Neste segundo painel do simpósio sobre CoronaVac, foram discutidos os diversos aspectos de imunogenicidade da CoronaVac. A sessão foi coordenada pelo Dr. Renato Mancini Astray, Pesquisador Científico do Instituto Butantan, e pelo Dr. Yiming Shao, do Centro de Controle de Doenças da China.
A primeira palestra foi ministrada pelo Dr. Edison Luiz Durigon, professor de Virologia do Departamento de Microbiologia do Instituto de Ciências Biomédicas da USP e teve como tema “Anticorpos neutralizantes para SARS-CoV-2: a experiência brasileira”. O Dr. Durigon destacou a importância do Laboratório de Virologia NB-3 da USP no isolamento da amostra clínica do primeiro paciente diagnosticado com SARS-CoV-2 no Brasil. O isolamento se deu de forma clássica, pela incubação das amostras clínicas em camadas de células Vero. O vírus isolado e titulado foi distribuído para todos os laboratórios de nível NB-3 do país, permitindo o rápido estabelecimento dos métodos de diagnóstico. O Laboratório também conseguiu padronizar rapidamente o ensaio de neutralização por efeito citopático, conhecido como VNT. Nesse ensaio, o soro a ser testado é diluído de maneira seriada e incubado com quantidades conhecidas do vírus. A mistura de soro e vírus é então transferida para as culturas de células Vero, e o efeito citopático do vírus é avaliado depois de 72 horas. O resultado é reportado como a maior diluição do soro capaz de neutralizar o efeito citopático do vírus. O grupo utilizou o teste VNT para avaliar os anticorpos neutralizantes de indivíduos vacinados com a CoronaVac. Os resultados de duas coortes demonstram que, após a segunda dose, a CoronaVac induz a produção de anticorpos neutralizantes em títulos altos, chegando a até 640, para as cepas Wuhan, P1 (gama), P2 (zeta) e delta. Os títulos atingem um pico entre 30 e 60 dias após a segunda dose, e depois há um decaimento, mas ainda são detectáveis até 5 meses após a vacinação, e a memória imunológica perdura. O acompanhamento de alguns pacientes vacinados que contraíram a doença mostrou claramente que os indivíduos vacinados, mesmo após 6 meses da vacina, têm uma resposta muito rápida à infecção, com aumento abrupto dos títulos de anticorpos neutralizantes, que contribuem para uma sintomatologia mais leve. Os resultados apresentados pelo Dr. Durigon claramente demonstram a imunogenicidade da CoronaVac.
A imunogenicidade das vacinas tem correlação direta com a sua eficiência na população geral. Nesse contexto, o Dr. Zhijie An, da Universidade de Yunnan, China, falou sobre o progresso de vacinação na China contra a COVID-19 e os dados de eficácia no mundo real contra a variante delta. Evidências do mundo real complementam os dados de ensaios clínicos de uma vacina, fornecendo informações em populações diferentes das populações de ensaios clínicos, em diferentes situações epidemiológicas, com diferentes desfechos ou contra diferentes linhagens de patógenos. Desde o início do grande surto de infecção pelo vírus SARS-CoV2, a China iniciou um intenso processo de contenção do vírus, diagnosticando os casos e isolando em hospitais, focando no controle da transmissão comunitária. Desta forma, mesmo não tendo vacinas disponíveis inicialmente, a população estava acessível ao vírus, mas com baixo risco de infecção. Atualmente a China possui sete vacinas aprovadas pela Agência Regulatória Chinesa, sendo a maioria de vírus inativado. Duas destas vacinas estão incluídas na lista oficial da OMS. A eficácia global das vacinas utilizadas (inativada, adenovírus e de proteína recombinante) foi de prevenção de quase 100% dos casos graves, reduzindo o risco da doença. Entre maio e junho de 2021, um surto da variante Delta do SARS-CoV-2 foi descoberto e rastreado na Província de Guangdong, China. Antes deste surto, Guangdong havia começado a vacinação em massa usando vacinas inativadas aprovadas para uso em adultos. Os pesquisadores se beneficiaram dos protocolos de controle da China, que permitem identificar, colocar em quarentena e testar todos os contatos próximos de qualquer pessoa infectada com SARS-CoV-2. Dessa forma, foi possível determinar o status de vacinação desses contatos próximos e monitorar quais foram infectados. O estudo permitiu estimar a efetividade das vacinas utilizadas em Guangdong contra a variante Delta, em condições da vida real. Os pesquisadores monitoraram 12.501 indivíduos que eram contatos próximos de casos confirmados por laboratório, categorizando-os em grupos (a) não vacinado, (b) parcialmente vacinado e (c) totalmente vacinado (14 dias após a segunda dose, em um esquema vacinal com 21 dias de intervalo). A efetividade da vacinação completa foi de cerca de 77% contra pneumonia e 100% contra doenças graves. A vacinação incompleta foi pouco efetiva contra pneumonia (cerca de 8%), mas não foram registrados casos graves nesse grupo, enquanto 19 pessoas do grupo não vacinado apresentaram estado grave ou crítico. Outros estudos semelhantes foram realizados em outras localidades, como em Jiangsu, na China, e na população do Chile, com resultados similares, reduzindo em cerca de 90% o risco de evolução de casos leves para grave, em indivíduos com esquema vacinal completo. Os estudos comprovam a efetividade de vacinas de vírus inativados contra a variante Delta do SARS-CoV-2 e corroboram a necessidade de garantir a vacinação completa das populações-alvo.
