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Como é feita a vacina da gripe? PARTE 2: a produção dos três monovalentes

Ao longo da campanha de fabricação do imunizante, o Butantan recebe mais de 500 mil ovos todos os dias. Durante a produção, cada ovo renderá em média uma dose da vacina trivalente


Publicado em: 05/04/2023

A fabricação da vacina Influenza exige um robusto processo de planejamento e execução. Tudo começa em setembro, logo depois que a Organização Mundial de Saúde (OMS) anuncia quais são as três cepas do vírus que devem compor o imunizante trivalente da próxima campanha para o hemisfério sul. Como não é recomendado misturar mais de um vírus ativo em um mesmo ambiente, é necessário fabricar, separadamente, um Insumo Farmacêutico Ativo (IFA) para cada uma das cepas selecionadas. Ou seja: os três monovalentes que compõem a vacina influenza do Butantan (e correspondem, cada um, a uma das cepas do vírus), são produzidos individualmente para depois serem reunidos na formulação final.

Para iniciar o desenvolvimento de um IFA (monovalente), o primeiro passo é realizar a produção dos bancos virais das cepas recomendadas pela OMS. A etapa acontece na planta de Produção de Bancos Influenza (PBI), onde uma equipe especializada faz uma primeira ampliação do vírus recebido, chamado de banco semente. Na sequência, é produzido o banco trabalho, que após passar por um rigoroso processo de análise e aprovação da área de Controle de Qualidade será utilizado na fabricação de todos os lotes de monovalentes.

Saiba como acontece a etapa anterior à produção dos monovalentes, que envolve a vigilância do vírus e a fabricação das cepas

A produção de cada IFA (monovalente) da vacina Influenza demora cerca de dois meses e meio para ser concluída e garantir um planejamento detalhado é vital para que tudo ocorra de forma satisfatória. “Costumamos dizer que o cronograma da Influenza não aceita desaforos. Temos vários lotes de monovalente sendo processados no mesmo dia e em diferentes fases de fabricação. Ou seja, nesse cronograma não cabem grandes eventos que impossibilitem as etapas de acontecerem no seu tempo planejado, esse é um dos motivos da complexidade dessa produção que funciona como uma engrenagem. Nenhuma parte pode atrasar sua entrega sem acabar comprometendo todo o processo”, explica o diretor técnico de produção da vacina Influenza do Butantan, Douglas Macedo.

A seguir, conheça os detalhes dessa complicada e efetiva engrenagem, que garante a disponibilidade de 80 milhões de doses do imunizante nos mais de 50 mil postos de saúde envolvidos na Campanha Nacional de Vacinação Contra Influenza, espalhados nos quatro cantos do país:

 

Etapa 1: compra e recepção dos ovos

Os ovos representam uma importante matéria-prima da vacina Influenza, uma vez que servem como reservatório para a multiplicação do vírus. Para dar conta da demanda, durante o período de produção, o Butantan recebe mais de 500 mil ovos controlados diariamente. 

A compra é realizada com quinze dias de antecedência, junto a granjas certificadas e validadas pela área de Garantia da Qualidade do instituto. Dessa forma, o fornecedor tem tempo hábil para recolher os ovos e incubá-los entre 9 e 11 dias. Para atestar a excelência do produto, os ovos passam por rigorosos processos de produção e controle, sendo o último deles a ovoscopia – uma inspeção visual feita em todos os ovos, antes de serem transportados ao Butantan, onde sempre chegam na parte da manhã. 

Após descarregados, uma amostra é selecionada para um novo processo de inspeção. Em seguida, os ovos são encaminhados para incubadoras localizadas na área não viral da fábrica, chamada veterinária. Em um horário previamente determinado, geralmente por volta do meio-dia, os ovos são transferidos para a área controlada, onde acontecerá o processo de inoculação do vírus dentro dos ovos.

 

Etapa 2: multiplicação do vírus influenza

Paralelamente ao processo de chegada e acondicionamento dos ovos, uma equipe técnica fica responsável por preparar uma solução, chamada tampão de inóculo. O material é feito com uma ampola da cepa vacinal proveniente do banco trabalho, que será diluída até formar uma solução de grande volume. 

A partir de então, os ovos são alocados em um equipamento capaz de realizar um pequeno furo na casca e injetar uma quantidade mínima do líquido de tampão de inóculo. Na saída da máquina, operadores transportam os ovos para a área de incubação, onde a temperatura e a umidade são controladas. Por um período determinado, os ovos vão funcionar como uma espécie de fermentador, replicando o vírus influenza.

 

Etapa 3: refrigeração e coleta da cepa vacinal

Após a incubação, os ovos passam por um processo de resfriamento que tem como objetivo interromper a replicação viral, quando essa ação atinge o seu pico. Essa fase leva alguns dias.

