A biologia computacional, que inclui ferramentas como inteligência artificial e aprendizado de máquina, é uma estratégia importante para ajudar a identificar genes relacionados a casos graves de diversas doenças, como Covid-19, Chikungunya, febre amarela e até mesmo câncer. O assunto foi discutido na terça (8) pelo pesquisador Hospital Israelita Albert Einstein Helder Nakaya durante o segundo dia do workshop Emerging Infectious Diseases: Biology, Prevention and Treatment, sediado pela primeira vez no Brasil, no Instituto Butantan. O evento organizado pelo International Centre for Genetic Engineering and Biotechnology (ICGEB) vai até sexta (11).
Partindo do conhecimento de que cada sistema imune é único e reage de forma diferente a uma doença, uma vacina ou um medicamento, modelos computacionais capazes de analisar milhares de dados podem mostrar quais são os genes mais importantes relacionados a determinada condição que se estuda, para tentar compreender, por exemplo, o que torna essas respostas tão diferentes.
“A biologia, assim como a medicina, está se tornando cada vez mais exata. Acredito que hoje o papel dos cientistas de dados, capazes de ajudar a desenvolver e interpretar modelos matemáticos que possam ser aplicados para a saúde, anda em paralelo com a biologia e medicina tradicional”, apontou Helder, que também é um dos pesquisadores principais do Centro de Pesquisa em Doenças Inflamatórias (CRID), apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).
Segundo o cientista, que tem conduzido análises computacionais sobre diferentes doenças, é possível observar que, de certa forma, as doenças humanas são muito parecidas. Em geral, elas induzem o aumento da expressão de genes relacionados à inflamação. “Dessa forma, quando você cria modelos computacionais que podem ser usados para determinada doença, é relativamente fácil tentar aplicá-los para outras condições.”
Covid-19
Um estudo recente publicado pela equipe de Helder na revista científica Frontiers in Medicine mostrou que pacientes com esôfago de Barrett – doença que afeta o revestimento do esôfago – têm uma expressão maior de ACE-2 no órgão do que pessoas sem a condição, que pode estar associada ao baixo pH. Dessa forma, a doença pode ser considerada uma comorbidade que contribui para a gravidade da Covid-19, uma vez que a proteína ACE-2 é a “porta de entrada” do SARS-CoV-2 nas células humanas.
Além disso, em duas coortes independentes de 1.357 pacientes com Covid-19 que faziam uso de medicamentos que reduzem a secreção gástrica, como omeprazol e semelhantes, foi observado um risco de 2 a 3 vezes maior de morte em comparação com os indivíduos que não tomavam esses fármacos. “Esses achados sugerem que a redução do pH fisiológico, causado pela acidez estomacal, pode ter um papel importante na gravidade da Covid-19”, informa o artigo.
Chikungunya
Em outra pesquisa publicada na PLOS Pathogens, feita em parceria com o Butantan, o grupo analisou células sanguíneas de pacientes infectados pelo vírus Chikungunya durante o surto de 2016 e identificou a assinatura gênica da doença – ou seja, o conjunto de genes que tem sua expressão alterada durante a infecção pelo patógeno. Isso ajuda a entender como o vírus atua nas células e como o sistema imune responde à infecção.
Os pesquisadores também identificaram os genes específicos que, com expressão aumentada, podem indicar se o paciente tende a evoluir para um quadro de artralgia crônica (inflamação nas articulações).
Ao comparar os marcadores genéticos da Chikungunya com outros previamente identificados para dengue, doença muito parecida, foi possível encontrar as diferenças genéticas e verificar quais genes eram específicos para a Chikungunya. O conhecimento abre caminho para o desenvolvimento de fármacos contra a doença.
Atualmente, o Butantan estuda o desenvolvimento de uma vacina contra a Chikungunya, em parceria com a empresa de biotecnologia franco-austríaca Valneva. O imunizante já passou pela fase 3 de ensaios clínicos nos Estados Unidos e também está sendo testado no Brasil, para avaliar a eficácia do produto em uma região endêmica da doença.
Conectando dados de saúde pública
A biologia computacional também pode contribuir para melhorar o planejamento de políticas públicas de saúde e dar suporte a diferentes pesquisas na área. É o caso da ferramenta Tucuxi-BLAST, desenvolvida sob coordenação de Helder Nakaya e disponibilizada em julho deste ano, que é capaz de vincular e analisar diferentes bases de dados de saúde com milhões de informações.
A plataforma codifica os registros de cada banco de dados de forma padronizada, permitindo cruzar dados de diferentes bancos mesmo quando há erros e inconsistências na descrição dessas informações – por exemplo, um erro de digitação no nome de uma pessoa. A ferramenta consegue identificar que são dados do mesmo indivíduo provenientes de bancos diferentes. É possível cruzar, por exemplo, dados de pessoas vacinadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) com dados de bancos epidemiológicos para identificar quem foi imunizado e contraiu determinada doença.
Os trabalhos liderados por Helder envolvem uma equipe de mais de 30 pessoas, além de uma extensa rede de colaboradores das áreas de matemática e ciência da computação, e de pesquisadores que conduzem testes em laboratório para validar os genes identificados durante as análises computacionais.