Reportagem: Camila Neumam
Ilustrações: Lorena Weinketz
“Sapo-cururu na beira do rio, quando o sapo canta, ó maninha, é porque tem frio. A mulher do sapo deve estar lá dentro, fazendo rendinha, ó maninha, para o casamento.” Será que essa cantiga de roda tão popular faz sentido do ponto de vista científico? Isto é, será que o sapo vive pertinho de um rio? Será que ele canta quando sente frio? E quem é a mulher do sapo?
Estas perguntas foram respondidas pelo pesquisador científico do Instituto Butantan Carlos Jared, especialista em biologia e história natural de anfíbios e répteis. Ele desvenda as principais estrofes da canção, destacando o que faz sentido de acordo com a ciência, sem invalidar o lado lúdico da música.
“O nome cururu é genérico, mas se refere aos sapos do gênero Rhinella, cujas espécies são mais robustas e com a pele rugosa, diferente das rãs, por exemplo, que são mais esguias e com pele mais lisa”, descreve.
1- Por que o sapo-cururu tem esse nome?
O nome “kururu” significa “sapo” em tupi, segundo o Dicionário de Tupi Antigo: a língua indígena clássica do Brasil, do lexicógrafo Eduardo de Almeida Navarro. No livro O Tupi na geografia nacional, do geógrafo Theodoro Sampaio (1855-1937), que também estudou a fundo a língua indígena, “cururu” significa sapo grande; roncador; o que ronca.
Aqui no Brasil, o sapo-cururu é conhecido também como sapo-jururu ou sapo-boi. Nativo das Américas do Sul e Central, o sapo pertence ao gênero Rhinella, com pelo menos 111 espécies na América do Sul. Destas mais de 30 são encontradas no Brasil, segundo a Sociedade Brasileira de Herpetologia.
No Nordeste brasileiro, por exemplo, o sapo-cururu de maior incidência é a Rhinella diptycha; no Sudeste e Centro-Oeste, é a Rhinella icterica ou margaritifera; no Amazonas há mais de cinco espécies de Rhinellas, como a Rhinella marina; no Sul há a Rhinella arenarum. Além destes sapos, também conhecidos como cururus por serem considerados grandes, há também Rhinellas de porte menor.
A Rhinella marina, que ocorre na Amazônia, por exemplo, é enorme e pode pesar 1kg. Ela pode chegar a esse peso no período de gestação, quando carrega um monte de ovos dentro de si. Detalhe: estes não são ovos com casca, mas ovinhos que crescem no ventre dentro de uma estrutura que parece uma fita. É diferente do que acontece com as pererecas, por exemplo, que põem ovos individualmente, um a um.
2- O sapo vive na beira do rio?
Não necessariamente. Os sapos começam suas vidas como animais aquáticos, quando os ovos das fêmeas eclodem dentro d’água e nascem os girinos. Mas assim que ganham patas, eles saem da lagoa para explorar os arredores, tornando-se animais terrestres. Os sapos somente retornam à beira dos rios na época do acasalamento: é na água que machos e fêmeas se encontram para se reproduzir. No geral, os sapos vivem sozinhos em áreas abertas e de grama baixa, onde preferem procurar comida à noite, geralmente insetos.
Eles são diferentes das rãs, que passam mais tempo dentro d’água por serem animais semiaquáticos, que vivem tanto na água quanto na terra. Por isso, os sapos tendem a ter uma pele com aspecto mais rugoso, enquanto as rãs possuem uma pele mais hidratada e, consequentemente, mais lisa e brilhante.
3- O sapo canta?
Canta muito! Os sapos machos cantam na beira de lagoas ou de rios para atrair as fêmeas. Esse canto, conhecido cientificamente como vocalização, é específico para cada espécie de sapo: ou seja, os machos cantam de um jeito único para que as fêmeas da espécie os reconheçam e se aproximem. São as fêmeas que escolhem os machos cujo canto lhes parece ‘mais atraente’. “Para ser notado facilmente e ter sucesso reprodutivo, é importante ter um canto potente e charmoso - ao menos pelo ponto de vista delas!”, esclarece Jared.
Tanto talento, porém, pode ter um ônus. Ao cantar, o sapo acaba se expondo mais a predadores, como morcegos, cachorros do mato, etc. Por isso, a pele dos machos geralmente, durante a época do acasalamento, pode mostrar cores vibrantes e mais chamativas do que as das fêmeas. Afinal, na natureza cores mais fortes tendem a ser interpretadas pelos predadores como perigo.
4- O sapo sente frio?
Os sapos sofrem com temperaturas baixas e podem nem sobreviver a invernos rigorosos. O motivo é porque são animais heterotérmicos, que mantêm o corpo com a mesma temperatura do ambiente. Essa é uma característica típica de anfíbios, répteis e peixes – por isso, eles são chamados de animais “de sangue frio”. Diferentemente dos humanos, aves e mamíferos, por exemplo, que mantêm a temperatura corporal por volta dos 36,5° C – e são considerados homeotermos ou de “sangue quente”.
Essa característica explica por que grande parte dos anfíbios e répteis vive em países próximos à linha do Equador, onde o clima é mais quente e úmido. Não há ocorrência destas espécies nos polos Ártico e Antártico, por exemplo.
5- Quem é a mulher do sapo?
É importante entender primeiramente que a rã não é a “mulher” do sapo, como já ouvimos tantas vezes. Há rãs machos e rãs fêmeas, assim como sapo macho e sapo fêmea. Os sapos machos e fêmeas tendem a ter uma aparência diferente, o que a ciência chama de dimorfismo sexual. São essas diferenças que podem nos ajudar a identificar um do outro. Além da cor da pele diferente, as fêmeas tendem a ser bem maiores do que os machos e não ter o saco vocal (que parece um queixo avantajado e ajuda no canto dos machos).
SAPO-CURURU
Sapo cururu
Na beira do rio
Quando o sapo canta, ô maninha
É porque tem frio
A mulher do sapo
Deve estar lá dentro
Fazendo rendinha, ô maninha
Para o casamento
Fontes:
Dicionário de Tupi Antigo: a língua indígena clássica do Brasil
O Tupi na geografia nacional
Sociedade Brasileira de Herpetologia