Depois, os ovos são encaminhados para a coleta do líquido alantoico, que nada mais é do que uma substância com grande concentração do vírus que foi inoculado. Nesta etapa, uma máquina corta a parte superior dos ovos e realiza a coleta do líquido de interesse. Um lote com cerca de 500 mil ovos rende cerca de 6 mil litros de líquido alantoico.

 

Etapa 4: clarificação e concentração

Começam, então, uma série de processos para deixar o material coletado o mais puro possível. A primeira fase é chamada de clarificação, em que são eliminados macronutrientes como casca de ovo e até penas. Ainda na mesma sala acontece a concentração, etapa em que são descartadas algumas das principais substâncias, como água e contaminantes microbiológicos. 

“O líquido alantoico passa por um sistema de filtração tangencial. O que for menor do que a membrana do filtro é descartado, e o que for maior é retido por ser nosso produto de interesse”, explica Douglas. Ao final do processo, o líquido estará reduzido a um volume de 300 a 400 litros – 20 vezes mais concentrado do que os 6 mil litros iniciais.

 

Etapa 5: purificação

Essa é uma das fases mais críticas de todo o processo de produção da vacina Influenza, pois ao final, o produto estará extremamente concentrado. Para que isso aconteça, é preciso lançar mão de uma série de ultracentrífugas industriais, que vão receber aquele volume médio de 400 litros. Essas máquinas trabalham em uma velocidade alta, cerca de 35 mil rpm, assim a força da gravidade age sobre o líquido alantoico, depositando o material de interesse para a composição do imunizante em uma determinada faixa de concentração da solução, localizada no interior do equipamento. Ao final desse processo, que acontece por duas vezes, o volume é reduzido a cerca de 3,5 litros. Cada mililitro dessa substância contém centenas de doses da vacina.

 

Etapa 6: segurança

A vacina contra a gripe do Butantan é produzida com vírus fragmentado e inativado. Para um maior controle das etapas de fragmentação e inativação, todos os lotes são submetidos a um processo de padronização de concentração antes de seguirem para essas etapas. “O objetivo é que todos os lotes tenham a mesma quantidade de vírus por mililitro”, explica Douglas.

Após a padronização, um agente químico é adicionado para quebrar os vírus e uma nova centrifugação é feita. Nesta etapa, consegue-se separar as duas proteínas de interesse do vírus influenza – a hemaglutinina, responsável pela adesão do vírus à célula, e a neuraminidase, que faz com que o vírus penetre e se replique dentro da célula. Já o restante do DNA do vírus será descartado. 

Por mais que a fragmentação tenha uma taxa de eficiência superior a 90%, o monovalente também passa por um processo de inativação viral. Então, entra em cena um novo agente químico que vai inativar a parcela de vírus que não foi fragmentada. Juntos, esses processos duram cerca de três dias.

 

Etapa 7: filtração esterilizante

Após sair das câmaras frias, o produto passa por um filtro composto por micromembranas capaz de reter bactérias e outros microrganismos contaminantes. O resultado é um líquido completamente estéril. Essa ação acontece na sala mais limpa da fábrica, onde não é permitido haver mais de uma bactéria por metro cúbico. 

Os colaboradores e colaboradoras envolvidos no processo são escolhidos a dedo. Além de passarem por uma extensa qualificação, os funcionários são monitorados continuamente. Antes de entrar na sala de trabalho, é preciso tomar banho e não é permitido ter nenhuma pele exposta. Durante a manipulação do produto, é importante realizar movimentos comedidos, sem levantar partículas no ambiente. “Essa também é uma etapa crítica. Qualquer problema, dependendo do impacto, gera a reprovação do lote e todo o trabalho feito até aquele momento será perdido”, observa Douglas. 

Essa é a última fase realizada na fábrica de produção de monovalentes (IFA). A partir daqui, os produtos são encaminhados para câmaras frias, onde ficam em quarentena até a liberação dos lotes por parte do Controle de Qualidade. 

 

Etapa 8: formulação e envase

Assim que se atinge um lote mínimo dos três monovalentes da vacina, os materiais são enviados para o prédio de Formulação e Envase. Lá, os IFA são combinados com outras substâncias, como conservantes, que são adicionadas para a composição final do produto. Na sequência, é feita uma nova filtração esterilizante, seguida de uma quarentena de 15 dias em câmara fria. 

Após esse período, as vacinas são encaminhadas para as linhas de envase, onde serão acondicionadas em frascos ampolas com dez doses da vacina. “Mais uma vez o material será avaliado pela nossa área de Qualidade, para só então ser entregue ao Ministério da Saúde e finalmente disponibilizado ao público-alvo da campanha de imunização”, completa Douglas.

 

Da formulação à embalagem: entenda um dos momentos mais críticos da produção da vacina da gripe