Subsídios mais justos, harmonização regulatória, parcerias público-privadas e novas tecnologias para democratizar o acesso às vacinas foram alguns dos assuntos discutidos no segundo dia da 25ª Assembleia Geral Anual da Rede de Fabricantes de Vacinas de Países em Desenvolvimento (DCVMN, na sigla em inglês), que ocorreu nesta quinta (17) na cidade de São Paulo.
O evento, realizado pelo Butantan e pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) no Hotel Grand Hyatt São Paulo, entre os dias 16 e 18/10, reúne mais de 40 fabricantes de vacinas, vindos de 15 países em desenvolvimento, dedicados à pesquisa e à inovação.
O diretor-executivo da Fundação Butantan, Saulo Simoni Nacif, abriu o painel “Inovações em Mecanismos Financeiros: Influência e Impacto na Cobertura Universal” abordando os desafios econômicos de fabricantes para produzir e distribuir seus imunizantes.
"Queremos dinheiro justo para projetos justos", disse o diretor-executivo da Fundação Butantan, Saulo Nacif, durante o evento
Saulo destacou todos os custos envolvidos no desenvolvimento, na produção e na distribuição de vacinas e a necessidade de haver mais flexibilidade e facilidade de subsídios para o setor. E enfatizou: “Não queremos dinheiro gratuitamente, queremos dinheiro justo. Queremos dinheiro justo para projetos justos”.
O debate foi acompanhado por executivos da Organização Mundial da Saúde (OMS), da Fundação Bill e Melinda Gates (BMGF), da Corporação Financeira de Desenvolvimento Internacional dos Estados Unidos (DFC), da RiGHT Foundation, da Coreia do Sul, e da Corporação Financeira Internacional (IFC), que falaram sobre as diferentes necessidades em toda a cadeia de valor e os tipos de financiamentos necessários para o mercado de vacinas voltado aos países em desenvolvimento.
“Conversando com os meus colegas e com outros fabricantes, entendemos que se procura por taxas competitivas, por um custo global do capital e por flexibilidade em termos de mecanismos financeiros que reconheçam a diferença nos riscos de diferentes projetos para evitar um orçamento único”, afirmou Saulo Nacif.
Harmonização regulatória
Na mesa “Harmonização Regulatória e Desenvolvimento Clínico levando ao acesso oportuno às vacinas em países de baixa e média renda”, membros da OMS, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), da Coalizão para Inovações em Preparação para Epidemias (CEPI) e da BMGF destacaram alguns avanços e gargalos ainda presentes no desenvolvimento de vacinas nos países mais pobres.
O diretor de Regulatório, Controle de Qualidade e Estudos Clínicos do Butantan, Gustavo Mendes, falou de avanços e desafios regulatórios
O diretor de Regulatório, Controle de Qualidade e Estudos Clínicos do Butantan, Gustavo Mendes, apontou, durante perguntas para a mesa, alguns avanços regulatórios, como a aceleração de processos e a troca de informações para a aprovação das vacinas de Covid-19, mas lembrou que essas iniciativas ainda não se tornaram uma realidade geral. O diretor de regulação e pré-qualificação da OMS, Rogério Gaspar, lembrou que é um desafio trabalhar com dados de vida real, e ressaltou a importância de se melhorar a comunicação entre pesquisadores, fabricantes e agências reguladoras.
Na sessão “Vacinas Prioritárias: Poliomielite, Tuberculose, Dengue, Malária e Meningite”, o pesquisador científico Julio Croda, da Fiocruz, abordou a implementação da vacina da dengue Qdenga, da farmacêutica japonesa Takeda, no Brasil e lembrou que o Instituto Butantan estuda sua própria vacina contra a doença. “O Butantan tem uma vacina especifica para a dengue de uma dose só, que se mostrou imunogênica e que já está com a pesquisa avançada”, disse.
Pesquisador científico Julio Croda, da Fiocruz, abordou a vacinação contra a dengue no Brasil
No mesmo painel, o diretor de Inovação, Iniciativas e Desenvolvimento Empresarial do Instituto Internacional de Vacinas (IVI), Sushant Sahastrabuddhe, abordou a necessidade do acesso à vacina contra a tuberculose. “A tuberculose é a segunda doença infecciosa que mais mata no mundo, com 1,23 milhão de mortes ao ano, perdendo apenas para a Covid-19, que mata 1,24 milhão por ano”.
A mesa teve ainda a presença do chefe-global de Saúde da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), Siddhartha Prakash, e do vice-presidente da farmacêutica CanSino Biologics, Chunlin Xin.
Produção regional e inovação
A mesa “Envolvimento do setor privado para impulsionar a produção regional” abordou a importância de se fortalecer a produção local de vacinas e diversificar o portfólio de acordo com necessidades regionais através de parcerias público-privadas.
“Em muitas regiões não há políticas totalmente desenvolvidas que impulsionem o setor privado com incentivos fiscais, subsídios para fabricação local, aprovações regulatórias simplificadas, políticas de aquisição favoráveis e estruturas que incentivam a colaboração entre instituições de saúde pública e empresas privadas não só para o compartilhamento dos riscos financeiros, mas também das recompensas no investimento na fabricação local de vacinas”, disse Claudia Nannei, gerente sênior do Programa de Acesso à Medicamentos e Produtos de Saúde da OMS.
A mesa contou com o executivo sênior de Comércio Estratégico da Aspen Pharmacare Stavros Nicolaou, da África do Sul; o chefe da Unidade de Produção Local e Unidade de Assistência da OMS, Jicui Dong; o gerente-executivo da OPAS, Santiago Cornejo; e a CEO da PT Biofarma, Soleh Ayubi, da Indonésia.
Claudia Nannei, gerente sênior do Programa de Acesso à Medicamentos e Produtos de Saúde da OMS na mesa "Envolvimento do setor privado para impulsionar a produção regional"
Nos últimos painéis, sobre “Novas Tecnologias” e “Tecnologia digital e impacto da Inteligência Artificial nas vacinas”, executivos de tecnologia em saúde abordaram a tendência de se desenvolver novas vacinas de aplicação oral e nasal com a redução de injeções, a fim de tornar a vacinação algo mais natural e reduzir a hesitação. Por fim, empresas de Inteligência Artificial apresentaram plataformas capazes de monitorar o risco de novas pandemias e atrelar tais informações à produção de vacinas emergenciais.
“Tivemos insights muito bons sobre como acelerar a distribuição de vacinas e o monitoramento de estoques durante uma crise sanitária. E por que não usar a inteligência artificial como gatilho para a oferta de imunizantes utilizando modelos específicos para previsões sobre doenças?”, questionou o diretor de Parcerias Estratégicas e Novos Negócios do Butantan, Tiago Rocca, ao explanar um resumo ao final do evento.
Insights e uso de inteligência artificial: o diretor de Parcerias Estratégicas e Novos Negócios do Butantan, Tiago Rocca, fez uma explanação final sobre o segundo dia
Reportagem: Camila Neumam
Fotos: Renato Rodrigues e DCVMN oficial