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Técnicos de Myanmar fazem imersão no Butantan para aprimorar produção local de soros antiveneno

Ação faz parte de projeto de cooperação internacional brasileira, coordenado pela Agência Brasileira de Cooperação (ABC), do Itamaraty, em parceria com o Instituto Butantan e os ministérios da Saúde e das Indústrias do país asiático


Publicado em: 19/08/2024

Técnicos do Complexo Industrial Farmacêutico de Myanmar passaram duas semanas no Instituto Butantan, em São Paulo, entre os dias 29/7 e 9/8, para mais uma etapa do projeto de cooperação internacional entre o Brasil e o país asiático. A iniciativa, focada no compartilhamento de conhecimentos sobre produção de antivenenos, faz parte do projeto “Melhoramento de metodologias e técnicas de produção de soro antiofídico em Myanmar – fase II: qualidade do antiveneno”, coordenado pela Agência Brasileira de Cooperação (ABC), do Ministério das Relações Exteriores, em parceria com o Instituto Butantan e os Ministérios da Saúde e da Indústria de Myanmar. 

A ação começou em 2023 e durará dois anos, com previsão de ida de pesquisadores do Butantan a Myanmar até 2025 para avaliação dos processos de produção. 

“Tivemos o prazer de receber uma delegação de técnicos de Myanmar, que realizam a produção do soro, para treinamentos nas nossas dependências visando a melhoria de seus processos e métodos de produção. Nesta etapa do projeto, o foco foi na melhoria dos processos de obtenção dos venenos, preparo de antígenos, controles do processo, além da imunização e coleta de plasma”, afirma a diretora de produção de soros do Instituto Butantan, Fan Hui Wen.

A delegação de técnicos de Myanmar conhece o Parque da Ciência Butantan

 

Segundo o coordenador de cooperação técnica com África, Ásia e Oceania da ABC, Nelci Caixeta, "a continuidade deste projeto reforça o compromisso do Brasil em compartilhar conhecimento e fortalecer as capacidades locais de produção de soro antiofídico em Myanmar, contribuindo diretamente para a saúde e segurança da população daquele país asiático".

Na primeira fase do projeto, entre 2014 e 2016, o governo brasileiro solicitou ao Butantan auxiliar o governo de Myanmar na ampliação da produção do soro antiofídico, e na melhoria da qualidade e eficácia do produto. Na época, pesquisadores do Butantan foram ao país asiático para capacitar técnicos locais e alguns cientistas mianmarenses vieram ao Instituto para se aprimorar. 

“Nessa nova fase, tivemos oportunidade de aprofundar o treinamento nos temas definidos pelos técnicos da fábrica de Myanmar como de maior prioridade para a melhoria da produção dos soros. O intercâmbio de experiências foi extremamente rico. Estamos muito satisfeitos com a contribuição que pudemos oferecer”, diz Fan.

Segundo a diretora, através das experiências do Butantan e das demandas dos colegas asiáticos, foi possível traçar possibilidades de incremento dos processos do país. “Estamos confiantes que algumas melhorias permitirão aprimorar a qualidade dos produtos fabricados pela Burma Pharmaceutical Industry [nome original do complexo industrial farmacêutico de Myanmar]. Ao mesmo tempo, também foi uma grande oportunidade de crescimento para nossos técnicos, de conhecer experiências profissionais e culturais diversas”, ressalta Fan.

 

A diretora de produção de soros do Instituto Butantan, Fan Hui Wen, e o diretor de produção Ricardo das Neves Oliveira recebem a delegação do país asiático

 

Aprimoramento

Participaram da imersão no Instituto Butantan a gerente-geral de Desenvolvimento do Complexo Industrial Farmacêutico de Myanmar, Mya Nila Win; o responsável-geral pela obtenção de plasmas hiperimunes, Kyi Maw Tun; o veterinário encarregado dos cuidados dos equinos, Hsu Pyae Kyaw, e o zoólogo Ye Win Naing, responsável pelo biotério de serpentes, extração e análise dos venenos. No Laboratório de Herpetologia e no Biotério de Artrópodes puderam aprimorar técnicas de manutenção de serpentes em cativeiro, extração e processamento de veneno, conceitos e práticas laboratoriais de análise dos venenos e de liofilização, entre outras. 

Técnicos observam extração de veneno de Naja no Laboratório de Herpetologia do Instituto Butantan

 

Os técnicos também passaram quatro dias na Fazenda São Joaquim, acompanhando a preparação de antígenos para imunização de cavalos, o processo de imunização dos cavalos e a coleta automatizada de plasma destinado à produção dos soros do Butantan.

Para a líder da delegação, Mya Nila Win, a visita a São Paulo significou uma troca de experiências e de conhecimento “muito úteis e efetivos e que certamente serão aplicados em Myanmar”.

“Durante essas duas semanas aprendemos o processo de fazer e os testes de controle de processo dos venenos. Sinto-me muito feliz e afortunada. Estamos muito agradecidos por termos tido essa oportunidade. Eu acredito que tudo isso possa aprimorar nossa capacidade de produção de antivenenos”, disse a gerente-geral de desenvolvimento do Complexo Industrial Farmacêutico de Myanmar. 

