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Butantan sedia evento da OPAS com países da América Latina e Caribe para criar estratégia regional contra acidentes com animais peçonhentos

1ª Reunião de Programas de Acidentes por Animais Venenosos de América Latina e Caribe reuniu 21 países para pontuar prioridades no monitoramento e no acesso aos antivenenos


Publicado em: 25/08/2025

Reportagem: Camila Neumam
Fotos: André Ricoy

O Instituto Butantan foi o anfitrião da 1ª Reunião de Programas de Acidentes por Animais Venenosos de América Latina e Caribe (REDPEVA), ocorrida nas últimas quinta (21/8) e sexta (22/8), com o objetivo de fortalecer ações conjuntas de enfrentamento dos acidentes por animais peçonhentos de 21 países da região.

A reunião foi organizada pelo Centro Pan-Americano de Febre Aftosa e Saúde Pública Veterinária (PANAFTOSA), da Organização Pan-Americana da Saúde e Organização Mundial da Saúde (OPAS/OMS), e recebeu diretores, coordenadores e técnicos que atuam nos sistemas públicos de saúde do Brasil, Jamaica, Costa Rica, Haiti, Guiana Francesa, Guatemala, El Salvador, Equador, Paraguai, Cuba, Belize, Uruguai, Venezuela, Suriname, Santa Lúcia, Peru, Panamá, Nicaragua, México e Martinica.

No encontro, os especialistas pontuaram a necessidade da criação de uma rede colaborativa de compartilhamento de conhecimento entre os países; o uso de tecnologia para mapeamento das áreas de risco; a padronização da vigilância; e melhorias no acesso aos antivenenos na região, com o objetivo de reduzir a mortalidade e as sequelas permanentes, assim como a carga social e econômica gerada por acidentes com animais peçonhentos na região.
 

1ª REDPEVA foi composta por mesa de delegados de 21 países 

 

Esforço conjunto

Na abertura do evento, o diretor do Instituto Butantan, Esper Kallás, ressaltou que a organização, maior produtora de soros contra venenos de animais peçonhentos da América Latina, está empenhada em trabalhar em conjunto pelo fortalecimento de estratégias de contenção dos acidentes com animais peçonhentos na região.

“O Butantan estará sempre de braços abertos para recebê-los aqui para trocar ideias para a nossa região ficar cada vez mais forte para reagir a essa necessidade de saúde pública”, afirmou. 

Saiba mais sobre o processo de produção dos soros do Butantan

A diretora técnica de produção de soros do Butantan, Fan Hui Wen, destacou o trabalho centenário do Butantan no oferecimento dos antivenenos lembrando Vital Brazil (1865-1950), o primeiro diretor do Instituto.

“Esse é o legado da instituição, que está empenhada em enfrentar o problema de saúde pública que envolve vários agravos representados pelo envenenamento de animais peçonhentos e as perdas de vidas e perdas econômicas”, ressaltou.

O esforço regional está alinhado ao compromisso da OMS, que incluiu o envenenamento por serpentes em sua lista de doenças negligenciadas em 2017. Em 2019, a organização promoveu um pacto com os países-membros e aprovou uma estratégia para a prevenção e controle, com o objetivo de reduzir a mortalidade e incapacidade por envenenamento por serpentes em 50% até 2030.

Reconhecendo a importância deste problema nas Américas, o PANAFTOSA assumiu a coordenação regional dos temas relacionados aos acidentes causados por animais peçonhentos na região, e iniciou um programa de apoio aos seus estados-membros. 

 

O diretor da OPAS, Jarbas Barbosa, reforça a importância da união de países da América Latina e Caribe para diminuir mortes e sequelas associadas ao acidentes com animais peçonhentos

O diretor da OPAS, Jarbas Barbosa, ressaltou a importância de uma resposta conjunta para evitar mais mortes e sequelas que podem ser prevenidas. “Isso exige uma resposta regional coordenada e sustentada, com base no enfoque de Saúde Única, ou seja, de saúde humana, animal e ambiental”, afirmou em vídeo.

O diretor da PANAFTOSA, Otorrino Cosivi, salientou a importância de reunir os países em uma estratégia comum.

“Há um comprometimento do nosso time para, ao lado do time da OPAS e dos países da região, trabalharmos juntos na construção de estratégias, soluções de informação e plataformas com foco, sobretudo, nos países mais vulneráveis”, afirmou.

No segundo dia do encontro, a OPAS lançou o guia Diagnóstico e Tratamento do Envenenamento por Serpentes na América Latina e Caribe, publicação feita pela PANAFTOSA em conjunto com especialistas da área, com base em evidências científicas aplicadas ao contexto da América Latina e Caribe.

“Não deixem de aproveitar a expertise dos institutos, o conhecimento compartilhado. Permitam que ele seja espalhado e que cresça, já que as faculdades de ciências da saúde nem sempre caminham na velocidade de quem precisa salvar vidas com o diagnóstico e o tratamento corretos”, disse Fan Hui Wen, uma das autoras do documento.

