A transmissão de vírus por meio da transfusão de sangue é um risco que se tornou bastante conhecido na década de 1980, com a epidemia do vírus da imunodeficiência humana (HIV), que na época infectou 75 milhões de pessoas e matou cerca de 35 milhões. Segundo um artigo de revisão do Instituto Butantan publicado na revista Viruses, a metagenômica viral, estratégia que identifica material genético de vírus em amostras, pode ser uma importante aliada para evitar esse problema. O assunto foi abordado na terça (8) pelo pesquisador do Svetoslav Slavov, durante o workshop Emerging Infectious Diseases: Biology, Prevention and Treatment, evento internacional promovido pelo International Centre for Genetic Engineering and Biotechnology (ICGEB) e que está sendo sediado no Butantan.
A metagenômica é uma técnica que estuda genomas de microrganismos, como os vírus. Através de sequenciamento genético de nova geração, é possível encontrar material genético viral em diferentes tipos de amostra. “Com essa tecnologia, podemos detectar inclusive vírus desconhecidos ou ainda pouco caracterizados pela ciência em amostras de sangue de doadores saudáveis, ajudando a identificar possíveis vírus emergentes”, explicou Svetoslav.
Hoje, com o uso de testes de diagnóstico sensíveis para as principais infecções virais, o processo de transfusão de sangue é considerado extremamente seguro, com baixa possibilidade de transmissão de doenças. No entanto, ainda há uma série de relatos de transmissão de arboviroses pelo sangue, como dengue, que durante grandes surtos causam uma alta porcentagem de infecções assintomáticas. A pessoa assintomática pode doar sangue sem saber que está com a doença. “Também já foram relatados na literatura casos de transmissão do vírus da encefalite japonesa (JEV), na qual o receptor do sangue desenvolveu encefalite grave e foi a óbito”, informa o artigo.
Nesse contexto, o cientista sugere que a aplicação de pesquisas metagenômicas entre doadores de sangue de grandes centros ou em regiões com frequente presença de vírus emergentes pode ser uma estratégia para identificar possíveis ameaças aos processos de transfusão de sangue. Para confirmar se os vírus encontrados representam de fato um perigo, alguns critérios devem ser analisados posteriormente, como a viabilidade do vírus no sangue e sua capacidade de infectar.
Svetoslav ressalta que nem todo vírus transmitido pelo sangue tem importância clínica. Os anelovírus e o pegivírus humano 1 (HPgV-1), por exemplo, componentes normais do viroma humano, são frequentemente transmitidos por transfusão de sangue, mas não causam doença clínica nos receptores. O viroma humano inclui todos os vírus encontrados em amostras de sangue de indivíduos saudáveis, como vírus comensais (não patogênicos), também conhecidos como “vírus do bem” – que se beneficiam do organismo humano sem lhe causar danos.
Avanços da ciência
Na época do surto de HIV, na década de 1980, o vírus levou três anos para ter o seu genoma caracterizado, exigindo um grande esforço internacional. Hoje, com a bioinformática e o sequenciamento de nova geração, a caracterização genômica de um agente viral em materiais clínicos leva apenas algumas horas. “Portanto, em um futuro próximo, essa tecnologia pode ser considerada o principal método para diagnóstico molecular, desenvolvimento de vacinas e novas estratégias terapêuticas”, aponta o estudo.
Para Svetoslav, a metagenômica viral tem potencial para se tornar uma ferramenta de rotina para identificação de vírus emergentes no campo da transfusão de sangue.