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Como é feita a vacina da gripe? PARTE 3: da formulação à embalagem

Um dos momentos mais críticos de toda a cadeia de fabricação do imunizante envolve etapas rigorosamente monitoradas e operadores em constante qualificação


Publicado em: 11/04/2023

Quem circula pelo Centro Bioindustrial do Instituto Butantan entre os meses de setembro e abril percebe uma movimentação e um clima diferente no ar: é a produção anual da vacina contra o vírus da gripe, que se encontra a todo vapor. São carregamentos de insumos que chegam com maior frequência, colaboradores e colaboradoras entrando e saindo da fábrica da Influenza 24 horas por dia e um constante vai e vem de caminhões, tudo para colocar o imunizante à disposição da população brasileira antes da chegada do inverno – período em que os casos da doença tendem a aumentar.

Entenda o processo de vigilância do vírus Influenza e a fabricação das cepas

Em meados de janeiro, a agitação se intensifica no prédio de Formulação e Envase. Sinal de que os três monovalentes – que compõem a vacina trivalente do Butantan e correspondem a cada uma das três cepas do vírus Influenza (duas do subtipo A e uma do tipo B) – já foram produzidos em quantidades suficientes para serem combinados e acondicionados nos famosos frasquinhos disponibilizados nos postos de saúde.

 

 

“É desafiador, porém motivante o período da campanha da Influenza, porque ela movimenta a instituição inteira. Todos se engajam para cumprir o contrato com o Ministério da Saúde, produzindo com total qualidade, segurança e no menor tempo possível”, afirma o gerente do Núcleo de Formulação e Envase, Ênio Alberto Xavier. Todos os anos, cerca de 80 milhões de doses do imunizante são fabricadas e entregues pelo Instituto Butantan ao Plano Nacional de Imunizações (PNI).

Saiba como acontece a produção da vacina contra a gripe

Colocar 6,2 ml de vacina, ou dez doses, dentro de cada ampola está longe de ser uma tarefa rápida e descomplicada. Por se tratar de um processo asséptico, essa etapa é considerada uma das mais críticas de toda a cadeia produtiva, demandando um ambiente extremamente controlado, rígidos processos de qualidade e pessoas muito bem treinadas. Entre o início da formulação e a liberação do produto pela Garantia da Qualidade são necessários quase 20 dias para a produção de um único lote.

A seguir, conheça as fases finais que o imunizante trivalente contra a influenza do Butantan percorre para, enfim, proteger os brasileiros.

 

Formulação

Etapa 1: recebimento e preparo da documentação

A área de Planejamento e Controle de Processos (PCP) emite uma ordem de produção junto com uma documentação técnica, chamada Registro de Produção de Lote (RPL), para o setor de Formulação. Como toda a papelada vai circular em ambientes altamente controlados, é preciso prepará-la previamente, de forma que chegue às áreas produtivas esterilizada. 

Na prática os documentos enviados pelo PCP são postos em um sistema de triplo bag, como se fosse um envelope dentro de outro, e colocados em um equipamento chamado autoclave para que sejam submetidos ao processo de esterilização, eliminando possíveis contaminantes. Conforme o documento avança pelas áreas controladas, os operadores vão eliminando os envelopes manipulados, garantindo que o material permaneça estéril até chegar no ambiente com o maior nível de classificação. 

 

Etapa 2: adição das matérias-primas e filtração

O RPL inclui uma espécie de “receita” que descreve as quantidades necessárias de cada uma das substâncias da vacina. “A formulação é a mistura dos três monovalentes e os demais componentes que compõem a vacina. Um lote produtivo possui 600 litros que, após formulados, devem ser liberados pelo Controle da Qualidade para, enfim, seguir ao envase”, explica Ênio. 

O processo consiste na mistura dos três diferentes Insumos Farmacêuticos Ativos (IFA) que correspondem a cada monovalente, além da solução salina e do conservante que compõem o imunizante. O trabalho é realizado por operadores treinados, que devem seguir à risca as quantidades dos componentes, conforme descrito nos procedimentos. Para garantir a isenção de todo e qualquer microrganismo, o produto passa por um processo de filtração, seguido por etapas de homogeneização e retirada de amostragem para testes. Finalizada a operação, o reator com o produto é armazenado em câmara fria.

