Este ano está sendo atípico em relação à dengue. Os números de casos seguiram em alta nos últimos meses, mesmo com a passagem das estações mais frias – época em que os registros tendem a diminuir. De acordo com o boletim epidemiológico nº 45 de 2022, publicado pelo Ministério da Saúde, 1.400.100 de casos prováveis de dengue foram registrados até 5 de dezembro, um aumento de 172% em relação a 2021. Em 23 de março, período que coincide com o término do verão, pouco mais de 250 mil casos haviam sido registrados.
O inverno atípico, com dias mais úmidos e quentes, assim como a retomada da população à normalidade depois de dois anos de restrições sociais impostas pela pandemia de Covid-19, e as medidas pouco eficientes de combate ao vetor podem ter contribuído para o boom. “São as influências climáticas. Tivemos as mais altas temperaturas observadas no inverno ao longo do tempo. E se tem água em excesso e calor, sabemos que os mosquitos vão colocar ovos que logo vão eclodir e, assim, se multiplicar”, observa a gerente de projetos do Laboratório Piloto de Vacinas Virais do Butantan Neuza Gallina.
Segundo balanço do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), neste ano as chuvas durante o período frio foram próximas e acima da média em quase todas as regiões brasileiras. Já as temperaturas ficaram acima da média, principalmente nas regiões Norte, Centro-Oeste e Sul. Dos seis municípios que apresentaram os maiores registros de casos de dengue durante o período, quatro estão nessas regiões: Brasília, Goiânia, Aparecida de Goiânia e Joinville – as cidades paulistas de Araraquara e São José do Rio Preto completam a lista.
Até o início de dezembro, 978 óbitos haviam sido registrados – oito a menos do que o apontado em 2015, quando houve um recorde anual de mortes pela doença. Com a chegada do período mais quente do ano e o aumento na incidência de chuvas, a tendência é que o número de casos cresça ainda mais. Isso porque o acúmulo de água parada, comum em épocas chuvosas, contribui para a proliferação do mosquito e maior disseminação da doença. As fêmeas do Aedes aegypti, principal vetor da dengue, fazem seus criadouros em água limpa e parada. Em condições favoráveis de umidade e temperatura, o desenvolvimento do embrião do mosquito é concluído em apenas 48 horas.
Impactos da pandemia
Desde os primeiros casos de coronavírus no Brasil, em fevereiro de 2020, observou-se uma queda nos registros de dengue. De acordo com o Ministério da Saúde, o cenário pode ter sido um reflexo de subnotificação ou atrasos nas notificações, uma vez que diversas equipes de vigilância e assistência foram mobilizadas para o combate do SARS-CoV-2, e o próprio receio da população em procurar atendimento nas unidades básicas de saúde.
Outra leitura seria que as medidas impostas para frear a propagação de Covid-19 teriam contribuído, de forma não intencional, a impedir novas infecções pelo vírus da dengue. Um artigo publicado na revista científica The Lancet estimou que cerca de 720 mil casos de dengue deixaram de ocorrer no mundo em 2020.
Medidas de prevenção e sinais de alerta
Mesmo com todas as variáveis, a pesquisadora científica Neuza Frazatti Gallina reforça que esses picos de casos já são previstos. “É um cenário que se repete, mais ou menos, a cada quatro anos. A gente não sabe muito bem o porquê, mas isso acontece”, observa a cientista. “Como ainda não temos uma maneira efetiva de combater a doença, tudo depende da educação da população para o controle do vetor”, completa.
Com a chegada da temporada de calor é essencial reforçar os cuidados para combater a proliferação do mosquito. Em casa, a recomendação é manter quintais limpos e livres de focos de água parada, deixando reservatórios e outros lugares que acumulam água totalmente cobertos.
Além disso, é importante esvaziar e esfregar os recipientes de tempos em tempos, uma vez que os ovos do Aedes aegypti adquirem resistência ao ressecamento, podendo sobreviver por até 450 dias sem água. Em áreas de transmissão é adequado o uso de repelentes aprovados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) – com DEET, Icaridin, Picaridin, EBAAP e IR3535 – para evitar as picadas do mosquito, que acontecem principalmente durante o dia.
Sobre a doença
Os principais sintomas da dengue são febre alta (superior a 38 °C), dor no corpo, nas articulações, atrás dos olhos e dor de cabeça, mal-estar, falta de apetite e surgimento de manchas vermelhas. Se houver suspeita, deve-se buscar atendimento médico imediato.
A dengue é um desafio, pois existem quatro tipos diferentes do vírus. “Quando uma pessoa é infectada, ela desenvolve anticorpos contra aquele único vírus e não fica protegida em relação aos outros três. Se ela for infectada novamente por um tipo diferente daquele primeiro, os anticorpos que foram previamente criados deixam o novo vírus ainda mais potente, o que pode levar a um quadro grave de dengue hemorrágica”, explica Neuza. Dor abdominal intensa, vômitos persistentes, letargia e sangramento da mucosa são sinais de alerta.
Acessível apenas no sistema particular de saúde, a vacina contra a dengue disponível hoje tem baixo impacto no controle da doença, uma vez que só pode ser aplicada em pessoas entre 9 e 45 anos, que já foram infectadas pelo vírus.
Desde 2010, o Instituto Butantan trabalha no desenvolvimento de um imunizante que combata a doença. “A nossa vacina é muito boa. É um imunizante seguro, que produz anticorpos protetores para os quatro tipos de vírus da dengue (1, 2, 3 e 4). Necessita apenas de uma única dose aplicada e poderá ser usada em pessoas de 2 a 59 anos, independente se ela já teve ou não a doença”, explica Neuza. Atualmente, o imunizante do Butantan encontra-se na última etapa de ensaios clínicos, e o estudo deve ser finalizado até 2024.