O italiano Elviro Aleixo Irpinetto (1896-1967) percorreu muitos quilômetros até chegar, no começo do século XX, ao Instituto Butantan, onde conseguiu um emprego que mudou sua vida e as de gerações de sua família. O trabalho do jovem, que havia deixado a Itália ainda criança e depois seus pais no interior de São Paulo para tentar a vida na capital, logo se destacou pela habilidade no entalhe da madeira.
Seu talento chamou atenção do médico Vital Brazil (1865-1950), fundador e então diretor do instituto recém criado, que à época ainda lembrava uma imensa fazenda afastada da cidade.
Elviro, no alto dos seus 18 anos, começou a produzir ferramentas e objetos essenciais para os trabalhos realizados nos primeiros laboratórios do Butantan, facilitando atividades e a organização de amostras.
O engenheiro Ricardo Aleixo mostra a trena criada e encapada em couro pelo avô Elviro no começo do século passado
“Ele tinha muita criatividade e rapidamente foi criando soluções que atendiam as demandas dos laboratórios do doutor Vital Brazil, como caixas de lentes, campânulas de microscópio, balcões e estantes”, afirma o engenheiro Ricardo Vale Aleixo, 70 anos.
Neto de Elviro, ele doou as ferramentas criadas pelo avô ao Centro de Memória do Instituto Butantan. “Sabe estas caixinhas onde guardamos as lâminas de microscópio? Ele fez as primeiras daqui”, ressalta.
Na época, com o trabalho em ascensão, e o aumento de demandas diante do crescimento da instituição, o jovem marceneiro chegou a pedir a construção de uma nova oficina ao diretor do Butantan. Mas o instituto não tinha recursos para tal. Então, Elviro solicitou poucos materiais e um ajudante para construir seu próprio barracão.
Ferramentas confeccionadas por Elviro Irpinetto para trabalhar no Instituto Butantan
A estrutura erguida por ele é hoje o Paiol, um polo cultural do Parque da Ciência Butantan, feito de grandes chapas de madeira e base de alvenaria, resistentes ao tempo.
“Meu avô me ensinou a usar todas essas ferramentas, prática que eu guardei para o resto da vida. Essa arte de mexer na madeira, que estamos perdendo, eu sou um dos poucos que aprendi”, conta o neto.
Elviro Irpinetto (à esquerda) posa para fotografia feita dentro do Instituto Butantan
Ricardo guardou por décadas serrotes, formões, raspadeiras, medidores de nivelamento, azeiteira e até uma trena feita de couro e uma fita de linho (foto), entre muitas outras ferramentas, feitas artesanalmente pelo avô. Já que, naquela época, só se vendia as ferragens, sem cabos ou acabamentos – o que fez Elviro criar verdadeiras engenhocas.
Orgulhoso do legado do avô, Ricardo decidiu doar as ferramentas centenárias ao Centro de Memória do Butantan, para preservar a história do primeiro marceneiro da instituição.
O local conta com um rico acervo documental dos mais de 100 anos de história do Butantan.
A habilidade de Elviro com o entalhe da madeira chamou atenção de ninguém menos que o médico e fundador do Butantan, Vital Brazil
“Para mim é emocionante poder fazer essa pequena doação simbólica, para mostrar meu agradecimento pelo que eu ganhei da vida por ter vindo daqui”, diz Ricardo.
Para o neto, a doação também significa uma forma de materializar “a paixão da família pelo Butantan”. Isso porque Elviro casou-se com Conceição Salcedo Navarro (1898-1979), quando ambos moravam dentro do Instituto, junto a outras famílias de funcionários. O casal teve oito filhos, um deles pai de Ricardo.
O parentesco rendeu outro laço familiar importante: a avó de Ricardo era filha de Victor Salcedo Garcia (1861-1937), o primeiro técnico de laboratório que preparou o soro antiofídico com supervisão de Vital Brazil.
O reconhecimento do trabalho percursor do bisavô veio em nome de rua localizada dentro do Instituto Butantan, na zona oeste da capital paulista.
“A gente faz parte da criação do Butantan com o meu bisavô, meu avô, minha bisavó Maria do Carmo Salcedo Navarro, que se tornou ajudante do doutor Vital no encaminhamento de doentes, e da minha tia Carmen que trabalhou na biblioteca e praticamente começou a profissão de bibliotecária no século passado”, conta Ricardo.
Reportagem: Camila Neumam
Videoreportagem: Mateus Carvalho e Renato Rodrigues
Fotos: José Felipe Batista (Comunicação Butantan) e acervo Ricardo Aleixo