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O trabalho de uma década: relembre como foram os estudos da vacina da dengue do Instituto Butantan

Vacina recém-aprovada começou a ser desenvolvida em 2009, quando o Brasil ultrapassava 1 milhão de casos de dengue; estudo clínico reuniu mais de 16 mil voluntários


Publicado em: 26/11/2025

Reportagem: Aline Tavares
Fotos: José Felipe Batista/Comunicação Butantan
 

A Butantan-DV, vacina da dengue desenvolvida pelo Instituto Butantan e recém-aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), é fruto do trabalho direto de mais de 200 cientistas e colaboradores – uma jornada que teve início em 2009, quando o Brasil enfrentava recordes de dengue. Naquele ano, ao atingir a marca de 1 milhão de casos prováveis e quase 900 mortes, a doença que circulava desde 1980 se consolidou como um agravo de saúde pública no país.

Foi nesse cenário que o Instituto Butantan estabeleceu uma parceria com os Institutos Nacionais de Saúde (NIH) dos Estados Unidos, por influência do pesquisador Isaias Raw, que dirigiu o Instituto entre 1991 e 1997 e a Fundação entre 2005 e 2009. O NIH cedeu as quatro cepas atenuadas do vírus da dengue (DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4) para que o Butantan desenvolvesse a primeira vacina brasileira contra a doença.



Diferentes formulações, fase 1 e fase 2

Usando uma formulação específica do imunizante, denominada TV003, o NIH conduziu a fase 1 do ensaio clínico nos EUA, entre 2010 e 2012, e avaliou o produto em 113 voluntários saudáveis sem contato prévio com o vírus. Após uma única dose, 90% dos participantes produziram anticorpos contra a dengue, e o imunizante mostrou um bom perfil de segurança. Os resultados foram publicados no The Journal of Infectious Diseases.

Enquanto isso, no Brasil, a equipe do Instituto Butantan trabalhava em sua própria formulação, sob liderança da pesquisadora Neuza Frazatti Gallina, gerente de Desenvolvimento de Processos do Laboratório Piloto de Vacinas Virais. Foram 270 experimentos e 50 tentativas de formulação até chegar ao produto final. Como a vacina precisava ter a mesma concentração de cada sorotipo, e cada cepa perdia diferentes quantidades de partículas virais ao longo do processo produtivo, foi necessário estudar separadamente cada uma delas.

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Entre 2013 e 2015, com a formulação brasileira e os resultados positivos da fase 1 dos Estados Unidos em mãos, o Butantan obteve aprovação da Anvisa para seguir para o ensaio clínico de fase 2, que incluiu 300 adultos brasileiros de 18 a 59 anos. Da mesma forma que a versão norte-americana, a vacina do Butantan gerou resposta imune robusta com apenas uma dose. Além disso, se mostrou segura tanto em quem já tinha tido contato com o vírus como naqueles que nunca tiveram a doença. Os resultados foram publicados na The Lancet Infectious Diseases.
 




A etapa decisiva (The Final Countdown)

Estabelecidas a segurança e a capacidade da Butantan-DV de gerar anticorpos contra os quatro sorotipos da dengue com apenas uma dose, o estudo caminhou para a fase 3 em 2016. O objetivo agora era avaliar a eficácia do produto, isto é, o quanto de fato ele protegia contra a doença em regiões de alta circulação do vírus.

Para concretizar o ensaio clínico, o Instituto Butantan estruturou uma rede de 16 centros de pesquisa, divididos em 14 estados brasileiros, que assumiram a missão de recrutar 16 mil voluntários de 2 a 59 anos. O Butantan forneceu capacitação aos profissionais de saúde dos centros envolvidos e deu suporte para criar a infraestrutura necessária para abarcar um dos maiores estudos clínicos já feitos no Brasil. 

A pesquisa prosseguiu até que cada um dos participantes completasse cinco anos de acompanhamento – era preciso avaliar a manutenção da resposta imune e da segurança ao longo do tempo.

Em janeiro de 2024, veio a boa notícia: os primeiros resultados da fase 3, referentes a dois anos de seguimento, mostraram uma eficácia geral de 79,6%. Em pessoas que já apresentavam anticorpos para a dengue antes do estudo, a proteção foi de 89,2%; naqueles que nunca haviam tido contato com o vírus, a eficácia foi de 73,6%. Os dados foram publicados no New England Journal of Medicine. 

A próxima publicação viria em agosto do mesmo ano na The Lancet Infectious Diseases, com dados de uma média de 3,7 anos de acompanhamento, mostrando uma eficácia de 89% contra a dengue grave ou com sinais de alarme. A vacina também se manteve segura e não foram detectadas preocupações adicionais de segurança.
 


Com os resultados satisfatórios, o Butantan encaminhou à Anvisa o pedido de registro da vacina da dengue em dezembro de 2024, quando entregou a última leva de documentos exigidos pelo órgão regulador.

A aprovação da Butantan-DV para pessoas de 12 a 59 anos, anunciada nesta quarta-feira (26/11), foi embasada nos últimos resultados da fase 3, que contemplam os cinco anos de acompanhamento dos voluntários. Em adolescentes e adultos, os dados apontaram 74,7% de eficácia geral e 91,6% de eficácia contra dengue grave e com sinais de alarme.

A expectativa é que a Butantan-DV seja incorporada ao Programa Nacional de Imunizações (PNI) e disponibilizada ao sistema público de saúde em 2026.


20 milhões de casos em 20 anos

O registro da tão aguardada vacina do Butantan vem em um momento marcante, seguido da maior epidemia de dengue da história do Brasil: em 2024, o país atingiu a marca de 6,5 milhões de casos prováveis, quatro vezes mais do que em 2023. Em 2025, até novembro, foram notificados 1,6 milhão de casos prováveis.

A dengue é uma doença que circula no Brasil desde a década de 1980, quando a primeira epidemia foi documentada em Boa Vista (RR). O mosquito Aedes aegypti, vetor do vírus, se espalhou por todo o país devido ao clima favorável e ao crescimento dos centros urbanos. Entre 2000 e 2024, foram notificados um total de 24 milhões de casos prováveis e 16 mil mortes.

Metade da população mundial vive em risco de contrair o vírus da dengue, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). A organização estima que cerca de 100 milhões a 400 milhões de casos ocorram todos os anos. Embora a infecção possa ser assintomática, existem pacientes que evoluem para a forma grave, que pode causar hemorragia e até a morte sem o tratamento adequado.

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