Cerca de 296 milhões de pessoas no mundo têm hepatite B crônica, condição que aumenta o risco de câncer de fígado, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). A única forma de prevenção é a vacina, que no Brasil é fornecida pelo Instituto Butantan. O imunizante integra o Programa Nacional de Imunizações (PNI) e deve ser administrado em quatro doses: nas primeiras horas após o nascimento, e aos dois, quatro e seis meses de idade. No entanto, a queda da cobertura vacinal é preocupante. O índice que antes superava 90%, caiu para 76% e 75,2% em 2021 e 2022. A região mais afetada é o Norte, com uma taxa de 67,5%.
As formas mais comuns de transmissão são da mãe para o filho, ou por meio do contato com sangue e fluidos corporais infectados. Para evitar a contaminação acidental, a OMS recomenda que todas as doações de sangue sejam testadas para hepatite B. De acordo com o órgão internacional, as vacinas são seguras e oferecem uma proteção próxima a 100%.
Crianças de até 6 anos que não tomaram a vacina ou estão com esquema incompleto devem receber três doses da pentavalente (que protege contra difteria, tétano, coqueluche, Haemophilus influenzae B e hepatite B), com intervalo de 60 dias entre as doses.
A partir dos 7 anos, é preciso tomar três doses da vacina da hepatite B, com intervalo de um mês para a 2ª dose e de cinco meses da 2ª para a 3ª. O imunizante também é indicado para gestantes não vacinadas.
O médico infectologista Thomas Evans, pesquisador visitante no Butantan e cientista emérito da empresa de biotecnologia Vaccitech, fala sobre os impactos da doença, especialmente na população que desenvolve a forma crônica. “A maioria das infecções acontece em crianças. Se o bebê é infectado pela mãe no nascimento, o risco de desenvolver a doença crônica é de 90%. Quando a pessoa é contaminada na fase adulta, a chance de ter a forma crônica é de 10%”, aponta.
Na hepatite B aguda, a infecção dura algumas semanas e pode causar sintomas como pele e olhos amarelados, urina escura, fadiga, náusea, vômito e dor no abdômen. Já as pessoas que evoluem para a hepatite B crônica podem desenvolver uma doença hepática progressiva e complicações como cirrose e câncer de fígado, e precisam passar por um longo tratamento.
Segundo Thomas, apenas 1% dos pacientes crônicos conseguem se curar anualmente – isso depois de décadas se tratando com antivirais. A necessidade de um tratamento de longa duração acaba fazendo muitas pessoas abandonarem a terapia. Além disso, existe risco de recidiva e de toxicidade para o fígado.
Médico infectologista Thomas Evans durante seminário ministrado no Instituto Butantan na última quarta (9/8)
Cientistas estudam desenvolvimento de vacina terapêutica
Embora a hepatite B seja prevenível, ela ainda acomete milhões de pessoas e causa a morte de 820 mil no mundo todos os anos. Para ampliar as opções de tratamento, o grupo de Thomas Evans na Vaccitech está desenvolvendo um imunizante terapêutico com potencial para superar os remédios tradicionais, reduzindo significativamente as células infectadas em testes clínicos. Os antivirais disponíveis atualmente ajudam a controlar os sintomas, mas não conseguem curar a infecção.
“A vacina preventiva é de extrema importância para reduzir e, futuramente, eliminar a transmissão do vírus no mundo. Mas também precisamos cuidar dos milhões de pacientes crônicos que estão infectados hoje”
Batizada de VTP-300, a vacina terapêutica induz resposta de linfócitos T CD8+, que são os únicos capazes de matar as células infectadas no fígado. “Por volta de 60% a 80% dos pacientes têm respondido bem à terapia, mas ainda estamos trabalhando estratégias para atingir a cura funcional da doença”, explica. A cura funcional significa que o vírus ainda está presente, mas em uma quantidade mínima e sem causar doença.
A grande vantagem do imunizante é que ele consegue silenciar a expressão do DNA viral que se instala dentro das células hepáticas, enquanto os antivirais eliminam somente as proteínas virais da circulação sanguínea, mas não resolvem a infecção concentrada no fígado. É esse DNA viral dentro das células hepáticas que ajuda na persistência da infecção.
O tratamento é composto por duas doses, que usam plataformas diferentes: o primeiro é produzido com um vetor de adenovírus (ChAdOx1, da Universidade de Oxford, o mesmo usado na vacina contra a Covid-19 da Oxford/AstraZeneca), e o segundo utiliza o vetor de vírus atenuado da varíola (MVA). Ambas as vacinas carregam o material genético do vírus da hepatite B. Esses vetores são seguros e amplamente usados no desenvolvimento de imunizantes.
A hipótese dos pesquisadores é que, combinando as duas doses de vacina terapêutica com antivirais ou com outras estratégias de tratamento em desenvolvimento por diferentes grupos, as chances de alcançar a cura funcional da doença são maiores. De acordo com Thomas, mais testes serão conduzidos para identificar a melhor combinação.
Reportagem: Aline Tavares
Fotos: José Felipe Batista e Mateus Serrer/Comunicação Butantan