 

O professor da Faculdade de Microbiologia do Instituto Clodomiro Picado, da Costa Rica, José María Gutiérrez, e a diretora de produção de soros do Butantan, Fan Hui Wen, apresentam o guia Diagnóstico e Tratamento do Envenenamento por Serpentes na América Latina e Caribe, da OPAS

 

Escorpionismo preocupa 

Para o coordenador geral de Vigilância de Zoonoses e Doenças de Transmissão Vetorial da Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente do Ministério da Saúde, Francisco Edilson Ferreira de Lima Jr., os acidentes por animais peçonhentos são um tema desafiador em todo o subcontinente, principalmente pelo aumento da incidência de casos na América Latina e Caribe, e pela falta de estrutura de armazenamento de soros em algumas localidades. 

“O primeiro desafio é reduzir os óbitos e aumentar o acesso aos antivenenos, especialmente nas populações mais vulneráveis, além da necessidade de oferecer uma estrutura mínima de armazenamento dos antivenenos nas comunidades, com profissionais treinados para administrar soros, e mais esforços para evitar subnotificação de dados”, ressaltou. 

No Brasil, o aumento de acidentes por animais peçonhentos vem sendo impactado diretamente pelos números de acidentes com escorpiões. Esses artrópodes foram responsáveis por 202.324 acidentes e 134 óbitos em 2023, segundo o Sistema de Informação de Agravos e Notificação (Sinan) do Ministério da Saúde. O estado de São Paulo continua sendo o maior notificador de acidentes escorpiônicos, com 48.651 em 2023.

“O escorpionismo está diretamente relacionado com ações humanas, com a urbanização desordenada e com as mudanças climáticas que trazem impactos, principalmente, às populações mais vulneráveis. O maior desafio é melhorar o acesso ao soro, especialmente entre essas populações”, afirmou Edilson Ferreira de Lima Jr.

 

Da esq. para dir.: Marcos Vigilato (OPAS), Francisco de Lima Jr. (Ministério da Saúde), Otorrino Cosivi (PANAFTOSA), Esper Kallás (Butantan) compõem a mesa de delegados

 

Já em relação às picadas de serpentes, na América Latina e no Caribe são relatados mais de 57 mil casos a cada ano – dado considerado subnotificado, devido à falta de registro de acidentes ocorridos em áreas remotas ou com acesso limitado a serviços de saúde. No mundo, a cada ano, as picadas de serpentes afetam 5,4 milhões de pessoas, causando mais de 80 mil mortes e deixando cerca de 240 mil pessoas com incapacidades, segundo a OPAS.

Uma consulta recente da PANAFTOSA realizada nas Américas apontou que os casos de envenenamento por escorpiões e arraias aumentaram significativamente entre 2021 e 2024, com uma estimativa de 198.647 e 48.345 casos por ano, respectivamente. Os incidentes por picadas de serpentes e lagartas se mantiveram em 10,9 e 1,2 por cada 100 mil habitantes, mas também superaram as cifras dos anos anteriores.

A diretora geral do Instituto Nacional de Saúde da Colômbia, Diana Marcela Pava Garzón, abordou o aumento de casos por picadas de escorpião em áreas rurais do país que já sofrem com acidentes por serpentes. “Notificamos 1.979 casos de picadas de escorpião; destes, 831 foram em crianças, principalmente em áreas rurais da região de Antióquia”.

 

A diretora geral do Instituto Nacional de Saúde da Colômbia, Diana Marcela Pava Garzón, fala do aumento do escorpionismo no seu país

 

Capacitação de profissionais

A necessidade de capacitar mais profissionais de saúde para o diagnóstico de acidentes e a aplicação de antivenenos foi outra meta sugerida durante a reunião. A OPAS oferece um curso virtual de capacitação com certificado, indicado tanto para equipes médicas, quantos para outros profissionais envolvidos no socorro a acidentados.

Representantes dos Ministérios da Saúde de Honduras e Uruguai, por exemplo, abordaram como capacitam seus profissionais para diminuir a letalidade por diferentes tipos de acidentes em seus países.

A coordenadora do Centro de Informação Tecnológica da Universidade Nacional Autônoma de Honduras, Wendy Lizeth Cruz Romano, falou sobre o plano de ação criado por seu país para detectar acidentes por veneno de viúva-negra, e como é oferecido soro nos locais onde a aranha é endêmica.

“Muitos acidentes acontecem porque as pessoas não sabem o perigo e mostram a aranha até para crianças. Para evitar mortes, conseguimos os antivenenos de El Salvador, Nicaragua e Guatemala, e distribuímos por 22 hospitais de 18 cidades. Mas para isso precisamos treinar mais as equipes médicas”, disse.

