Se você realizou um teste molecular para confirmar se estava com Covid-19 (os exames RT-PCR) nos últimos dez meses pela rede pública no estado de São Paulo, esse teste certamente passou pela Rede de Laboratórios para Diagnóstico do Coronavírus SARS-CoV-2. Formada por 29 laboratórios espalhados por todo o estado de São Paulo e coordenada pelo Instituto Butantan, a rede organiza, gerencia e zela pela realização de todos os testes diagnósticos de Covid-19 feitos no estado – um trabalho complexo e colaborativo, que exige alta produtividade e responsabilidade.
Tudo começou em abril de 2020, quando o Instituto Adolfo Lutz (IAL), laboratório central de saúde pública do estado de São Paulo, responsável por processar e laudar amostras do exame RT-PCR no estado, estava sobrecarregado e se via com mais de 18 mil testes parados e por volta de oito mil óbitos sem diagnóstico. Não havia mão de obra, equipamento e materiais suficientes, nem área física para comportar o grande volume de amostras que chegavam diariamente, tampouco uma gestão integrada para organizar a logística de amostras e abastecimento de insumos para a realização dos testes. Enquanto isso, crescia a preocupação sobre os diagnósticos em São Paulo.
O presidente do Butantan, Dimas Covas, convocou o Centro de Desenvolvimento Científico (CDC) do instituto para auxiliar nesta demanda e mitigar os gargalos do Adolfo Lutz. Neste cenário, o Butantan assumiria o volume que não estava sendo absorvido pelo Adolfo Lutz para resolver em conjunto. O rápido crescimento na demanda por testes, porém, demonstrou que seria preciso criar toda uma rede envolvendo mais atores para ficar em dia com a demanda.
Surgia assim a Rede de Laboratórios para Diagnóstico do Coronavírus SARS-CoV-2. Por meio dela, os testes são coletados nos postos de saúde; conforme a abrangência de cada Departamento Regional de Saúde (DRS), são encaminhados ao IAL local (se a amostra foi coletada em Jaboticabal, por exemplo, segue para o IAL Ribeirão Preto); de lá, são enviadas para o Butantan ou para um laboratório da rede que fique próximo e seja capaz de realizar o diagnóstico com rapidez; no laboratório de destino, a amostra é analisada e o resultado atualizado no Gerenciador de Ambiente Laboratorial (GAL), do Ministério da Saúde; para que, então, o paciente receba o laudo.
Para que essa engrenagem funcione adequadamente, sem que haja atrasos em nenhuma etapa e o paciente receba seu resultado no tempo necessário, atuam em conjunto todas as 13 unidades do Instituto Adolf Lutz no interior do estado (São José do Rio Preto, Araçatuba, Bauru, Marília, Presidente Prudente, Sorocaba, Ribeirão Preto, Rio Claro, Campinas, Central/Capital, Santo André, Santos e Taubaté), 14 laboratórios parceiros (UNESP Araraquara, Hospital de Base de São José de Rio Preto, ESALQ/USP, Instituto Lauro de Souza Lima, Faculdade de Odontologia Bauru/UNESP, Hospital das Clínicas de Botucatu, Hospital das Clínicas/UNICAMP, Instituto Biológico, Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto/USP, Hemocentro Ribeirão Preto, USP Pirassununga, DASA, FMABC, Instituto Pasteur) e 2 laboratórios do Butantan dedicados especialmente aos testes diagnósticos de Covid-19 (P33 e P54).
A rede já realizou 3,4 milhões de testes diagnósticos, cerca de 20 mil por dia. Desde janeiro, são pelo menos 400 mil testes por mês - em março, o número bateu o recorde de 483 mil. A meta é que, após a coleta, o resultado chegue para o paciente em até 72h - em abril, 83% dos diagnósticos foram entregues dentro deste prazo. Toda a gestão da rede, a logística do transporte das amostras, o fornecimento dos equipamentos necessários e o envio dos materiais para a realização dos testes (os laboratórios e suas equipes atuam voluntariamente) é feito pelo Butantan.
Objetivos da rede de laboratórios
Desde que a rede foi criada, foi estabelecida uma logística eficaz para que a realização dos exames não precisasse ser interrompida por falta de equipamentos, insumos ou recursos humanos. A cooperação entre os laboratórios foi responsável por diminuir o tempo de processamento dos laudos e aumentar o volume de entregas.
"A rede está muito bem montada, porque absorve as diferenças. Não importa se em um dia temos um número baixo de testes e, no dia seguinte, o volume cresce significativamente", explica Sandra Coccuzzo, diretora do CDC. “Os laboratórios são muito parceiros e trabalham bem acima da capacidade. Tem laboratório que prometeu 300 testes por dia e entrega 800”, completa a vice-diretora do CDC, Maria Carolina Sabagga.
O Butantan também tem como missão diminuir o tempo de processamento dos laudos. A liberação, que em algumas regiões já chegou a demorar 13 dias, hoje tem média de dois a três dias para ser finalizada. “Estamos entregando marcas surpreendentes. Foram 30 mil exames em abril do ano passado. Já em abril deste ano, entregamos 410 mil testes. Em março, entregamos por volta de 500 mil. O volume de laudos emitidos cresceu exponencialmente", afirma Alexandre Rodrigues Xavier, diretor de Qualidade Corporativa do Butantan. Comparando os números atuais com os de um ano atrás, o aumento na capacidade de laudar os exames foi de mais de 1.300%.
Principais desafios
Como o instituto é também quem fornece materiais e equipamentos para que os laboratórios realizem os testes, entre as principais dificuldades na estruturação do projeto está o abastecimento da rede, pois os insumos estão sendo procurados pelo mundo todo. Em sua maioria, eles não são nacionais e a prioridade das empresas no início da pandemia era a Europa, o que fazia com que houvesse pouca oferta para o Brasil.
Em contrapartida ao fornecimento de insumos, os laboratórios se comprometem a colocar o resultado dos testes na plataforma GAL. É por meio desse sistema que o Ministério da Saúde verifica o número de pessoas positivas e negativas para a Covid-19, além de nortear os veículos de imprensa na divulgação de casos novos.
Com a inserção dos dados no sistema, é possível monitorar diariamente tudo que está acontecendo na rede de diagnósticos e resolver possíveis problemas. "Tentamos entender por que determinado laboratório não está performando bem. Faltou gente, quebrou equipamento, aumentou o volume? Avaliamos tudo isso e montamos um plano de ação caso a caso", esclarece Alexandre. O volume de testes também ajuda a prever como estará a situação da pandemia nas próximas semanas e, consequentemente, como as coisas devem correr nos laboratórios nos próximos dias - permitindo, por exemplo, acompanhar tendências de alta ou queda na quantidade de testes, no número de positivos e em quais regiões se aplicam.