O Dr. Xiangxi Wang, do Instituto de Biofísica da Academia Chinesa de Ciência, China, abordou de forma mais estrutural a interação antígeno/anticorpo neutralizante e a importância da administração da terceira dose da vacina de vírus inativado. A pandemia já está durando quase dois anos e várias vacinas estão sendo usadas no último ano e o avanço na finalização da pandemia está sendo muito lento, devido a vários motivos: um deles é o surgimento das variantes de preocupação (VOCs), como a alfa, beta, gamma, delta e a mais recente omicron, que parecem ser mais resistentes aos anticorpos neutralizantes pois contêm várias mutações na região da proteína spike. Como exemplo a omicron, que possui mais de 30 mutações na spike. Outro motivo é a redução da quantidade de anticorpos neutralizantes com o passar do tempo após a vacinação ou infecção natural. Uma abordagem plausível para resolver o problema é a administração de uma terceira dose da vacina entre 6 a 12 meses após a segunda dose, a fim de melhorar e estender a proteção. Análise sorológica de amostras de plasma de indivíduos que receberam 3 doses da vacina com vírus inativado mostra aumento na titulação de anticorpos neutralizantes e proteção às variantes do coronavirus, quando comparado às amostras de plasmas que receberam 2 doses da vacina. A administração de uma terceira dose aumentou a produção de anticorpos neutralizantes em 20x, 2 semanas após a vacinação, se mantendo 6 meses após a dose de reforço. O estudo avaliou os perfis de anticorpos de voluntários que receberam 2 ou 3 doses da vacina CoronaVac, convalescentes COVID-19 e participantes saudáveis, com a finalidade de comparar as respostas imunes humorais induzidas contra variantes circulantes de SARS-CoV-2. O número de mutações nos nucleotídeos do gene V (variável) nos anticorpos de indivíduos vacinados com 3 doses é maior que os vacinados com 2 doses ou convalescentes. Isso mostra maior mutação nestes anticorpos e também maior ligação e atividade neutralizante. Subsequentemente, analisaram quase 200 estruturas complexas de anticorpos neutralizantes ao SARS-CoV-2 e identificaram correlação entre a estrutura e a atividade, revelando correções antigênicas ultrapotentes, resistentes às variantes e de amplo espectro sobre a RBD, inclusive contra a mais recente variante omicron. O que demonstra que a mutação somática contínua dos anticorpos e a renovação clonal das células B de memória induzidas com 3 doses da vacina estimulam a aumentam a potência e amplitude da neutralização.