 

A coordenadora do Centro de Informação Tecnológica da Universidade Nacional Autônoma de Honduras, Wendy Lizeth Cruz Romano, aborda acidentes por veneno de viúva-negra

 

Para a diretora de Zoonoses e Vetores do Ministério da Saúde Pública do Uruguai, Gabriela Willat, a capacitação dos profissionais de saúde deve ser contínua e envolver também a nova geração de médicos. “Protocolos salvam vidas e o acesso rápido a informação otimiza a resposta”, afirmou. Segundo ela, um ponto que fez diferença no país foi treinar as equipes quanto a fazer uma notificação mais acurada dos acidentes.

“Esperamos que, a partir de agora, com as ferramentas necessárias, possamos incrementar essas capacitações. A regra é planejar melhor e melhorar as informações a serem disponibilizadas. Será um trabalho interno que terá que ser feito nos próximos meses para planejar a partir do próximo ano”, disse o coordenador do PANAFTOSA, Marco Vigilato.

 

Para a diretora de Zoonoses e Vetores do Ministério da Saúde Pública do Uruguai, Gabriela Willat, a capacitação da nova geração de médicos é fundamental

 

Subnotificação de casos

Um dos problemas de todos os países da região é a subnotificação de casos, demonstrada em um painel que analisou dados fornecidos por 18 países. 

De acordo com o documento apresentado pela PANAFTOSA, 67% dos países têm guias, protocolos e diretrizes de vigilância de acidentes, mas 25% deles não receberam atualização de dados na última década; 50% seguem sem atualização de dados sobre acidentes com escorpiões; 58% sem dados de acidentes por aranhas; e 83% sem atualizações de acidentes por lonomias.

“O Brasil é o país que apresenta a maior incidência de acidentes na região porque é o país que mais notifica casos. Sabemos que neste relatório os dados estão subnotificados porque metade dos países da região não tem documentação ou está com ela desatualizada”, disse a consultora internacional da PANAFTOSA, María Elisa Peichoto.

María Elisa Peichoto (PANAFTOSA): é preciso empoderar comunidades para a prevenção

 

Vale ressaltar que entre os 21 países há realidades muito distintas. Diferentemente do Brasil, há países que não têm um programa de acidentes de animais peçonhentos, como Belize, ou não têm programas totalmente estabelecidos, além dos que sequer têm notificação compulsória de casos, como Santa Lucia.

O levantamento também mostrou dados mais otimistas  ao informar que 61% dos países capacitam seus profissionais e que as próprias notificações indicam que está havendo aprimoramento da checagem. “A capacitação provavelmente está relacionada à diminuição da letalidade e o aumento de casos pode ser sinal de melhor monitoramento”, afirmou a consultora internacional. 

Apesar disso, María Elisa Peichoto ressalta a necessidade de outras estratégias para aprimorar o monitoramento de casos na região. Segundo ela, para atingir a meta global de diminuição da OMS é necessário empoderar comunidades para a prevenção, dar mais ênfase à capacitação profissional, ser mais eficiente na coleta de dados, melhorar o planejamento da demanda, logística e dados que possam ser monitorados.

 

Situação brasileira

O Programa Nacional de Vigilância e Controle de Acidentes por Animais Peçonhentos do Brasil foi implantado em 1986 para reduzir a incidência dos acidentes e sequelas, diminuir sua gravidade e mapear as áreas de risco.

Os dados desse monitoramento mostram que os acidentes por animais peçonhentos resultaram em 344.138 notificações no Sinan em 2023. Também indicam que na região norte do país ocorrem 30% dos acidentes ofídicos e 31% dos óbitos, muitos deles entre os indígenas. Essa população, que se mostra a mais vulnerável pelo fato de viverem em áreas de mata, onde têm mais contato com os animais, e em regiões isoladas, longe de hospitais, têm mais dificuldade de acesso aos soros.

“Embora 4,5% dos acidentes ocorrem em pessoas que se autodeclaram indígenas, os óbitos nessa categoria representam 11,5% do total. Como forma de diminuir o problema, o Brasil aposta em um programa de descentralização dos soros antiveneno em áreas indígenas como Amazonas e Roraima e deve seguir para o Acre e Pará”, disse Lucia Regina Montebello Pereira, da Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente do Ministério da Saúde.

 

Lucia Regina Montebello Pereira, da Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente do Ministério da Saúde: Brasil aposta em programa de descentralização de soros em áreas indígenas

 

O projeto-piloto de descentralização dos soros contou com apoio do Instituto Butantan, que doou 800 frascos de antivenenos contra picada de jararaca e surucucu-pico-de-jaca (antibotrópico e antilaquético) para a região amazônica a fim de serem usados em Unidades Básicas de Saúde Indígena.

O Butantan produz 8 tipos de soros contra picadas de cobras, escorpiões e lagartas (lonomias), além de soros para tratamento do botulismo, raiva, tétano e difteria, totalizando 12 tipos diferentes de imunoglobulinas. A linha de produção dos soros antiveneno do Instituto é certificada em Boas Práticas de Fabricação (BPF) pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).