 

Envase

Etapa 1: lavagem e despirogenização dos frascos-ampola

Depois que o lote formulado do imunizante é analisado e liberado pelo Controle da Qualidade e toda a documentação para o envasamento é preparada, automaticamente se inicia a lavagem e despirogenização dos frascos-ampola. Nesta etapa, os vidrinhos são submetidos a uma temperatura de 350 graus, que garante a eliminação de qualquer partícula proveniente de microrganismos. Quando prontos, os frascos já ficam posicionados na “entrada” da máquina de envase.

 

Etapa 2: envasamento e recravação 

O reator é retirado da câmara fria e transferido para uma sala específica, onde são feitas as conexões com a máquina de envase através de tubulações – um processo crítico, realizado por meio de ligações assépticas, executadas por operadores treinados. A partir daqui, o processo é automatizado: os frascos são enfileirados em uma esteira e bombas dosadores os preenchem com exatos 6,2 ml da vacina influenza. Em seguida, as ampolas recebem uma tampa de borracha e são lacradas por meio de um sistema de recrave. “Antes do início dessa etapa, todos os testes de liberação do processo, como volume de envase e vedação dos frascos, são realizados. O objetivo é assegurar que as especificações estejam corretas e garantir que os vidrinhos contenham as dez doses do imunizante e que também estejam vedados, evitando contaminações”, explica Ênio. Depois disso, o envasamento é contínuo e os controles estabelecidos são realizados durante o processo.

 

Etapa 3: inspeção visual automática

Após o preenchimento com o líquido da vacina e a vedação, os frascos-ampola seguem para um sistema de inspeção visual automático composto por dez câmeras, capazes de identificar qualquer partícula estranha depositada no vidro. Nesta triagem, o equipamento segrega da linha os produtos com algum tipo de desvio. Já os vidrinhos bons passam por uma última análise visual, realizada por operadores do Controle da Qualidade. Essa é a etapa final do envase, que dura em média 12 horas. Depois desse período, é realizada a preparação da linha para o início de um novo lote. Chamada de setup, a parada dura aproximadamente seis horas e prevê a limpeza das máquinas e salas, assim como a reconfiguração dos aparelhos.

 

Etapa 4: rotulagem e acondicionamento

Na sequência, o lote segue para uma nova máquina para receber o rótulo com a identificação dos dados variáveis, que são o número do lote, a data de fabricação e a validade. Os frascos de vacina Influenza seguem para uma mesa de acondicionamento e são inseridos manualmente em uma bandeja de plástico, chamada berço, que garante a estabilidade dos vidros durante o transporte, evitando quebras. Depois, o kit e a bula são inseridos dentro de um cartucho.

“Temos uma balança muito sensível, que é configurada para identificar a falta de qualquer um desses elementos e expulsar da linha o cartucho com desvio. Assim, asseguramos que todos tenham sempre dez frascos da vacina Influenza, encaixadas em um berço e uma bula”, conta Ênio. Por fim, os cartuchos são identificados com os mesmos dados variáveis do rótulo e colocados em uma caixa maior, que será acomodada em um pallet enviado ao estoque. Após a liberação do Controle da Qualidade e da Garantia da Qualidade, que acontece em um prazo de até 20 dias, os lotes são liberados para entrega ao Ministério da Saúde, conforme o cronograma acordado.

 

Treinamentos semestrais

No total, mais de 340 colaboradores estão envolvidos na formulação, envase, rotulagem e acondicionamento da vacina do Butantan contra a gripe. A cada seis meses, as etapas de formulação e envase passam por uma qualificação chamada media fill. Nesse treinamento, todos os procedimentos, comportamentos operacionais e intervenções críticas que podem acontecer durante um processo de envase são desafiadas. Além disso, frascos envasados com o imunizante e contendo meio de cultura são incubados em estufa no Controle da Qualidade para avaliar se haverá crescimento microbiológico. 

Só após comprovar que as ampolas estão isentas de contaminação é possível assegurar que as atividades realizadas atendem aos requisitos críticos de qualidade asséptica. “No processo ‘real’, o operador só pode fazer intervenções que já foram desafiadas no media fill. Caso contrário, é preciso parar as máquinas, reunir toda a equipe e avaliar a situação. É um processo bonito, mas também muito crítico e extremamente trabalhoso, em que um simples descumprimento de procedimento pode levar à perda de um lote”, resume Ênio. 

 

Reportagem: Natasha Pinelli

Fotos: Rafael Simões e Mateus Serrer/Comunicação Butantan