Até mesmo nas pequenas coisas do dia a dia, estes 16 alunos do Ensino Médio enxergam ciência: na simples preparação de um bolo caseiro, nas melodias de Mozart e Beethoven e até na receita daquele chazinho que vem passando de geração em geração. Não à toa, eles obtiveram as melhores notas da XX Olimpíada Brasileira de Biologia (OBB) e foram selecionados para participar de uma semana intensa de capacitação, que aconteceu no Butantan entre os dias 20 e 24 de maio.
Organizada pelo Instituto desde 2017, a OBB promove e dissemina o conhecimento nas áreas da Biologia para jovens do Ensino Médio de todo o país, além de preparar os alunos com as melhores colocações para as provas internacionais.
Os medalhistas David, Clara e Carolina, em aula experimental no laboratório
Ao final da semana de formação no Butantan, foram definidos os quatro representantes brasileiros que irão à Olimpíada Internacional de Biologia (IBO), que neste ano acontece em julho no Cazaquistão, e os outros quatro alunos que vão participar da Olimpíada Iberoamericana de Biologia (OIAB), prevista para setembro em Cuba. “Todos os profissionais envolvidos na mentoria ficaram encantados com o grupo. Eles têm bastante potencial, estamos confiantes”, diz a pesquisadora científica do Laboratório de Biofármacos e coordenadora nacional da OBB, Sonia de Andrade Chudzinski.
Uma vez que as fases eliminatórias da OBB focam no conhecimento teórico, a preparação para as competições internacionais deu bastante peso ao desenvolvimento prático dos alunos, com vivências de laboratório e treinamentos de bioinformática, bioquímica e biologia molecular. De acordo com José Ricardo Jensen, pesquisador científico do Laboratório de Desenvolvimento e Inovação do Butantan e do Centre of Excellence in New Target Discovery (CENTD) e um dos mentores do grupo, este foi o primeiro ano em que todos os participantes demonstraram experiência prévia na bancada. “Foi uma grata surpresa. Se isso se confirmar nas próximas edições é um sinal de que poderemos elevar ainda mais o nível da nossa capacitação”, observa.
Bruno foi um dos quatro selecionados para representar o Brasil na competição internacional no Cazaquistão
Por enquanto, manusear uma pipeta automática, selecionar e pesar substâncias de diferentes viscosidades e realizar experimentos com as próprias mãos seguem sendo as aulas preferidas dos alunos. “A parte mais legal foram as práticas de laboratório. A ideia foi nos habituar a possíveis pedidos que vão vir nas provas internacionais”, pontua Bruno Di Giorno, 17, selecionado para a IBO. Mas a cada ano aumenta a participação dos entusiastas de bioinformática entre os selecionados, como é o caso do medalhista David Li Chiun. “Fomos apresentados a ferramentas sensacionais! Inserimos uma sequência genética no sistema e magicamente começaram a surgir coisas que dificilmente descobriríamos sozinhos”, afirma o estudante de 17 anos que vai participar da competição iberoamericana.
Ana e Alexandre compartilham o sonho de ingressar na Faculdade de Medicina da USP
Medicina: um sonho compartilhado
A edição de 2024 da OBB contou com 164 mil alunos inscritos nas provas de Fase 1. Isso significa que, para conquistar uma das 16 vagas para participar da semana de capacitação, cada medalhista precisou superar cerca de dez mil estudantes. O processo é tão concorrido quanto os vestibulares das melhores universidades públicas do país. Por conta disso, as medalhas conquistadas em competições científicas também são um caminho para ingressar em instituições de renome, como a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), por meio das chamadas “vagas olímpicas”.
Assim como boa parte dos participantes da OBB, Alexandre Andrade de Almeida, 17, tem estudado com afinco para conseguir uma sonhada vaga na medicina da USP. Em 2023, ainda no 2º ano do Ensino Médio, ele participou da semana de capacitação da OBB e foi selecionado para a Olimpíada Iberoamericana, conquistando uma medalha de ouro na competição. Para este ano, ele não escondeu que as expectativas estavam ainda mais altas. “Por já ter participado da Iberoamericana no ano passado, de fato minha meta era chegar às internacionais”, conta o estudante, classificado em primeiríssimo lugar para representar o Brasil na Olimpíada Internacional de Biologia, no Cazaquistão.
