A nova variante popularmente chamada de deltacron do vírus SARS-CoV-2, que combina o material genético das duas cepas, foi reconhecida pela Organização Mundial da Saúde em 9/3 e suas características epidemiológicas ainda estão sendo analisadas. Até então, não houve confirmação da presença da cepa no Brasil, mas um caso suspeito no estado do Pará está sendo investigado; outro possível caso no Amapá já foi descartado pelo Ministério da Saúde.
Segundo a pesquisadora do Instituto Butantan Maria Carolina Sabbaga, uma das coordenadoras da Rede de Alerta das Variantes e vice-diretora do Centro de Desenvolvimento Científico (CDC), a deltacron se originou quando as duas variantes infectaram uma mesma pessoa e passaram por um processo chamado de recombinação. Quando o vírus infecta uma célula, ele precisa fazer várias cópias de seu material genético (no caso do SARS-CoV-2, o RNA) para gerar novas partículas virais. Essas cópias são feitas pela enzima RNA polimerase, que sintetiza o novo RNA usando o existente como molde. Quando RNAs de diferentes cepas estão presentes na mesma célula, a enzima pode errar e gerar um novo RNA copiando parte do molde de uma variante e parte do molde de outra.
Assim, forma-se a nova cepa, que neste caso tem características tanto da delta como da ômicron. “É como se você tivesse dois cadernos juntos, lado a lado, e você estivesse copiando apenas um deles. Você pode começar copiando um e, sem perceber, copiar partes do outro caderno”, explica a cientista.
Até o momento, a deltacron foi identificada em 73 amostras na França, Bélgica, Alemanha, Dinamarca e Holanda, segundo informações da plataforma GISAID, onde cientistas do mundo compartilham sequências do SARS-CoV-2 e do vírus influenza. “Outras investigações são necessárias para determinar se estes recombinantes derivam de um único ancestral comum ou podem resultar de vários eventos semelhantes de recombinação”, informou a GISAID em comunicado oficial.
Também foram relatados dois casos de deltacron nos Estados Unidos, segundo estudo da empresa de sequenciamento genômico Helix, e 34 casos no Reino Unido, de acordo com Agência de Segurança da Saúde do Reino Unido (UKHSA).
Como a deltacron foi descoberta
A variante vem circulando na França desde o começo de janeiro, mas foi reconhecida oficialmente no último mês. Isso porque o processo para identificar uma nova variante não é nada simples. “São necessárias várias etapas de análises e aprovações de comitês internacionais, que diferenciam uma variante recombinante de dados contaminados na bancada ou de casos de co-infecções”, diz Maria Carolina.
A deltacron ainda não foi detectada no estado de São Paulo pela Rede de Alerta das Variantes. Segundo a pesquisadora, ela poderia ser detectada caso um destes cenários acontecesse: (I) produção de deltacron em São Paulo, (II) importação de deltacron e (III) já termos a deltacron circulando em uma fração pequena da população infectada, que poderá ser detectada caso sua incidência aumente.
A produção de deltacron dificilmente irá acontecer agora no estado, devido à presença da ômicron em 100% das amostras analisadas. “Para acontecer a recombinação de delta com ômicron, a pessoa tem que estar infectada com as duas variantes. Nesse momento, não temos delta circulando; todas as amostras que estamos sequenciando são da ômicron. Mas a rede está preparada para detectá-la caso apareça em São Paulo”, afirma a cientista.
Novas cepas tendem a ser menos virulentas, mas ainda exigem cuidado
De acordo com Maria Carolina Sabbaga, o percurso de uma pandemia costuma ser o seguinte: surge um vírus com alta capacidade de transmissão e alta virulência, ou seja, altas chances de causar uma doença grave; aos poucos, a virulência vai diminuindo conforme surgem novas cepas. “Matar o hospedeiro não é uma vantagem evolutiva para o vírus, pois ele morre junto e não consegue mais se replicar. Por isso, as variantes menos agressivas vão ganhando espaço”, aponta.
Um fator de extrema importância nesse cenário é a vacinação, que produz uma resposta imune e protege os indivíduos contra casos graves e mortes, contribuindo para que a pandemia desacelere. Contudo, é importante ressaltar que pelo menos três bilhões de pessoas no mundo não têm acesso a nenhuma vacina contra a Covid-19 e, embora as novas variantes tendam a ser menos virulentas, elas podem ser mais transmissíveis – como parece ser o caso da ômicron, que causou uma explosão de casos no Brasil entre dezembro e janeiro, com um aumento de 58 vezes.
Além disso, alguns públicos ainda não foram imunizados no Brasil, como as crianças menores de cinco anos. A CoronaVac é aplicada nos brasileiros de seis a 17 anos desde o final de janeiro, e o Butantan solicitou recentemente à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) a aprovação do imunizante para a faixa etária de três a cinco anos, baseado em estudos que comprovam a sua segurança e eficácia nessa população.
Todas essas questões reforçam que a pandemia ainda não está no fim e que os cuidados como uso de máscara e distanciamento social devem permanecer, especialmente em ambientes fechados com baixa circulação de ar, onde o risco de transmissão é mais elevado.