 


Outro momento de extração de veneno de Naja capturado pelos técnicos

 

Gargalos

Myanmar sofre com o alto número de acidentes com as serpentes Daboia siamensis e Naja kaouthia, além de viver com a escassez de recursos científicos e tecnológicos, por ser um país eminentemente agrícola, onde quase metade da população (49,7%) vive abaixo da linha da pobreza, segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD, na sigla em inglês). 

Com 2,7 vezes o tamanho do estado de São Paulo, a nação asiática registra mais de 15 mil acidentes ofídicos por ano, segundo levantamento realizado em 2014 pelo Ministério da Saúde e dos Esportes, o que representa uma incidência de 19 acidentes a cada 100 mil habitantes. No Brasil, onde o território é muito maior, em 2022 foram registrados 30 mil acidentes com picadas de serpentes, o que corresponde a 14,5 casos a cada 100 mil habitantes, segundo o Ministério da Saúde. Vale ressaltar que Myanmar não possui um sistema de vigilância em saúde como o brasileiro e, portanto, o número de casos de ofidismo no país deve ser bem maior. 

 

Técnicos testam processo de liofilização do soro no Laboratório de Herpetologia

 

Durante as atividades no Instituto, os técnicos falaram sobre alguns gargalos da cadeia de produção de soros em seu país, como o número reduzido de profissionais especializados e dedicados às operações, limitando a realização de cuidados veterinários específicos, tanto para serpentes como para os cavalos, e a realização de análises para controle do processo da formação de pools de veneno, e do plasma produzido a partir da imunização com os antígenos derivados. 

“Nessas duas semanas aprendemos novos conceitos também, como a plasmaférese automatizada, o que é totalmente novo para mim. Como veterinário, adorei ver como mudou a fazenda, conhecer mais sobre a saúde dos cavalos, sobre o manejo e todo o sistema aplicado lá. Foi muito interessante”, afirmou Hsu Pyae Kyaw.

 

 Hsu Pyae Kyaw e Kyi Maw Tun recebem instruções sobre a imunização dos equinos na Fazenda São Joaquim

 

Hsu Pyae Kyaw esteve no Butantan em 2015, na primeira fase do programa, mas afirma que a segunda experiência foi bastante diferente.

“A plasmaférese automatizada é algo novo porque, em 2015, eu não vi isso antes. Percebo um maior desenvolvimento, com novas estruturas, novas fábricas, novas lideranças. Fico muito feliz de ver tantas mudanças boas”, reiterou.

 

Mya Nila Win e Ye Win Naing em laboratório do complexo industrial da Fazenda São Joaquim

Troca de experiências

Tanto o Butantan quanto Myanmar produzem antivenenos, mas de maneiras e com tecnologias distintas, o que permitiu uma intensa troca de experiências entre as equipes. “Essa troca de informações acaba sendo produtiva tanto para eles, que recebem informações, como para nós, que também recebemos insights. É uma cooperação importante para ambos os lados”, afirmou o gerente de produção de Obtenção de Soros Hiperimunes (OPH) do Butantan, Gustavo Perrotti, que recebeu a delegação na Fazenda São Joaquim. 

 

O gerente de produção de Obtenção de Soros Hiperimunes (OPH) do Butantan, Gustavo Perrotti, recebeu a delegação na Fazenda São Joaquim

 

O compartilhamento de experiências também foi celebrado pela coordenadora de produção de Obtenção de Plasmas Hiperimunes (OPH) do Butantan, Ana Carolina de Morais Ribeiro. “Pouquíssimas empresas fazem os soros que fazemos. A oportunidade do contato com um fabricante de fora do Brasil foi muito interessante para perceber onde estamos e como podemos contribuir com eles também”, completou Ana Carolina.

 

A coordenadora de produção de Obtenção de Plasmas Hiperimunes (OPH) do Butantan, Ana Carolina de Morais Ribeiro, abordou com a equipe a produção de soros hiperimunes

 

Cooperação internacional

Para Mya Nila Win, o mais importante dessa nova fase do programa bilateral entre Brasil e Myanmar é que a cooperação internacional permitirá “melhores resultados para a indústria e trará o impacto na qualidade e no desenvolvimento sustentável dos soros antivenenos do país”.

A experiência de conhecer fábricas, laboratórios e as instalações da Obtenção de Plasmas Hiperimunes, na Fazenda São Joaquim, onde vivem mais de 800 cavalos, foi resumida por Mya Nila Win em quatro palavras: excelência, inovação, cooperação e colaboração.

“Nós sempre vamos lembrar do Butantan como um lugar onde não somente fizemos treinamentos, mas um lugar de experiências e de ambientes colaborativos”, concluiu.

 

Reportagem: Camila Neumam
Fotos: Renato Rodrigues, André Ricoy e José Felipe Batista