Em seguida, o Dr. Ahmet Soysal, do Memorial Ataşehir Hospital, Turquia, abordou a vacinação com a CoronaVac em indivíduos previamente infectados. Inicialmente, o Dr. Soysal contextualizou os dados epidemiológicos atuais da Turquia e destacou que a maior parte dos óbitos atualmente no país correspondem a pessoas não vacinadas. O Dr. Soysal relatou que não há uma diretriz de quanto tempo após a infecção natural um indivíduo está apto a receber a primeira dose da vacina, razão pela qual o estudo foi realizado, a fim de comparar os títulos de anticorpos e as reações adversas induzidas pela CoronaVac em profissionais da saúde previamente infectados ou não. As reações adversas foram obtidas por meio de questionários online ou telefonemas, sete dias após cada dose da vacina. A detecção de níveis de anticorpos foi avaliada considerando o reconhecimento do domínio RBD da proteína spike SARS-CoV-2, quatro semanas após a segunda dose da vacina. A vacinação dos profissionais de saúde previamente infectados ocorreu após 64 dias, tempo médio (intervalo: 15–136 dias). Destes voluntários, 40% eram assintomáticos, 50% tinham infecções leves do trato respiratório superior, 10% tinham pneumonia e 5% foram hospitalizados. Diferentemente do relatado em outras vacinas, não houve diferença nas reações adversas relacionadas à vacinação entre indivíduos previamente infectados e não infectados, tanto na primeira quanto na segunda dose. O sintoma mais comum relatado foi dor no local da injeção e a maioria das reações adversas foram leve (grau 1). Os títulos médios de anticorpos anti-RBD foram significativamente maiores em profissionais de saúde com infecção natural anterior do que em profissionais de saúde não infectados. Em conclusão, o estudo mostrou que a vacina CoronaVac induz respostas de anticorpos em indivíduos não infectados com SARS-CoV-2 e previamente infectados naturalmente; a mediana das respostas de anticorpos foi maior em indivíduos previamente infectados. A administração de CoronaVac foi segura e pode induzir maior resposta de anticorpos em indivíduos previamente infectados naturalmente.
Em sua fala, Dr. Alexis Kalergis, da Pontifícia Universidad Católica de Chile, conta que formalizaram a colaboração com a Sinovac no começo de 2020, que levou ao início de um estudo clínico. O ensaio clínico de fase 3 realizado no Chile, utilizando a CoronaVac, inclui diferentes centros, com voluntários que receberam duas doses da vacina e voluntários que receberam placebo, em intervalo de duas semanas entre as doses. Na resposta imune em adultos sadios 2 semanas após a segunda dose viram aumento significativo de anticorpos anti-RBD na maioria dos indivíduos. Usando testes de neutralização direta e com pseudovirus, viram aumento significativo 2 semanas após a segunda dose da CoronaVac em adultos saudáveis e idosos. Fizeram uma série de análises em células TCD4+ e TCD8+ e viram que após 2 e 4 semanas da segunda dose puderam detectar a presença de células T utilizando peptídeos derivados de proteínas do vírus. O estudo clínico está sendo conduzido em colaboração com o Brasil, Turquia e Indonésia, e ainda está em andamento simultaneamente. Esta colaboração científica levou o Chile a ser um dos países com maior quantidade de vacinados no mundo. Os benefícios após alguns meses mostram que a campanha de vacinação é considerada um dos principais motivos da redução do número de casos de COVID-19 que tiveram nos últimos 5 meses, mostrando que a vacinação em mundo real funciona e é bastante benéfica para a população. Com o declínio natural da imunidade 6 meses após a vacinação, Dr. Kalergis recomenda o uso de uma terceira dose no Chile, o que faz parte de um estudo clínico mostrando que após a terceira dose, o nível de anticorpos aumenta rapidamente, até níveis maiores do que após a segunda dose, demonstrando o mesmo para a capacidade de neutralização dos anticorpos. Conseguiam detectar células TCD4+ produtoras de IFN-γ mesmo 20 semanas após a terceira dose. Estudo com população pediátrica com 3 a 17 anos foi iniciado, e resultados são bem animadores, semelhantes aos vistos em adultos. Ainda, Dr. Kalergis comentou sobre a importância da transparência e dialogar com a imprensa sempre que solicitados, estimulando a vacinação.
A sessão foi finalizada com uma excelente discussão em torno da imunogenicidade, segurança e a importância de uma terceira dose da CoronaVac.
Destaque do dia
“Se queremos parar a infecção, precisamos ter altos títulos de anticorpos neutralizantes constantemente para impedir que o vírus entre na célula e comece a doença. Mas se queremos parar a doença ou a pandemia, não precisamos ter altos níveis de anticorpos, podemos ter memória para isso, e os anticorpos aumentam rapidamente e nos protegem contra as formas graves da doença.” - Dr. Edison Luiz Durigon