenvolvimento e Inovação, os candidatos puderam participar de uma capacitação e mentoria para aperfeiçoar a apresentação dos trabalhos. Foram três vencedoras:
1° lugar — Caroline Florêncio (Método diagnóstico rápido e inovador para diarreia aguda e persistente)
2° lugar — Gisele Picolo (Novo analgésico para tratamento de dor crônica)
3° lugar — Joyce Araújo de Oliveira (Antígenos e anticorpos recombinantes: abrindo caminho para novas soluções contra a dengue)
Prêmio do Centro de Desenvolvimento Científico
Para receber o prêmio do Centro de Desenvolvimento Científico, foi escolhido o autor do melhor artigo científico publicado por pesquisador do Instituto Butantan:
1° lugar — Pedro Mailho-Fontana (Provisão de leite em anfíbios cecilianos ovíparos)
Menção Honrosa — Alex Ranieri (Uma nova nomenclatura de linhagem para auxiliar na vigilância genômica do vírus da dengue)
O que vem por aí
A temática da 24ª RCA, que acontecerá em 2025, será baseada no mote “Instituto Butantan e o desafio de uma saúde global e única”. Para chefiar o comitê de organização do evento, foi escolhida a pesquisadora do Laboratório de Desenvolvimento de Vacinas Ana Carolina Moreno. O diretor do Centro de Ensino, Rui Curi, sintetizou a escolha do tema: “O desafio é maior por sabermos que o país conta com o Butantan. Mas continuaremos fazendo um trabalho científico de qualidade, que é um orgulho para todos nós, para o estado de São Paulo, para o Brasil e para o mundo”.