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Em trabalho noturno e preciso, pesquisadora do Butantan já descreveu mais de 300 espécies de aranhas

As preferidas da bióloga Cristina Rheims são as da família Sparassidae, também chamadas de “aranhas-caçadoras”


Publicado em: 31/10/2022

A bióloga Cristina Anne Rheims, atualmente pesquisadora do Laboratório Especial de Coleções Zoológicas do Butantan, começou sua carreira como estagiária no instituto em 1996. No início, estudava espécies pequenas de aranhas, mas logo percebeu a sua paixão pelas aranhas maiores. “Aranha pequena é muito complicada de dissecar. Eu queria trabalhar com aranhas grandes. Foi quando escolhi as Sparassidae”, conta. Cristina é taxonomista, especialista na descrição e classificação de novas espécies de aranhas, e já descreveu 308 espécies de 11 famílias diferentes.

As aranhas da família Sparassidae impressionam pelo seu tamanho. A maior de todas é a aranha-caçadora-gigante (Heteropoda maxima), do sudeste asiático, que chega a atingir 30 cm de diâmetro. As Sparassidae não precisam de teias para capturar suas presas. Seu comportamento é solitário, em caça permanente. O grupo é encontrado em todos os continentes, exceto a Antártica.

 

A família Sparassidae compreende 91 gêneros e 1.326 espécies. Uma em cada dez foi Cristina quem descreveu. “Só de Sparassidae, já descrevi 139 espécies. Ao todo, descrevi 308 espécies de aranhas de 11 famílias diferentes. Quanto aos gêneros, sou autora de 18”, diz a aracnóloga.

Em seu trabalho mais recente, publicado na revista Zootaxa, Cristina descreveu 25 novas espécies sul-americanas de Sparassidae. Ela acredita que ainda há muito para encontrar. “Deve ter muito mais espécies desconhecidas, pois há locais onde nunca se fez coleta. Se eu continuar apenas trabalhando com Sparassidae, terei trabalho para o resto da vida.”

 

Coletando e descrevendo as aranhas

O trabalho de um taxonomista pode ser feito a partir do estudo de espécimes depositados nas coleções dos museus em todo o mundo, a partir dos quais pode ser descoberta uma nova espécie ou gênero. Mas também é possível realizar expedições de campo para coletar espécimes desconhecidos – a própria Cristina já participou de diversas expedições por todo o Brasil e pela América do Sul.

As coletas acontecem sempre à noite, pois as Sparassidae são animais noturnos. A pesquisadora percorre a mata com uma lanterna na cabeça e vai procurando pequenos pontos luminosos pela vegetação. “Quando as aranhas estão paradas, seus olhos brilham com um reflexo azulado. Aí é só capturá-las. Vou coletando todos os espécimes que encontro. Em única noite, costumo coletar entre 100 e 200 aranhas.”

De volta ao laboratório, a cientista faz a triagem do material coletado. Ela separa os animais e seleciona as famílias de interesse. “Gosto de descrever espécies. Eu observo os bichos e desenho suas estruturas, faço medidas, tiro fotos, reunindo todos os dados necessários para a descrição formal”, explica.

 

 

Ao identificar um exemplar desconhecido, Cristina checa os bancos de dados online e a literatura científica para verificar se, de fato, trata-se de uma nova espécie. Em caso positivo, o estudo do animal começa por sua genitália. “Nos machos, o órgão genital é o palpo. Nas fêmeas, se chama epigino. A identificação começa pela genitália porque ela é fácil de observar, e também porque há gêneros com espécies muito parecidas. É o caso, por exemplo, das Sparassidae australianas.”

Em outro trabalho recente sobre as Sparassidae australianas publicado na Molecular Phylogenetics and Evolution, Cristina colaborou com pesquisadores americanos da Universidade de Cornell e da Academia de Ciências da Califórnia. A equipe descobriu que as primeiras Sparassidae surgiram há cerca de 100 milhões de anos, e que o ancestral comum a todas as espécies viveu há cerca de 90 milhões de anos.

 

Astros (ou aranhas) do rock

Em 2019, Cristina resolveu batizar quatro espécies de aranhas-caçadoras com nomes de artistas de bandas de rock e heavy metal, criando para elas um novo gênero chamado Extraordinarius. Apreciadora do gênero musical, a cientista homenageou os músicos Andre Matos (das bandas brasileiras Viper, Angra e Shaman), Rick Allen (da banda inglesa Def Leppard), Klaus Meine (vocalista da banda alemã Scorpions) e Bruce Dickinson (da banda britânica Iron Maiden). Os nomes das quatro espécies são Extraordinarius andrematosi, E. rickalleni, E. klausmeinei e E. brucedickinsoni.

“A notícia saiu com destaque em 27 publicações internacionais de rock. Fiquei famosa!”, conta.

 

 

Este texto é uma colaboração do jornalista científico Peter Moon para o portal do Butantan