Uma revisão publicada na terça (23) em edição especial da revista científica Toxins celebra os 120 anos do Butantan destacando os mais de 20 anos de pesquisa do instituto sobre a toxinologia da Lonomia obliqua, popularmente chamada de taturana oblíqua, que resultou no desenvolvimento de um tratamento para acidentes com essa lagarta em 1996: o soro antilonômico. Até hoje, o Butantan é o único produtor no mundo desse tipo de soro, que pode ser obtido gratuitamente no Brasil por meio do Sistema Único de Saúde (SUS).
Além de desenvolver o soro, os pesquisadores do Butantan têm estudado os efeitos das moléculas derivadas do veneno da lagarta para identificar novos alvos terapêuticos para diferentes doenças – pesquisas que resultaram em uma série de patentes.
Segundo a diretora do Centro de Desenvolvimento e Inovação do Butantan e coordenadora da revisão, Ana Marisa Chudzinski-Tavassi, o grupo caracterizou as proteínas (peptídeos) que compõem o veneno e identificou as duas que são responsáveis por causar a síndrome de coagulação sanguínea, hemorragia e insuficiência renal. “Nos testes seguintes, observamos que essas proteínas também funcionam para manter a sobrevivência das células em situações de estresse, além de possuírem propriedades anti-inflamatórias”, afirma.
A partir disso, os cientistas selecionaram apenas os fragmentos das proteínas responsáveis pelos efeitos terapêuticos, para evitar as demais reações tóxicas, e realizaram testes em células e em animais. “Alguns peptídeos foram capazes de auxiliar na regeneração; outros reduziram a inflamação em modelos in vitro de doenças inflamatórias, como artrite, e diminuíram marcadores de dor em modelos neuronais”, aponta Ana Marisa.
Os autores ressaltam que, devido ao constante surgimento de vírus e bactérias resistentes, a busca de novas abordagens terapêuticas para doenças inflamatórias é cada vez mais necessária para o desenvolvimento de medicamentos mais eficazes. “Os peptídeos do veneno da Lonomia obliqua trouxeram muitos subsídios. A partir desse conhecimento, é possível trabalhar em novas terapias para doenças neurodegenerativas e inflamatórias”, destaca a pesquisadora.
A importância do soro antilonômico
Apesar do avanço, os acidentes com lagartas ainda configuram um problema de saúde pública no Brasil, atingindo 42 mil indivíduos por ano. Em relação à Lonomia obliqua, especificamente, foram 42.264 acidentes entre 2007 e 2017, sendo 248 casos graves e cinco mortes.
No momento do contato com as cerdas da taturana oblíqua, o veneno causa uma lesão na pele semelhante à queimadura, com dor, inchaço e bolhas na região. O indivíduo pode apresentar dor de cabeça, ansiedade, náusea, vômito e, menos frequentemente, dor abdominal, hipotermia e pressão baixa. Dependendo da extensão da lesão e da quantidade de veneno inoculada, algumas pessoas podem manifestar sintomas mais graves, como alteração na coagulação e hemorragia nas gengivas, urina ou outras partes do corpo.
A principal complicação é a insuficiência renal aguda (falha nos rins), que pode ocorrer em até 12% dos casos e é mais frequente em indivíduos com mais de 45 anos. Segundo o artigo, inicialmente os pacientes graves eram tratados com antifibrinolíticos – classe de fármacos utilizada para impedir a perda excessiva de sangue – associados com plasma fresco congelado. No entanto, em vez de reverter os sintomas, essa abordagem piorava o quadro.
Atualmente, o tratamento é baseado na administração do soro antilonômico, que é obtido a partir do plasma de cavalos imunizados com o extrato de cerdas de Lonomia obliqua. Os anticorpos produzidos são capazes de neutralizar o veneno em circulação no sangue, normalizando os parâmetros de coagulação e evitando complicações graves. Para obter um resultado mais eficiente, é necessário que o material seja administrado até 12 horas após o contato com as cerdas da lagarta.