Iara Vieira Vitarelli e Clara Nakata de Carvalho também são veteranas da OBB e medalhistas de ouro da OIAB 2023. Além da paixão pela ciência, as amigas compartilham o amor pela cantora norte-americana Taylor Swift. “Comecei a gostar por causa da Clara, que sempre colocava para tocar ao término das aulas de capacitação. Neste ano, ela está me inserindo no universo da série Criminal Minds”, brinca Iara, que entre uma aula e outra arrisca soltar a voz. Assim como Alexandre, as duas sonham cursar medicina e foram classificadas para a IBO. Desde que o evento passou para a gestão do Butantan, este é o primeiro ano em que duas brasileiras vão competir na prova internacional.
Iara Vitarelli ao lado da pesquisadora científica do Butantan e coordenadora nacional da OBB, Sonia Chudzinski
Dona da segunda maior nota da Olimpíada Brasileira, Iara também foi premiada com o Troféu Menina da Biologia 2024. De acordo com a estudante, foi a figura de sua pediatra, exemplo de cuidado e dedicação, que a inspirou a seguir no caminho das ciências biológicas. “Ainda pequenos os meninos são incentivados a, de alguma forma, pensar ciência. Eles brincam de carrinho, têm pijamas de robô, enquanto nós somos estimuladas a brincar de boneca”, pondera a colega Clara.
Junto de Ana Cecília Okada, outra veterana da OBB, elas comemoram o fato de o número de meninas selecionadas para a semana de capacitação ter aumentado em relação ao ano passado, saltando de cinco para sete. A pesquisadora científica do Laboratório de Desenvolvimento e Inovação do Butantan e do CENTD, e também mentora da OBB Andrea Borrego também engrossa o coro em prol da participação feminina. “Ficamos muito felizes de ver esse interesse e acho que tem muito das pessoas nas quais elas se espelham. É mais uma afirmação de que elas podem e conseguem aquilo tudo que quiserem”, diz.
Também foi unanimidade entre os jovens talentos a importância dos “professores-guia”: muitas vezes, eles são os grandes responsáveis por identificar os alunos com mais facilidade para lidar com as diferentes áreas das ciências biológicas, estimulando-os e lapidando-os ao longo do caminho.
Maria Clara, Marcos Paulo e Marcos Godinho: leveza e diversão também fazem parte da rotina de capacitação
Estudo e diversão
Apesar de estarem acostumados com a pressão e a competição, chamou atenção o clima de cooperação e generosidade entre os participantes. “É um fairplay. Se alguém está com dúvidas ou precisando de algum instrumento, logo outro se disponibiliza a ajudar. Eles sabem que a competição vai acabar e o que vai ficar será algo bem maior”, enfatiza Andrea.
Marcos Godinho, 17 anos, citou o clima leve e descontraído da capacitação, mencionando o quanto foi enriquecedor conhecer pessoas de diferentes estados, culturas e sotaques, uma vez que a edição de 2024 reuniu alunos da capital e do interior paulista, de Minas Gerais, da Bahia, de Pernambuco e de Sergipe. “Até criamos um grupo no Whatsapp para manter contato. Estamos nos divertindo”, revela o melhor colocado da OBB entre os alunos de escola pública.
Já Marcos Paulo Santos pontuou o quão enriquecedor foi estar em contato com cientistas do calibre dos pesquisadores do Butantan – aluno do 2º ano do Ensino Médio, ele foi classificado para participar da Olimpíada Iberoamericana. Da mesma forma, o contato com o público mais jovem é um sopro de renovação para os próprios pesquisadores do Butantan, que, imersos no dia a dia de trabalho, podem perder aquele brilho nos olhos diante das sutilezas científicas escondidas no dia a dia. “Nossa ideia aqui é despertar o raciocínio e reforçar esse encantamento. A vida é nosso maior experimento e todo o entorno pode ser um grande laboratório”, afirma a coordenadora nacional da OBB.
Além dos estudantes Alexandre, Iara, Clara, Bruno, David, Ana Cecília, Marcos Godinho e Marcos Paulo, citados nesta matéria, também participaram da semana de capacitação das Olimpíada Brasileiras de Biologia 2024 Pedro Perry e Arthur Kui, selecionados para a Olimpíada Iberoamericana de Biologia, Guilherme Cavalcanti, Carolina Farnese, Luiza Lanza, Anita Lima, Maria Clara Carneiro e Guilherme Barreto. “Nosso país está muito bem representado na biologia. Definitivamente, nós somos bons!”, conclui Sônia.
Reportagem: Natasha Pinelli
Fotos: Renato Rodrigues e Marília Ruberti/Comunicação Butantan