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Pesquisador do Butantan aborda estudos de desafio em humanos em artigo publicado na Trials


Publicado em: 14/01/2020

O gerente médico de Ensaios Clínicos do Instituto Butantan, Ricardo Palacios, e a advogada americana e especialista em bioética, Seema K. Shah, publicaram o artigo intitulado “Quando testes humanos de desafio podem ser implantados para combater doenças infecciosas emergentes? Lições do caso de um teste de desafio humano com vírus Zika”, na edição de dezembro da revista científica Trials. Nele, os autores relatam a discussão e as conclusões de um grupo de especialistas que, a convite dos Instituto Nacionais de Saúde dos Estados Unidos, se reuniram em 2016 para discutir os limites éticos de estudar a infecção pelo Zika pela inoculação deliberada do vírus em voluntários. Essa forma de ensaios clínicos, denominados “estudos de desafio” – ou, em inglês, Human Challenge Trials (HCTs) – podem se tornar necessários para preparar a resposta a uma epidemia causada por vírus ainda não conhecido ou que tenha se modificado.

Segundo o artigo, estudos de desafio já tem sido realizados em pesquisas relacionadas à febre amarela, malária, cólera, influenza e febre tifoide, por exemplo. Eles permitem aos cientistas entender melhor os primeiros estágios de uma doença causada por agentes infecciosos, e também acelerar o processo de testes de intervenções, como vacinas ou tratamentos. Há, no entanto, aspectos éticos e práticos a serem considerados para avaliar se um estudo de desafio se justifica ou não. Por exemplo, a avaliação dos riscos que a infecção trará para os voluntários e para terceiros, entre outros. “Como em todo estudo, num primeiro momento, partimos de uma pergunta que seja cientificamente relevante, algo que, por outros meios, não seria possível obter informações, até porque estamos falando de algo que expõe os potenciais participantes da pesquisa a um risco maior do que o usual. São casos muito específicos, envolvendo uma amostra muito pequena e controlada”, afirma Palacios.

 

O exemplo do vírus Zika

Em 2016, a Organização Mundial de Saúde declarou a epidemia de Zika no Brasil e em outros países uma “emergência de saúde pública internacional”.  Diante disso, pesquisadores propuseram um estudo de desafio com voluntários sadios nos Estados Unidos, o que motivou a formação do painel internacional de especialistas, independente e multidisciplinar para examinar a questão. 

Após meses de discussões, foi elaborado um relatório, publicado em fevereiro de 2017, que concluiu que o HCT do vírus zika poderia ser eticamente justificado em princípio, mas seria prematura a sua realização à época devido a incertezas sobre o período de infecção do vírus, a probabilidade de exposição de terceiros, dúvidas sobre sua aplicação no desenvolvimento de uma vacinas, entre outros. O relatório também serviu de base para aplicação do HCT em outros tipos de infecções emergentes, além de apontar para a importância de uma preparação ética para o advento de futuros surtos e garantir não só o bom uso dos recursos, mas também respostas rápidas e confiáveis numa emergência de saúde pública.

 

Aplicação em uma "doença x"

No artigo, Palacios e Shah ainda consideram esse tipo de experiência uma alternativa importante, guardado os devidos critérios éticos, para possíveis epidemias futuras e ainda desconhecidas, o que Organização Mundial de Saúde (OMS) chama de "doença x". "Considera-se 'doença x' aquela que não se conhecia uma patogenicidade importante, mas que, de um momento para outro, muda seu comportamento, e passa a ter. Por isso a importância de discutir como uma essa ferramenta (HCT) e outras para nos prepararmos para essa potencial nova doença", explica Palacios. 

O gerente médico de Ensaios Clínicos do Butantan falou um pouco mais sobre o artigo e explicou o que são e em que condições podem ser aplicados o estudos de desafio humano aqui. Confira o vídeo aqui.

 

(por Luana Paiva)